2-A MULHER É LOUCA

****LIARA ALMEIDA****

Estou tensa, quase em pânico, meu grande sonho está se concretizando, estou em solo americano pela primeira vez.

Não era bem nessas circunstâncias que sonhei vir para os Estados Unidos, no entanto, a situação em que me meti para poder pagar a cirurgia da minha mãe, não me deixou muita escolha.

De tudo, o que me deixa ansiosa, na verdade, é o reencontro com Felipe, meu amor de infância.

Mesmo que ele nunca tenha tido conhecimento disso, estar na casa dele, onde vive com a mulher e a filha, será bem estranho.

E como se isso já não fosse ruim o suficiente, tive que enfrentar um voo com muita turbulência, minhas pernas estão bambas até agora, mesmo depois de ter aterrissado em segurança há alguns minutos.

Pego minha única mala e caminho em direção ao portão de saída, não vejo Felipe.

— Será que ele esqueceu de mim?— resmungo baixinho.

Meu coração b**e afoito, as pessoas vão saindo, alguns abraçam seus entes queridos, outras saem apressadas e eu me sinto perdida, olho para todos os lados e não encontro.

De repente alguém toca meu ombro de leve, me viro e vejo um homem alto, loiro e muito bonito, com um sorriso simpático no rosto.

— Você é a Liara? — pergunta em inglês e eu respondo também na sua língua.

— Yes(sim).

Eu entendo bem o inglês, porém, ainda tenho dificuldade na fala, meu cursinho foi bem básico. Aprendi muito vendo filmes e séries sem legenda.

— Felipe me mandou buscar você. Ele pede desculpas, mas teve um imprevisto no trabalho.

No mesmo instante meu sorriso morre, não consigo disfarçar a decepção.

— Claro.

— Só essa mala? — o loiro pergunta ao pegar minha bagagem.

— Sim, a madrinha disse que eu não deveria me preocupar em trazer muita roupa.

O homem acena com a cabeça, concordando.

Óbvio que eu não ia dizer a ele que a maioria das minhas roupas são trapos velhos de andar em casa. Afinal, com a doença da minha mãe, não sobrava muito para investir em roupas e calçados.

No estacionamento, ele guarda minhas coisas no porta-malas e abre a porta do passageiro da frente para eu entrar.

Acomodados no carro, lembro que ele ainda não se apresentou devidamente.

— Posso saber seu nome?

— Ah, claro, que indelicadeza a minha. — responde ruborizado — Sou Liam, assistente de Felipe.

— É um prazer te conhecer, Liam. — respondo de forma amigável.

— O prazer é meu. — ele responde e pisca para mim.

Fico um pouco sem graça, não sei se é só o jeito brincalhão do homem ou ele está flertando comigo. De qualquer forma, ignoro, não vim aqui para isso, tenho apenas um objetivo, trabalhar e pagar a dívida que contraí com agiotas no momento de maior desespero da minha vida.

O trajeto do aeroporto até Upper West Side, um bairro de alto nível de no lado oeste de Manhattan, onde fica o apartamento de Felipe, durou uns 30 minutos.

Liam é super simpático e educado,vai explicando sobre a cidade, os lugares que eu preciso conhecer e como usar os transporte por aqui.

Sorridente, ele estaciona o carro em frente há um prédio super moderno e luxuoso.

— Bem-vinda ao Claremont Hall, a partir de hoje essa será a sua humilde residência. — fala bem-humorado.

— Humilde? Você olhou bem pra esse lugar? — respondo no mesmo tom de brincadeira — Fala sério... não tenho nem roupa pra um evento desses. — falo, desta vez em português.

— Não entendi. — ele me dá um olhar confuso.

— Deixa pra lá, Liam. Foi só um comentário besta, na minha língua.

— Isso não é justo. — faz beicinho e cruza os braços, fingindo aborrecimento. — Você está parecendo o Felipe, quando quer me xingar, fala em português, que eu não entendo nada.

Rio do bico engraçado que ele faz e Liam acaba rindo junto. Já gostei do cara, como amigo é claro, parece gente fina.

Saio do carro e sinto um pouco de frio, pois coloquei apenas um casaco leve.

É outono em Nova York, mas o frio é mais intenso do que estou acostumada no Brasil.

