6-SEM LIMITES

****LIARA ALMEIDA****

Sabe aquele ditado que diz: "Deus me dê paciência porque se me der força eu arrebento?". Então, tenho feito dele um mantra desde que meu caminho cruzou com o de Britney Johnson, vulgo, "jararaca", "louca", "megera indomada" e todos os adjetivos pejorativos que existem.

Apenas quarenta e oito horas de convivência e só Deus sabe como é difícil aturar essa mulher.

"Felipe deve ser muito apaixonado para não ter se separado dela."

E por falar nele, quase não o vi. Faz dois dias que Chloe está no hospital e ele tem dormido por lá, mesmo não podendo ficar com a filha, quer estar por perto, o que eu acho fofo.

Esse é o perfil de homem que eu escolheria para ser pai dos meus filhos, pena que ele já tem dona, então coraçãozinho, trate de se aquietar.

Fico tagarelando mentalmente enquanto limpo a louça usada no preparo do café da manhã da madame. Para ver se paro de pensar besteira, ligo a TV da cozinha e tento distrair com o noticiário.

Meu sossego acaba quando a bruaca grita com a voz esganiçada.

— Babá, o meu café?

Entro na sala de jantar e não entendo o que quer, tudo está exposto sobre a mesa, bem nas fuças dela.

— Bom dia pra senhora também, dona Britney. — me contenho para não revirar os olhos — Faltou alguma coisa na mesa?

— Falta você me servir.

— Como é? — pergunto para ter certeza de que não é piada.

— Isso mesmo, sirva-me.

Transpasso os braços sob o peito, sem esconder a cara de insatisfação.

— É sério? Quer que eu coma para a senhora também? — enfrento a jararaca e ela só falta espumar pela boca.

— Já disse para você não me desafiar, menina. Se for inteligente, mantenha-me como aliada. — fala em tom de ameaça — Meu pai tem amigos na imigração, basta um telefone e mando seu sonho americano pelo ralo.

Cerro as mãos em punho para conter a raiva.

"Puta, desgraçada. Se minha mãe não precisasse de mim, você ia ver só..." - xingo mentalmente.

Mas olhando bem para a cara debocha dela, eu não me contenho.

— Quer saber, dona Britney? A senhora tem mãos e boca, sirva-se a senhora mesma.

Dou as costas, volto para a cozinha me sentindo plena.

— Garota abusada, você não sabe com quem está lindado. — esbraveja — Darei um jeito de ser deportada pro submundo de onde saiu. Acabarei com essa sua cara de sonsa de tal forma que nunca mais vai conseguir entrar, nem sequer passar perto dos Estados Unidos.

Ouço barulho algo quebrando, com certeza a louça se foi.

Preciso lembrar Felipe de comprar tudo em plástico, acrílico ou inox.

Sigo com meu trabalho sem fazer conta das loucuras dela. O único incômodo é que terei de limpar a bagunça depois

— Megera, tomara que tenha uma dor de barriga daquelas de fazer suar frio e se contorcer sentada no trono.  — praguejo baixinho.

No entanto, a coleção de humilhações não acaba por aí. Após o desjejum, ela aparece na cozinha com uma sacola, que larga sobre a bancada.

— Aqui, experimente, acredito que serve.

— O que é isso?

— Seu uniforme. Não quero vê-la com qualquer roupa, principalmente quando Lipe estiver em casa. Só tire o uniforme se for extremante necessário.

Apanho a sacola e a doida nem me dá tempo de rebater.

— Mas o que...

Britney sai batendo o salto fino no piso. Abro a embalagem para ver uma roupa alaranjada, horrorosa, mais parece um daqueles uniformes penitenciários que a gente vê em séries de televisão. Junto tem um tênis branco, igualmente ridículo.

— Se eu não precisasse tanto desse dinheiro, juro que faria ela engolir cada fibra desse tecido. — resmungo comigo mesma e vou para o quarto me vestir de presidiária.

Só depois de vestir a farda completa, dois tamanhos maiores que o meu, percebo um bilhete dentro da sacola, nele diz que além da roupa absurdamente horrorosa, tenho que usar o cabelo preso num coque perfeito.

