Mayara
Chego em casa e vou até o quarto trocar de roupa. Coloco peças leves, tentando me sentir confortável, mas estou com a mente longe. As palavras de Caíque ecoam na minha cabeça, ele falou com o Gu pela manhã e pediu para conversarmos mais tarde. Como perdi hora e ele foi levar nosso filho e avisou que o buscaria, não consegui falar com o Gustavo sobre o assunto.
Mas nosso filho estava calmo e feliz, isso é um bom sinal, não é?
Uma parte de mim ainda está com medo.
Assim que termino de me trocar, ouço batidas na porta. Corro para abrir e ao puxar a maçaneta e abrir a porta, encontro Caíque e Gustavo, em uma conversa animada.
— Olha quem chegou. — Brinco, me abaixando e meu filho ri vindo para meus braços. — Saudades de você. — Beijo o seu pescoço quando o abraço e ele ri.
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MayaraO cheiro de café fresco invade a sala enquanto ajeito os cobertores no sofá. Gustavo está no chão, cercado de brinquedos, fazendo um aviãozinho decolar com um sorriso enorme no rosto. Caíque surge na porta da cozinha, segurando duas xícaras fumegantes, e me lança um olhar tranquilo que me faz sorrir.Ainda estou me acostumando com essa sensação de paz. Depois de tudo que aconteceu, eu achei que nunca mais experimentaria essa leveza. Mas aqui estamos nós, juntos, fazendo algo tão simples como passar a noite em família.— Aqui está o café, como você gosta — ele diz, me entregando a xícara e se sentando ao meu lado no sofá.— Obrigada. — Seguro a xícara com as duas mãos, sentindo o calor aquecer meus dedos. Caíque observa Gustavo brincar e depois me olha, um sorriso suave nos lábios.— Ele está tão feliz — comenta, baixinho.— Sim. Eu também estou — confesso, quase sem pensar. Quando percebo, Caíque está me encarando com aquele olhar sério e intenso. Meu coração acelera.Antes que
CaíqueAcordo com o som das mensagens chegando no celular. Ainda meio sonolento, estico o braço para pegá-lo na mesinha de cabeceira. A claridade da tela quase me cega, mas reconheço o nome da Larissa na notificação.Lari: Precisamos conversar. Coisa boa. Me liga quando acordar.Reviro os olhos, mas um sorriso já está surgindo nos meus lábios. Larissa sempre tem um jeito dramático de dar as notícias. Me espreguiço e levanto, indo até a cozinha. O cheiro do café que ficou na garrafa de ontem ainda está presente, mas prefiro preparar um novo.Enquanto a cafeteira trabalha, encosto na bancada e finalmente ligo para minha irmã. Ela atende no segundo toque, com uma animação que eu quase nunca vejo.— Bom dia, dorminhoco!— Bom dia, senhora Larissa. Fala logo, que mistéri
MayaraAinda estou com a cabeça na rotina do trabalho quando recebo a mensagem de Caíque. Ele pergunta se podemos jantar na casa dele hoje, só nós três. Um sorriso meio bobo aparece no meu rosto. Respondo que sim, tentando não parecer empolgada demais. Quando dá o horário de buscar o Gu na escola, saio do escritório em que trabalho e faço o caminho apressadamente. Chego a tempo de ouvir o sinal da escola tocar, enquanto espero Gustavo no portão, como sempre. Ele vem correndo na minha direção, cheio de energia, e me dá um abraço apertado.— Mãe, o papai vem buscar a gente? — pergunta, os olhos brilhando de expectativa.Quando vou falar que não sei, pois não perguntei para ele quando nos falamos mais cedo, avistamos Caíque atravessando a rua. Ele vem em nossa direção com aquele sorriso tranquilo, e só de vê-lo ali, sinto meu peito aquecer.— Oi, May — ele cumprimenta, passando o braço por minha cintura e me dando um beijo rápido na boca, claramente não se importando em sermos vistos ju
