ERA AMOR ANTES DE SER
ERA AMOR ANTES DE SER
Por: Nãna Nascimento
1-AMOR DE PAI

*** Nova Iorque***

***Felipe Sossmier***

O choro estridente da minha filha reverbera através da babá eletrônica. Levanto-me às pressas e caminho cambaleante pelo corredor até chegar ao quarto da pequena Chloe.

— Pronto, pronto, papai está aqui. — falo com carinho ao retirá-la cuidadosamente do berço.

Sonolento, confiro e troco a fralda da minha menina. Ela ainda chora sem parar e sei que está com fome.

— Britney, pode ficar com a nossa filha pelo menos 5 minutos pra eu fazer a mamadeira? — peço num tom bastante apelativo, ao mesmo tempo que acendo a luz do nosso quarto.

Bri não reage, ela está com tampões de ouvido e máscara de dormir, que impedem que a incomode.

— Isso só pode ser brincadeira… — resmungo enquanto puxo as cobertas.

— Hei, me deixa dormir. — responde mal-humorada.

Respiro fundo algumas vezes, buscando manter a calma. Faço tudo para não me alterar na frente de Chloe, não quero assustá-la e fazer ela chorar ainda mais.

— Bri, por favor?

— Ai, mas que saco! — ela senta na cama irritada e retira os acessórios de dormir — Fala logo, o que você quer?

Com o grito da mãe, Chloe chora com mais intensidade.

— Shiii, dá pra não gritar? — peço cerrando os dentes — Conseguiu assustar nossa filha.

— Ah, mas que merda hei? Não posso dormir, não posso falar… Faz essa criança ficar quieta de uma vez.

Conto até dez mentalmente. Definitivamente não tenho mais nenhuma gota de paciência.

— Quer saber, Britney, não precisa mais, pode voltar a dormir. Eu desisto, Chloe tem 5 meses e você ainda não acordou pra vida, não se ligou que agora temos uma filha e as necessidades dela vêm em primeiro lugar.

— Ah, que drama, Felipe. Só por que sou mãe eu não tenho o direito de dormir?

Paro na porta, olho de volta para dentro do quarto e vejo minha namorada com as mãos na cintura me encarando.

— Você pode dormir. Poderia também parar de espantar todas as babás que contratamos. Não tenho mais nem moral pra ligar na agência e pedir que mandem outra pessoa.

— Mas…

— Para, eu ainda não acabei. — interrompo — E na qualidade de mãe, sem uma babá, você deveria ser a primeira a ajudar acalmá-la, mas não precisa mais, eu me viro.

A mãe da minha filha revira os olhos e bufa, caminhando até a mim.

— Tá bom, não precisa ficar tão bravo, me dá ela aqui.

Mesmo com cara de má vontade, pega a bebê do meu colo. Ela é tão desajeitada que tenho até medo de deixá-las sozinhas.No entanto, dou um voto de confiança, confiando nos seus instintos maternos.

Corro para a cozinha e preparo a fórmula o mais rápido que consigo. Assim que retorno ao quarto, paro na porta ao me deparar com uma cena inusitada. Bri colocou a filha ao seu lado na nossa cama e está conversando com ela, contando uma história qualquer sobre um desfile na semana da moda em Paris.

Não é nenhuma história infantil, porém, Chloe está quietinha, atenta à sua mãe, embora ainda esteja soluçando de tanto que chorou.

A cena aquece meu coração e me enche de esperança de que em algum momento Britney aflore seu lado maternal e realmente se interesse pela filha.

Desde que deu à luz, minha namorada parece viver em negação, rejeita qualquer aproximação com a menina e só se refere à Chloe como “essa criança”, “a bebê”, nunca como filha ou nossa filha. Isso não me deixa apenas triste, mas também bastante preocupado, pois já li sobre depressão pós-parto e sei o que isso pode acarretar na vida emocional da mãe e também no desenvolvimento da criança.

Observo as duas por um tempo, antes de interromper o momento raro.

O rostinho da minha filha, encantada olhando para a mãe, me faz sorrir. Afinal, mesmo não sendo planejada, esse pequeno ser é todo meu mundo, é o meu amor e a minha vida.

Depois de dar a elas um tempo a sós, me aproximo da cama e estendo a mamadeira.

— Aqui, pronto, princesinha do papai, hora de mamar e dormir.

Espero para ver se Britney vai se prontificar para dar a mamadeira para a filha, mas ela imediatamente se levanta da cama.

— Ai, credo, pensei que não ia mais voltar com essa mamadeira. Foi buscar isso aonde? É por delivery?

— Ah, não seja resmungona, vocês até que se deram bem na minha ausência.

Pego Chloe no colo e sugiro que a mãe a amamente.

— Quer dar a mamadeira pra pequena?

Com cara de insatisfação, Britney franze o cenho e põe as mãos na cintura, me olhando como se eu a tivesse ofendido.

— Francamente, Lipe, eu tenho mais o que fazer do que ficar brincando de boneca com você a essa hora da madrugada. Aproveita que finalmente esse serzinho calou a boca e vá fazer ela dormir no quarto dela.

Todas as minhas esperanças caem por terra ao ouvir um discurso tão desprovido de sentimentos.

Vou para o quarto da Chloe evitando entrar em discussão e assustá-la outra vez.

Quando volto para o nosso quarto, o dia já está clareando e não consigo mais dormir, logo tenho que ir para a empresa.

Deito apenas para pôr as ideias em ordem, pensando que terei de levar Chloe comigo mais uma vez, já que a agência não quer mandar nenhuma babá depois que a quinta funcionária pediu demissão em menos de trinta dias.