— Não me faltava mais nada… Que víbora dos infernos.... — praguejo.

Contrariada, sigo as instruções. Como diria a minha mãe: "manda quem pode e obedece quem precisa."

Não demora nada para a insuportável voltar a chamar. Saio do meu quarto e encontro a esposa de Felipe na suíte principal.

— Chamou, senhora Britney?

— Hoje quero que faça uma faxina pesada aqui, limpe tudo e organize o closet. Quero a louça do banheiro brilhando.

— Sabe que eu não sou faxineira, não é?

— Ah, é? E a donzela vai fazer o que enquanto a bebê estiver no hospital?

Ela caminha pelo quarto, mas de repente para e me olha com ar de deboche.

— Eu sei que você tem dívidas no Brasil, ouvi Felipe falando com a mãe dele. Tenho meios de descobrir que dívidas são essas e acabar com você e sua mãezinha.

Meu estômago embrulha só de imaginar algo de ruim acontecendo com a minha mãe. Consegui um prazo maior para quitar a dívida, mas se essa louca cumprir com as ameças, não tenho a quem recorrer.

Sem alternativa, respiro impaciente.

— Sim, senhora.

Respondo entredentes, saio para buscar o material e da porta a vejo sorrir vitoriosa.

A raiva ferve no fundo do poço de ódio que habita em mim, Britney vai para a sala falando ao telefone e eu me concentro em terminar a tarefa.

Meu coração se aperta por Chloe ter uma mãe como essa. Felipe tem uma parcela de culpa por permitir que ela haja assim, então sinto um pouco de raiva dele também.

"Foque em trabalhar para pagar a dívida, Liara." — o meu inconsciente grita.

A realidade acena um alerta na minha frente, não importa o que Felipe e eu fomos um para o outro um dia, estou aqui apenas para ganhar o dinheiro necessário, me livrar das dívidas e só então poderei buscar outras oportunidades.

Quando dou o serviço por encerrado, após esfregar até as paredes, recolho os materiais e levo para o quarto da pequena Chloe.

— Vou aproveitar para deixar tudo limpo e organizado para quando aquela mocinha voltar para casa. — sorrio e murmuro comigo mesma.

Cantarolando algumas das minhas músicas preferidas, vou limpando tudo.

Escuto a megera indomada chamar novamente e finjo demência. Ela não se dá por vencida e logo aparece na porta do quarto da filha.

— Estou chamando, babá, está surda?

— Ah, desculpe-me, senhora Britney. — sorrio cínica — estava tão concentrada.

— Pois coloque um pouco dessa sua concentração para limpar direito as coisas, o meu banheiro não ficou como eu queria.

— Como não? Limpei de cima a baixo. — protesto.

— Se eu estou dizendo que não está, é porque não está. Venha logo.

Sigo a jararaca até a suíte do casal, olho para todos os cantos e não vejo nada errado.

— Sinceramente, não consigo ver o que tem de sujo aqui.— digo.

— Ah, claro, se prestasse atenção teria limpado direito. Olha esse sanitário, está imundo.

Sigo a direção que ela aponta e continuo não enxergando sujeira alguma, a louça do vaso está mais branca que os meus dentes.

— Britney, ou você está me fazendo de besta, ou precisa de um oftalmologista, está vendo coisas aonde não há.

— Não contrarie, malcriada. — repreende gesticulando com as mãos — apenas limpe.

Ela me entrega a escovinha e um produto próprio para sanitário que eu já havia passado por tudo.

Resignada, me agacho para cumprir a ordem, um bolo se forma na minha garganta, quase choro de tanto ódio.

— Lia, o que você está fazendo? — ouço a voz de Felipe, nem percebi o momento que ele entrou aqui.

No susto, puxo a escovinha molhada para cima, respingando água em Britney que está ao lado do marido.

— Sua... sua desastrada. — ela esbraveja, furiosa — acabou de me jogar água suja e manchar minha roupa.

Só vejo ela correndo para a pia, lavando o rosto desesperadamente e excomungando até a minha décima geração.