Entramos no imponente prédio e apesar da temperatura baixa, estou suando de nervoso. Aproveito para checar meu reflexo no espelho do elevador, ajusto os fios de cabelo que se desprenderam com o vento e confiro minha aparência.

— Estou nervosa. — confesso e Liam me dá um sorriso encorajador.

— Não fique. Você vai se apaixonar pela pequena Chloe.

Noto que ele não mencionou a esposa de Felipe nenhuma vez e me pergunto o motivo.

Chegamos ao 39º andar, nunca tinha entrada em um prédio tão alto.

“Só podia ser, lembro que Felipe sempre gostou de altura”. — sorrio com esse pensamento e Liam me olha desconfiado.

Ele destrava a porta com uma senha, e faz sinal para eu passar. Atravesso um hall de entrada amplo e elegante.

Não controlo as batidas do meu coração, mas ainda que ele pareça estar batendo na minha garganta, mantenho uma postura séria, fingindo a tranquilidade que não tenho.

— Britney, você está aí? — Liam chama sem obter resposta. — Espere aqui, vou ver se ela está em casa.

O assistente de Felipe some por outro corredor e eu aproveito para observar a sala requintada, com lareira, móveis finos e uma vista de tirar o fôlego.

Ouço vozes alteradas vindas do corredor e me ponho em alerta.

Sem demora, Liam aparece com cara de poucos amigos, uma mulher despenteada e sonolenta vem logo atrás dele fechando o robe de seda, com uma cara ainda pior.

— Não posso ter um dia de paz, Felipe sempre deixa tudo para eu resolver. — ela reclama.

A mulher, apensar de ter acabado de acordar, é linda. Reconheço ela das capas de revista e das raras vezes em que meu amigo postou foto com a namorada.

“A madrinha disse que eles não são casados de verdade, mas vivem juntos e têm uma filha, quer mais compromisso do que isso?” — penso enquanto ela escaneia meu corpo da cabeça aos pés.

— Você que é a tal brasileira? — ela pergunta.

— Sim, Liara. Prazer em conhecê-la.

— Hum… ok. — resmunga sem muita simpatia.

Liam dá a ela um olhar de advertência e depois volta a olhar para mim com um sorriso simpático.

— Tenho que ir, Felipe precisa de mim na empresa. Qualquer coisa, Liara, pode ligar. — ele põe um cartão com seu número na minha mão — Boa sorte! — diz e pisca para mim antes sumir do meu campo de visão.

Sorrio com o gesto, mas o meu riso se esvai quando percebo o olhar de reprovação da esposa de Felipe.

— Britney, eu… — começo a falar, mas ela me corta.

— Não, não… pra você é senhora Britney e senhor Felipe. Não me interessa qual seja o grau de parentesco entre você e meu marido.

— Não somos parentes.

— Tanto faz. Sente-se — aponta uma poltrona para mim e se acomoda no sofá.

— Não sei o que a minha sogra te disse, mas você está aqui para cuidar da casa e da minha filha.

Arregalo os olhos e fico tensa, este não era o combinado. Não que eu esteja em condições de escolher serviço, contudo, a minha madrinha me disse que o trabalho seria apenas de babá.

— A cada 15 dias tem uma equipe faz limpeza pesada, mas no dia a dia, será sua obrigação deixar tudo limpo e em ordem, além de impedir que a bebê grite o tempo todo, é claro.

Permaneço em silêncio. Britney contínua com cara de tédio, o que tem de bonita, a mulher tem de antipática, na mesma proporção.

— Aqui nos Estados Unidos as leis trabalhistas devem ser bem diferentes das do Brasil, eu suponho, depois Liam vai trazer o contrato para você assinar. — informa — mas não pense que por ser indicada pela Miriam, terá regalias.

Ela se levanta e eu permaneço em silêncio onde estou. Tenho a sensação de que se eu respirar, vou explodir e isso não é conveniente logo na chegada.

— Venha, vou te mostrar a casa, já traz a mala para o seu quarto. — ela entra no mesmo corredor que vi Liam entrar quando chegamos e vou atrás.

— Aqui é bem grande. — falo sem pensar e ela para no meio do corredor, me analisando.

— Nem tanto, já morei em lugares maiores. — fala com desdem — temos quatro quartos, todos com suíte, um lavabo, um banheiro social, a cozinha, a sala de jantar, a sala de tv e o escritório do Felipe que não pode entrar sem a autorização dele.