— Bom dia, amor… — Bri cumprimenta, se esfregando em mim.

— Bom dia, Bri. — dou um selinho rápido nos lábios convidativos que ela aproxima dos meus e salto da cama.

— Onde você vai? Fica mais um pouco comigo. — faz beicinho.

Confesso que se fosse em outra época eu não pensaria duas vezes, já estaria duro por ela e até chegaria atrasado na empresa, pois transaríamos até estarmos exaustos. No entanto, essa indiferença dela com Chloe me deixa bastante cansado e irritado, não sinto tesão algum.

— Infelizmente não dá, tenho uma reunião logo cedo, um negócio importante para fechar. — Caminho para o banheiro e ouço ela resmungar.

— E quando você não tem um negócio mais importante do que eu?

Não dou resposta, apenas tomo banho e vou para o closet separar uma roupa. Bri para na porta, se encosta no batente e me observa enquanto me visto.

— Sabe, eu estava pensando, posso ficar com a bebê hoje.

Com isso, ela ganha minha atenção e eu a encaro com espanto. É a primeira vez que se oferece para cuidar da filha.

— O quê? Por que me olha desse jeito? Eu sou a mãe dela, já vi tudo que as babás fazem, não é nenhum mistério.

— Você tem certeza? — questiono desconfiado.

— Claro, não tenho nenhum compromisso hoje, eu fico com ela, sem problemas.

Algum tempo depois, após repassar com Britney mais de uma vez a lista de horários e atividades da nossa filha, saio para o trabalho sem ter certeza de que fiz a coisa certa ao deixar Chloe sozinha com a mãe.

"Bom, é a mãe dela, preciso confiar que Bri não fará nada que prejudique a filha."

Passo o dia entre uma reunião e outra, resolvendo pendências dos dias que não trabalhei direito por levar Chloe para o escritório.

Ligo diversas vezes para saber como as coisas estão e em todas elas Britney garante que está tudo bem.

— Ao menos não estou ouvindo o choro da pequena, é um avanço. — digo a mim mesmo.

Assim que me libero das atividades mais importantes, corro para casa para encontrar minha princesinha.

Do corredor já posso ouvir seu choro estridente. Abro a porta, deixo minhas coisas sobre o aparador e vou tirando o blazer para facilitar o manuseio com ela.

Encontro minha filha aos prantos, deitada no berço. Imediatamente a acolho em meus braços.

— Pronto, pronto, papai está aqui.

O cheiro forte da fralda suja invada minhas narinas e sinto a roupa úmida molhar meu braço.

— Essa fralda está cheia, não está? Logo vamos dar um jeito nisso. — falo tentando acalmá-la.

Procuro Britney e a encontro em nosso quarto. Ela dorme serenamente com seus tamões de ouvido para abafar o som.

Furioso, volto para o quarto de Chloe, minha filha é a minha prioridade no momento.

— Sua mãe está bem encrencada, pequena, mas papai vai cuidar primeiro de você.

Converso e canto para ela enquanto espero a banheira encher de água morna.

Retiro suas roupas sujas, lipo o bumbum dela previamente com toalhas umedecidas e nessa hora a raiva só aumenta. Minha filha está toda assada e pela exaustão da fralda, suspeito que está há muitas horas sem ser trocada.

Após o banho, com Chloe em um braço, ainda chorando desesperadamente, vou para a cozinha e preparo a fórmula com a mão livre.

Assim que encosto o bico da mamadeira em sua boquinha, minha princesa suga com tanta força que tenho a impressão que ela não mamou o dia todo.

Quando finalmente ela se acalma e dorme, Britney aparece na porta da sala, sonolenta.

— Ah, você tá aí amor. Tá tudo bem? — ela pergunta e se j**a no sofá ao meu lado, trazendo seus lábios de encontro aos meus, mas viro o rosto.

— Me diga, você Britney. Desde que horas você está dormindo?

— Ah, não sei… desde a hora que você ligou a última vez, no meio da tarde. Que mal há nisso?

— E qual a última vez que deu a mamadeira para Chloe?

— Hum… ao meio-dia? É, foi na hora do almoço. — ela fala sem preocupação.

— Britney, eu repassei com você toda a lista dos horários de troca e alimentação dela, qual o seu problema?

— Ah, mas que saco, você chega já brigando. — ela se levanta indignada e altera o tom de voz — Eu dormi, sim, e daí? É proibido?

— Não, não é proibido dormir, mas você assumiu o compromisso de cuidar da sua filha. Porém, cheguei e a encontrei chorando, toda assada e morrendo de fome. Quer que eu diga o quê? Quer que lhe dê um prêmio por irresponsabilidade?

Não altero a voz para não acordar a pequena, mas deixo bem clara a decepção que Bri me causou.

Sei o quanto é cansativo cuidar de uma criança o dia todo, mas se não tem ninguém por perto, não podemos relaxar e simplesmente largá-la a própria sorte.

Com lágrimas nos olhos, Britney volta emburrada para o quarto, enquanto atendo uma chamada de vídeo de minha mãe, que mora no Brasil.

— Oi mãe.

— Oi, meus amores, como vocês estão? — ela sorri ao ver Chloe adormecida sobre o meu peito.

— Estamos bem, mãe. — respondo sem querer dar detalhes de como as coisas estão caóticas — E você, como está o pé?

— Recuperando, filho. Não vejo a hora de tirar esse gesso, mas minha dor maior é não poder estar aí para ajudar você a cuidar da minha netinha.

— Não se preocupe com isso, dona Miriam, logo encontro uma nova babá e as coisas entram nos eixos.

— Então, sobre isso, liguei justamente por que encontrei a babá perfeita para vocês.

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