Ele me beija no pescoço, seus lábios quentes ficando um segundo a mais do que o necessário, a pressão suave sobre minha pele criando um arrepio que percorre minha espinha. Fecho os olhos por um instante, sentindo o calor de sua proximidade, a tensão no ar crescente, mas a voz rouca dele me tira do transe.— É? Falando nisso, onde está minha pequena?Dante aguça os ouvidos, seu olhar vasculhando o ambiente com aquela atenção predatória, como se estivesse caçando algo. Aproveito o momento, meu coração batendo descompassado, e me desvencilho rapidamente, escorregando para fora do abraço apertado, agachando-me com agilidade.— Saíram todos. Seu irmão a levou para uma sorveteria com a namorada.Ele solta uma risada baixa, algo entre surpresa e diversão, um som que me faz tremer por dentro, ainda que eu tente esconder.— Rafael? Trouxe uma mulher para casa? As coisas mudaram na minha ausência.Cruzo os braços, tentando disfarçar o desconforto que queima no meu pescoço, onde ele ainda deixou
Saio do quarto e sigo até a sala. Dante do outro lado da sala. Ele está apoiado no parapeito da varanda com um copo de uísque entre os dedos, girando o líquido como se tentasse encontrar respostas nele. Puxo o ar para tirar o meu nervosismo e vou até ele.— Que foi? Você está tão meditativo — digo, depois de um longo silêncio.Ele ergue os olhos para mim, e há algo ali que não reconheço de imediato. Cansaço, talvez. Ou algo mais profundo, algo que ele tenta esconder, mas que, por alguma razão, sinto que posso ver.— Você sempre faz isso?— Isso o quê?— Querer saber o que se passa na cabeça dos outros.Sorrio de leve.— É que você parece tão melancólico e não resisti em saber o que se passa na sua cabeça.Dante me observa por um instante, depois suspira e passa a mão pelo cabelo, como se estivesse considerando se deveria ou não falar. Quando finalmente se decide, sua voz sai mais baixa.— Estou pensando na minha vida, no que eu era antes e o que me tornei agora.Me surpreendo com a h
DanteEu estou agitado. O carregamento que receberei amanhã é muito importante. Tanto que irei pessoalmente ao local. Me deito na cama com a imagem de Rebeca. Mas que merda! Digo quando me vem a mesma angústia e frustração por ela me resistir.Eu não gostaria de estar me sentindo assim, preso nessa gaiola. Gostaria de poder confiar a ela todos os meus demônios interiores. Mas sei que é exigir muito de uma jovem como Rebeca. Ela é tão certinha e não aceitaria o que eu faço. Eu mesmo tenho consciência que meu lado obscuro afasta as pessoas quando revelado. Por isso eu me escondo. Oculto o que sou das pessoas que eu amo. Esse lado tenebroso só meus homens sabem.Tudo isso tem um preço: a solidão. Eu posso estar cercado de pessoas, mas as que eu realmente amo, jamais poderei me abrir.Se Rafael tem tudo o que tem hoje, foi porque eu dei o primeiro empurrão. Quando ele não era nada, quando mal conseguia se virar, fui eu quem arranjou dinheiro e ajudou a montar a imobiliária. Eu já estava e
Preciso ficar esperto. Tem algo errado com ela. Algo nela não bate, algo me intriga. A desconfiança cresce dentro de mim, como um alerta pulsando sem parar. Meu instinto grita para vigiá-la.Quem é Rebeca? O que ela faz quando ninguém está por perto? Onde ela gosta de ir? Ela tem alguém? A adrenalina circula pelo meu corpo enquanto caminho ao lado de Leleco em direção ao carro. O carregamento que iremos receber hoje é valioso. Deu trabalho demais. Foram semanas de negociações com Manuelino, nosso intermediário. Ele é o elo com os tubarões do tráfico na Colômbia. As pessoas não fazem ideia do que é negociar drogas. São meses de planejamento, caminhos traçados, dinheiro investido. O lucro é alto, mas o risco também. E o perigo é o que me faz sentir vivo. O coração bate mais rápido, a adrenalina arde nas veias. Eu amo isso. Dirijo em silêncio, imerso nos meus pensamentos. Leleco me conhece bem o suficiente para não puxar conversa. Em quinze minutos, chegamos ao ponto de encontro. O lu
