No dia seguinte eu vou trabalhar. Visto o meu traje para dançar. Um biquíni branco com adereços e véus presos a ele. Maqueio o meu rosto como de costume, reforçando mais a área dos olhos com uma sombra escura, lápis preto, e delineador.
Hoje me parece uma daquelas noites em que absolutamente nada fica fora do lugar. Passo os olhos pelas mesas baixas nos clientes sentados em almofadas. Homens sozinhos, famílias inteiras, homens e mulheres acompanhados. Estaco quando eu o reconheço. Na última mesa à direita está sentado o meu salvador, que tem a sua atenção voltada exclusivamente para mim.
Os refletores se acendem, me envolvendo, e o palco se enche de suaves nuvens de fumaça. Eu ergo os braços e coloco uma das minhas pernas torneadas para frente, algumas pessoas assobiam com o meu gesto.
Assim que a música Laily Lail de Mario Reyes e Carole Samaha se inicia eu começo a dançar, mexo freneticamente as minhas pernas e quadris. Agora eu não sou mais uma mulher comum, eu visto o personagem, eu sou Khadija a odalisca.
Segundo o meu chefe, é a minha dança, o meu sorriso e talento que conquistam as pessoas. Logo o público começa a bater palmas e se contagiar com a minha dança.
Vestido todo de negro, aquele homem que me ajudou destoa do local com o seu terno caro. Ele me observa quase imóvel, só se move para bebericar o seu drinque. Não percebo sinais de fraqueza, apenas força irradia deste homem.
Danço mais duas músicas, Hanine Arábia e Artem Uzunov - Melody Of Heartbeat, todas elas agitadas, ao terminar já estou quase sem fôlego, finalizo o show com os braços para cima e o queixo erguido.
As palmas explodem em minha direção, e eu abro os meus olhos e sorrio, me inclinando para o público dou de cara com os olhos negros daquele homem, me encarando, de forma muito séria, como se desprezasse o que eu faço.
Se não gosta por que veio? Eu me questiono.
Saio do palco sob fortes protestos. Logo um rapaz que toca violão e canta assume cantando uma música de Tamer Hosny Dayman Maak (sempre com você) e o público se aquieta para ouvi-lo.
Sigo até o camarim improvisado e depois entro no banheiro. Tiro a roupa da apresentação e coloco a mesma roupa que eu usei ontem. Calça jeans, camiseta preta e jaqueta de couro.
Entro no camarim e vejo Heloísa, ela está colocando um vestido longo para cantar logo mais.
— Está quente esta noite, não acha? — Ela comenta.
— Não, é esse camarim que é apertado demais. Lá fora está gostoso.
Ela olha com desagrado para o seu reflexo no espelho.
—Verdade. Deve ser isso mesmo. —Ela me olha e diz: — O restaurante deve estar lotado, ouvi daqui as palmas que você recebeu.
— Sim, está cheio de gente.
Heloisa me olha através do espelho da penteadeira e comenta:
— Você está terrivelmente magra, precisa reagir.
Reagir!? Não é só a perda do meu irmão que está me abatendo, minha vida também está desestruturada, isso sem contar a grande dívida que eu tenho nas costas.
— Eu sei. — Respondo e sorrio tristemente.
— Vai surgir alguma coisa — Heloísa diz otimista. — Você vai estar trabalhando logo, logo.
—Assim espero, tenho saído na parte da manhã para entregar currículo.
Com a minha vida difícil não tive oportunidade de me especializar em profissões de destaque. Então eu me candidato para todo o tipo de trabalho, de lavadora de pratos a camareira ou recepcionista.
Observo a Heloisa, ela não precisa se preocupar pois seu marido tem um emprego fixo.
— Bem, já vou indo. — Eu digo, encarando-a pelo espelho.
O camarim é minúsculo, não há espaço para duas penteadeiras diante do espelho, o que nos obriga a revezar.