Felipe comprime os lábios, segurando para não rir. Atrás dele surge outra mulher, tão bonita e elegante quanto Britney.

— O que houve? Ouvi o grito da Britney lá da sala. — ela pergunta e eu finalmente saio do transe.

— Diana, o que faz aqui? — a minha patroa questiona.

— Como vai, Britney? Eu vou bem, obrigada. — A outra debocha e eu vibro de satisfação. — Pode ter certeza de que não estou aqui por você, cunhada.

— Pois chegou numa péssima hora. — Britney responde com frieza e vai para o closet.

Observo a interação das duas, é nítido que a antipatia entre elas é mútua.

Escuto o suspiro profundo de Felipe, ele parece cansado demais para dizer qualquer coisa. Acho que se as duas se pegassem pelo cabelo agora ele assistiria de camarote.

Então, de repente, ele se lembra da minha existência.

— Lia, quer explicar que roupa é essa e por que está esfregando o banheiro?

— Para mim, é bem óbvio.

— Não se meta, Diana

Felipe ralha a moça que eu deduzo ser irmã dele, ela torce o nariz e faz uma careta.

— Tudo bem, vou esperar na sala.

A presença de Felipe é tão marcante que, mesmo nessa situação constrangedora, meu coração palpita.

— Me desculpe por isso. Eu... eu estava limpando, não o vi entrar.

— E por que está fazendo isso? — ele pergunta ríspido — Não é sua função Liara, você é paga para cuidar da Chloe.

Sou tomada por um certo susto, a contração em seu maxilar mostra como está irritado e dou um passo para trás.

Reúno toda a dignidade que me resta, ergo a cabeça e me preparo para mandar ele tomar naquele lugar junto com a mulher dele por fazer parecer que eu estou nessa situação porque eu quero.

Contudo, antes que eu fale algo, a jararaca volta vestindo roupas limpas, falando com voz de criança mimada.

— Amor, a bebê não está aqui e a babá não tinha dana para fazer. Que mal tem ela faxinar um pouco a casa?

— Não interessa, Lia não está aqui pra isso.

— Mas, Lipe...

— Pode parar, não tem argumentos pra isso, Britney. Pensa que estamos no século passado? — ele fala ríspido — Agora peça desculpas a Liara.

— Ah, por favor, Felipe, não me humilhe na frente da empregada. — ela esbraveja.

Lipe aperta os olhos e suspira profundamente.

— Isso não é humilhação, é uma questão de educação e respeito.

Vermelha como uma pimenta, a mulher me dirige um olhar de entojo e sai do banheiro soltando fogo pelas ventas.

— Me desculpe, Lia. Fui grosseiro quando você não tem culpa de nada. — ele fita-me com a voz branda, envergonhado — Me perdoe também por Britney, não existe justificativa pra atitude dela.

Ele chega mais perto, tira da minha mão a escovinha do sanitário, que eu ainda segurava como se fosse uma espada.

Seus olhos ficam presos nos meus e a proximidade desencadeia uma tempestade gelada pelo meu corpo.

— Agora preciso tomar banho para ir ao hospital. Vá trocar de roupa e não volte a usá-la.

— Sim, senhor.

Quando ele prende um meio sorriso no canto dos lábios, sinto raiva de mim por deixar transparecer o quanto estou afetada.

— E por favor, não me chame de senhor, é só Felipe.

— Tudo bem. Mas quero deixar claro que só me submeti a isso porque a sua mulher ameaçou minha permanência aqui nos Estados Unidos.

— Ela não pode fazer nada, você está sob minha responsabilidade. — a mão grande e quente dele pousa no meu ombro — Não se preocupe, nem se submeta aos absurdo que ela inventa. Qualquer coisa, fale comigo ou com Liam. Ok?

Assinto em silêncio e saio rapidamente dali sem olhar pra trás. Vou para o quarto da Chloe terminar o que havia começado.

Ainda que eu saiba que Felipe estava apenas tentando se desculpar, estar perto dele me abalada de um jeito que faz a expressão borboletas no estômago alcançar um outro nível.

Nãna Nascimento

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