IsabelaAlcanço a calçada, o sol castiga minha pele. No meio do caminho, um puxão firme me arranca do fluxo dos meus passos. Viro-me assustada, o grito de terror preso na garganta ao me deparar com os olhos verdes de Dante. Meu coração dispara, o ar se torna escasso. Pela maneira como ele me encara e pelo aperto de ferro em meu braço, sei que ele já descobriu tudo.— Dante! — Tento esconder meu pânico, me agarrar à esperança de que ele ainda tenha dúvidas. — Solta meu braço, você está me machucando!Ele abre a jaqueta de couro, revelando o brilho metálico de uma semiautomática prateada na cintura.— Fique quieta e não resista. — Sua voz vem afiada como uma lâmina. — Agora, anda!Seus olhos faiscam, sua decisão já foi tomada.Ele me empurra sem cerimônia. Apavorada, tento puxar meu braço, mas antes que consiga, sinto o frio do cano da pistola pressionar minha cintura.— Você acha que eu hesitaria em usá-la? — Ele murmura, a ameaça gotejando veneno. — A resposta é não. Então seja boazin
Eu fungo, tentando conter o medo que se espalha pelo meu corpo.— Por que tá me tratando assim? Por que me trouxe desse jeito, como se eu fosse uma criminosa? — tento investir na minha falsa inocência.Ele se aproxima de mim, arfando. Seu corpo todo parece tenso, como se estivesse se segurando para não explodir.Até quando? Me pergunto.Ele ainda segura meu rosto. Sua respiração quente sopra as mechas do meu cabelo caídas sobre meu rosto.— Para com essa encenação. Esse rostinho de vítima não combina mais com você. Meu Deus, eu devia ser muito otário mesmo!— O que você tá dizendo?Ele me solta bruscamente, como se tivesse nojo de mim.— Cale a boca. Ronilson, traz a bolsa. — Ele urra.Meu coração dispara. Droga! Minha insígnia policial, meus documentos... Estão todos ali.Ronilson, um homem de estatura mediana e corpo forte, entra e lhe entrega a bolsa. Dante a abre e, em segundos, seus dedos encontram minha insígnia. Ele aperta o distintivo contra meu rosto, como se quisesse carimba
DanteEstou angustiado. Pela primeira vez na vida, não sei o que fazer. E essa incerteza me irrita.Encaro Ronilson e Leleco, que me olham como se esperassem uma ordem definitiva, uma sentença de morte, talvez. Eles querem que eu resolva essa merda do jeito que sempre resolvo. Com frieza. Com eficiência. Mas não posso. Não agora.— Ronilson, entra lá e leva um copo d’água pra ela. E você, Leleco, pega o carro e vai na cidade comprar uns mantimentos. Vou te passar uma lista. Aproveita e compra umas roupas pra ela também, pelo menos uma muda de cada e uma camisola.— Dante, na moral, tu não pode manter essa mulher aqui. Resolve logo essa parada. Tu só precisa dar a ordem. Que porra tá acontecendo contigo? — Leleco retruca, inconformado.Respiro fundo, forçando minha expressão a permanecer inabalável. Mas por dentro, um furacão me devasta.— Que porra está acontecendo comigo? — repito, minha voz saindo como um trovão abafado. — Eu preciso de um tempo. Só isso. Não quero agir de qualquer
IsabelaOlho para fora pelos vidros sujos da janela gradeada do quarto. A sensação de impotência me sufoca. Estou em um lugar afastado, cercado por mata e silêncio.A casa em si não é ruim. Para um esconderijo no meio do nada, até que é bem estruturada. Tem cheiro de lugar fechado, mas está claro que é usada de vez em quando. Os lençóis da cama estão limpos, o banheiro organizado, o chão sem poeira. Isso me diz que alguém preparou tudo para minha chegada.Ouço a porta rangendo ao se abrir. Meu corpo enrijece, e me viro devagar. Dante entra segurando alguns pacotes.— Trouxe umas roupas pra você — diz, jogando os pacotes na cama.Minha respiração se acelera.— O que você quer com isso? — minha voz sai cortante, carregada de medo. — Me mantendo presa desse jeito… você sabe onde isso vai dar, né? No final, vai acabar me matando.Os músculos da mandíbula dele se contraem.— Não quero que pense nisso — responde, num tom duro.Seco uma lágrima com raiva e disparo:— Como não pensar?A facha