Por isso eu sempre saio maquiada, os meus olhos ainda estão bem delineados e as pálpebras pintadas de cinza.
A maquiagem não me deixa mais velha, eu tenho os traços delicados, as maçãs do rosto bem marcadas e o nariz afilado com a ponta levemente arrebitada. Minha pele sob a pesada maquilagem do palco é branca e macia, sem manchas, tenho lábios cheios e bem desenhados.
—Se quiser tirar a sua maquiagem eu não vou me demorar.
— Não, tudo bem. Pode ficar tranquila.
Neste momento ouço alguém bater na porta. Resolvo abri-la e me deparo com um menino que segura um buque gigante de rosas vermelhas.
—São para a Khadija.
—Para mim!? —Eu pisco sem acreditar. —Obrigada.
Pego as flores dos braços do garoto e fecho a porta.
—Hum, temos mais um fã. —É muito comum recebermos flores, mas não tão exuberantes assim. A pessoa deve ter gasto uma fortuna!
Meu coração se agita com esse pensamento. Minha intuição me diz que elas foram entregues a pedido do homem que me ajudou. Eu procuro por um cartão e o encontro preso ao papel transparente que envolve as flores.
Leio silenciosamente:
Khadija,
A mulher traz no sorriso um verdadeiro paraíso ornamentado de flores, ela já nasceu predestinada a ser admirada. A sua apresentação foi linda.
A propósito, eu sou o Rashid. Acho que não nos apresentamos direito ontem à noite.
Eloisa cresce os olhos pelo tamanho do buquê.
—De quem são as flores?
—É de um homem que eu conheci ontem.
—O cara está bem interessado em você! E ele é bonito?
—Sim, muito. —Interrompo a conversa. —Eu já vou indo senão perco o meu ônibus e terei que esperar por muito tempo até que outro passe no ponto.
—Claro. —Ela diz com um meio sorriso.
Eu saio carregando o buquê de rosas nos braços. Elas enfeitarão um pouco a feiura do quarto alugado em que eu moro. Não sou mulher para aquele cara. O fato de ele estar presente no restaurante e me mandar flores não me envaidece, eu conheço a minha realidade.
O que um cara como ele vai querer com uma mulher como eu?
Pensando nisso, sigo em direção aos fundos do restaurante, passo pelo corredor e depois pela parte administrativa, logo estou na saída.
Já na calçada, caminho até o ponto de ônibus, e quando já estou próximo a ele, os dois carros de ontem surgem ao meu lado e me seguem até que eu pare.
Com o coração agitado vejo a porta se abrir e Rashid sair por ela.
—Pelo visto gostou das flores.
Eu olho para elas.
—Sim, obrigada, são muito lindas...
Seu sorriso me corta. Ele parece quase inofensivo. O charme e a leveza na sua voz até me fazem esquecer o quanto ele pode ser perigoso.
—Você dança muito bem. Qual é o segredo para toda energia que demonstrou?
—É o meu trabalho, eu levo à sério o que faço.
—Eu tenho um trabalho para você.
Allah! Trabalho? Que tipo de trabalho?