“Tudo isso e ela acha que o lugar é pequeno? Fala sério, queria que ela visse onde eu morava com a minha mão nos últimos anos.” - reflito enquanto ela entre em um dos quartos.

— Aqui é o seu quarto. Tem uma porta para o quarto da criança, deixe aberta sempre para ouvir quando ela chorar…. Se bem que é impossível não ouvir esse serzinho que parece ter um megafone no lugar da boca.

A doida fala da filha como se fosse uma estranha para ela e isso me causa uma revolta sem tamanho, mas não digo nada.

Deixo a mala no meu quarto e a sigo pelos outros cômodos. Quando saímos do quarto principal, Britney para, lembrando-se de algo.

— Ah, eu já ia esquecendo, além de limpar o apartamento e cuidar da Chloe, você precisa fazer supermercado, preparar refeições leves, levar e buscar as roupas na lavanderia. — fala como se eu fosse um robô — Só use a máquina de lavar para roupas simples, como as de dormir.

— E que horas eu posso dormir? — resmungo baixinho.

— O que você disse? — ela me olha com a cara enfezada.

— Sim, senhora… eu disse, sim, senhora. — remendo e ela assente.

Reviro os olhos, a sigo até a cozinha e área de serviços.

Depois voltamos para o corredor onde ela abre a única porta que ainda não tínhamos entrado, o quarto da pequena Chloe.

— Como deve ter visto, esse é o quarto da criança. — abre a porta e faz sinal para eu entrar — Deixei por último, pois quero que atenda ela antes de começar a limpeza.

No berço, Chloe dorme como um anjo, não acorda com a luz e nem com a voz estridente da mãe, suponho que esteja acostumada.

— E aqui você encontra a lista de coisas que ela tem que fazer durante o dia. — aponta para um papel em um mural — Não pule nenhum horário, Felipe é muito rígido com isso.

— Ok.

— Agora vou tomar meu banho, pois tenho que cumprir com a minha agenda daqui a pouco.

Ela sai do quarto e eu pego a tal lista. São horários para mamadeira, troca de fralda, banho de sol, natação e brincadeiras.

— Credo, uma criança tão pequena e com tantas regras para seguir. — falo baixo e ponho a lista de volta no lugar.

Pelos horários do cronograma, vejo que já passou do horário da segunda troca de fralda e mamadeira da manhã.

Vou ao banheiro, lavo as mãos e na volta tiro a pequenina do berço com cuidado, ela nem se mexe.

— Que estranho! — falo comigo mesma.

Ponho Chloe no trocador e a sinto molenga demais, ela parece uma boneca de pano.

No mesmo instante um alarme soa na minha cabeça.

— Essa criança não está bem.

Com cuidado, devolvo a neném no berço e saio a procura da mãe dela. Bato na porta da suíte principal por duas vezes, sem obter resposta. Decido entrar mesmo assim.

— Senhora Britney? — chamo mais uma vez e escuto a voz que vem do banheiro.

— O que você quer? Fique sabendo que não gosto de ser importunada em meus momentos de relaxamento.

— A senhora me desculpe — falo do lado de cá da porta — é que a Chloe está meio estranha, mexi com ela e ela não acorda.

— Ah, deve ser o efeito do remédio que dei pra ela pouco antes de você chagar.

Britney sai do banheiro enrolada em uma toalha e entra no closet, eu vou atrás.

— Aquela garota tem o dom de não me deixar dormir, então como ela não calava a boca, dei umas gotinhas de um calmante que o médico receitou para minhas noites de insônia.

Arregalo os olhos e a encaro de boca aberta. A mulher é maluca, com certeza.

Não espero ela terminar, corro para a sala, pego o telefone e disco o número que Liam me deu mais cedo.

Demora um pouco para atender e eu vou logo despejando minhas suspeitas para ele. Desligo o telefone, volto ao quarto da bebê e confiro se a bolsa de Chloe está com tudo que ela precisa.

Seguindo as coordenadas de Liam, pego a pequena em meus braços e saio porta afora.

— Aonde você vai com tanta pressa, levando a bebê? — Britney pergunta, me seguindo pelo hall.

Tenho vontade de esganar e esfregar a cara dela no asfalto, mas a saúde de Chloe é o mais importante agora. Então, tudo que faço é responder antes das portas do elevador se fecharem.

— Estou indo salvar a vida da sua filha.

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