Eu toco no meu pescoço e deslizo a mão sobre ele, incapaz de parar o gesto de nervosismo, querendo desesperadamente que ele pare de me olhar desta maneira tão estudada e tão intensa. Seus olhos negros tempestuosos me mantêm cativa.Ele abre a porta do carro e me convida para entrar fazendo um gesto com a sua mão.—Entre.Eu congelo, sem conseguir me mover. Rashid se aproxima e para na minha frente.—Eu não vou te fazer mal, ontem eu te salvei. Acho que comportamentos assim geram segurança, não?Eu estremeço diante do seu olhar quente.—Você não é nenhum mafioso ou coisa do tipo, é?Ele inclina a cabeça para trás e ri, sua garganta bronzeada zombando de mim, quase tanto quanto a sua risada musical. Eu tento lutar contra a chama do desejo que percorre o meu corpo.—Não, não sou. —Ele diz fazendo um esforço supremo para conter a sua risada. —Gosto disso, da sua ingenuidade em relação a quem eu sou. Por favor, entre e ouça a minha proposta.Eu me sinto emocionalmente confusa, me criticand
Ele sorri de forma apreciativa.—Ótimo. Esse cargo que você ocupará não permitirá que você tenha compromissos fora, nem com ninguém.Eu respiro fundo tentando entender aonde ele quer chegar com tudo isso. O que ele vai me propor?—Você tem parentes? —Uma nova pergunta.Com o coração agitado respondo:—Não, sou só eu.Ele me olha pensativamente.—Eu andei te investigando. Descobri que tem uma grande dívida no São Marcos.O quê? Meu coração dá um salto no peito e minhas mãos tremem.Por que me investigar? Por que diabos ele precisava saber disso?—Sei que está confusa, mas tive que entrar na sua vida para saber com quem eu estava lidando.—Então deve saber tudo sobre mim. Por que me perguntou se tenho namorado ou parentes?—Para você entender que se aceitar o que eu vou te propor, sua vida sentimental será zero. Amigos, parentes, tudo deve sumir nesse momento. Você se dedicará exclusivamente ao seu cargo.Ficamos em silêncio por alguns minutos. Ele está completamente à vontade, enquanto
Eu estremeço.—Entendo.Ele se aproxima de mim, assustada dou um passo para trás. Ele sorri e olha para mim por vários momentos, e eu não consigo ler sua expressão. Fico mais desconfortável a cada segundo que passa. Ele é enorme, agora que percebo como ele é forte e alto.—Khadija. —Ele fala como se tivesse provando meu nome com sua língua. —Você precisa aprender a relaxar comigo. Meu pai é muito perspicaz. Se cada vez que eu me aproximar, você saltar como fez agora, tudo irá por água abaixo.Silencio por um momento. Eu estou muito ofegante, de repente começo a sentir esse prazer inexplicável que corre através de mim, que não é tão invisível quanto eu penso que é. Minhas bochechas aquecem. Meu coração está agitado no peito. Balanço a cabeça apenas concordando, lutando para manter meus olhos fixos nos dele.Seus olhos descem para os meus lábios. Eu estremeço, pois sei o que ele fará. Posso ver seu coração agitado como o meu, ele também está ofegante. Então ele me puxa para os seus braç
No dia seguinte fico em frente ao espelho e dou uma última olhada na minha figura. Meu vestido tubinho preto vai até o joelho. Meus cabelos negros estão soltos, mas devidamente bem penteados, a maquiagem é leve. Não sou eu naquela imagem refletida no espelho, mas sei que de agora em diante eu vou ter que me vestir dessa maneira.Saio do quarto e caminho em direção aos elevadores. Os saltos altos nos meus pés me lembram do quanto eu me sinto desconfortável com eles.A secretária simpática de Rashid me recebe com um sorriso. E como da outra vez, eu entro no escritório do Rashid sem bater.Meu coração acelera como sempre acontece quando eu estou prestes a vê-lo. Não entendo muito o porquê dessa minha reação, mas respirar fica sempre mais difícil quando dou de cara com esses olhos negros.Rashid sorri para mim, um sorriso torto. Imediatamente isso envia ondas de calor pelo meu corpo. Eu sorrio com frieza para ele, pois o que eu menos quero é demonstrar que babo por ele.Posso sentir o rub
Algo que sem dúvida chamou minha atenção – e não era preciso ser muito observadora – foi o quanto essa família parecia gostar de lutas, das batalhas e guerras. Nas salas da seção central da mansão, que são decoradas em madeiras nobres, nos escritórios internos e nas suas bibliotecas, estão dispostas armas antigas. Ali, um arcabuz de algum tempo muito anterior à guerra civil; em outra parede, alabardas e espadas medievais. Ao lado da estante, na biblioteca, armaduras de cota de malha.É nessa mansão que se iniciou a minha história. Na casa antiga que domina uma colina de onde se pode ver o mar logo abaixo, que quebra em uma linda praia particular de areias claras.Depois que Rashid me mostrou a casa, o pai dele surgiu na sala para me conhecer. Rashid nessa hora envolveu minha cintura e com um sorriso me apresentou para ele. Foi neste momento que eu me apaixonei pelo velhinho simpático e de sorriso fácil. Quem olhasse para ele não diria que estava doente ou com problemas sérios de saúde
Eu concordo. Rashid dá um sorriso lento e me puxa de encontro a ele. Tudo isso é uma farsa? Eu me pergunto quando vejo o calor do seu olhar. Com a respiração presa nos meus pulmões, observo a sua boca. Meu corpo inteiro vibra quando ele me puxa ainda mais perto e desce os lábios sobre os meus. Ele deveria ir para o inferno por ser tão sedutor. Sua língua invade a minha boca e se move sobre a minha. Meu coração se agita.Uma mão se enrosca nos meus cabelos e agarra uma mecha deles, de modo que o meu rosto se incline mais para o seu. Ele me beija longamente, e só vai me soltando aos poucos.— Então, vamos recapitular — Ele diz quando se inclina para sussurrar no meu ouvido. —Quando eu estiver em casa nós vamos encenar, debaixo dessas câmeras seremos bem convincentes. O meu pai é muito esperto e com toda certeza ele vai buscar as imagens para saber como está evoluindo o namoro.Logo depois ele me afasta.—De vez em quando vou precisar entrar no seu quarto e ficar algum tempo por lá.Eu e
Rashid ri e abre o cinto. Eu fico vermelha. Outro sorriso e ele puxa o zíper, sua calça indo para o chão. Ele se senta na cama tranquilamente, e sem me dar ouvidos retira as suas meias.—Você precisa se acostumar comigo. Vamos para a praia, andar de iate e ficaremos na piscina. Em todas essas oportunidades o meu pai pode querer nos acompanhar. Se você tiver essa reação toda vez que me ver só de calção, vai acabar com o nosso disfarce. Então relaxa, eu não vou fazer nada com você.Ele fica de pé e me olha como se fosse normal ele estar só de cueca preta Calvin Klein no meio do meu quarto.Com o coração agitado eu reviro os olhos e, balançando a cabeça, saio em direção ao banheiro pisando duro. Fico por lá um tempão, ando de um lado para o outro me questionando se eu fiz a coisa certa ao fechar um acordo com esse cara. Toda hora ele surge com alguma novidade, algo que ele não explicou ou não revelou antes.Com o coração agitado resolvo sair do banheiro. Rashid está lá, deitado tranquil
No dia seguinte eu acordo cedo e arrumo-me. Coloco um dos vestidos que ele me deu. Pego um preto de corte simples, mas que valoriza as minhas formas e rejeito as outras opções de cores. O meu humor está mais para o vestido preto, não quero agir como um pavão que clama pela sua atenção. Na verdade, se eu puder passar despercebida será melhor. Eu estou uma pilha de nervos pois não sei o que me espera daqui para frente.Não!Na verdade, eu sei!Saio do quarto e logo sou recepcionada pela empregada, a Zilá.—Bom dia Senhorita.—Bom dia, Zilá.—Rashid já se levantou. Ele está na biblioteca, me pediu para que a Senhorita o aguardasse na sala.Eu respiro fundo, dou-lhe um sorriso e digo:—Tudo bem.Quando ela sai vou até a janela, e ao abrir um pouco as cortinas me pego admirando a praia.Há um pequeno gramado verdinho em frente à casa, depois a areia fofa e branca, logo adiante se erguem altos coqueiros e embaixo deles espreguiçadeiras com guarda-sóis. Tudo isso de frente para um lindo mar