CaíqueO barulho do teclado ecoa pela sala, enquanto termino de revisar os últimos documentos que tenho que entregar. É impressionante como as coisas mudaram tão rápido. Há algumas semanas, eu estava pensando na possibilidade de deixar a cidade para trás mais uma vez. Agora, estou aqui, preenchendo formulários para começar em um novo emprego na próxima semana.Consegui um trabalho em uma nova empresa, nada tão glamoroso quanto a oferta anterior, mas, para ser honesto, parece bem mais significativo. Terei a chance de começar do zero em um novo lugar, pois, não aguentava mais onde estava, e acho que nunca valorizei tanto uma oportunidade. O mais importante é que estarei trabalhando de casa e vou poder continuar perto de Mayara e Gustavo, sem precisar sacrificar minha vida familiar.O celular vibra em cima da mesa, e vejo ser uma mensagem da Larissa, m
No passado…CaíqueO sino da última aula ecoa pelos corredores da escola, anunciando o fim de mais um dia cansativo de estudos, julgamentos silenciosos e comentários maldosos da grande maioria dos alunos que se orgulham de serem os melhores. Demoro a guardar meu material na mochila, esperando que todos saiam para seguir o caminho já tão habitual.Saio da sala de aula e, a cada passo que dou pelo corredor, sinto meu coração bater acelerado. Ao mesmo tempo, tento controlar meus pensamentos a mil e o nervosismo aparente, sem querer chamar a atenção dos outros alunos e professores.À distância, tenho o vislumbre da sua silhueta e confirmo que ela já me espera. Em um canto pouco frequentado, atrás de uma porta entreaberta que leva a um antigo depósito, Mayara está sentada em uma poltrona desgastada.Acelero os passos e, ao me aproximar, é como se nada mais importasse. Passo pela porta e, devagar, fecho-a o máximo que consigo. Mayara se levanta e vem ao meu encontro. Nossos olhos se encontr
CaíqueDestranco a bicicleta que está sozinha no pátio. Com o grande espaço agora vazio, sinto como se estivesse preso em um tipo de lembrete cruel de que, fora daquele santuário, sou apenas mais um cara sozinho.Balanço a cabeça negativamente, tentando não pensar nisso, e me apresso em subir na bicicleta e pedalar o mais rápido que consigo até chegar em casa. Esforço-me além dos meus limites e ao chegar, deixo a bicicleta de qualquer jeito na entrada e subo correndo pelas escadas para me arrumar e ir para o cursinho. Vou chegar um pouco atrasado, mas não vou perder a aula.Com uma velocidade admirável, saio correndo devidamente vestido, passo pela cozinha e pego uma fruta. Continuo correndo e, estando do lado de fora, penso se consigo pedalar tão rápido quanto vim. Mudo de ideia assim que vejo um dos motoristas se aproximar do carro e abrir a porta do banco de trás, dando um sinal discreto para eu entrar.— Olá, senhor.— Oi!— Sua mãe falou que você chegaria atrasado e que provavelm
MayaraA cidade onde vivo é Rivara. Ela é dividida em duas partes, e essa divisão evidencia seus contrastes. De um lado, há bairros iluminados e cheios de opulência; do outro, áreas negligenciadas e deterioradas. Pertenço à segunda opção. Nasci do lado pobre e sem acessibilidades; toda a minha família veio desse mesmo lugar. A precariedade sempre esteve à nossa mesa, o trabalho árduo nos faz companhia e o cansaço se deita em nossa cama. Eu poderia esmorecer, como muitos familiares, aceitar e apenas sobreviver, mas resolvi que quero ir contra as estatísticas e mudar a minha realidade.Trabalho meio período em um café perto do prédio da escola onde estudo. É corrido, mas, para mim, representa um refúgio em meio a essa realidade dura e uma possibilidade de melhor remuneração do que se eu trabalhasse no meu lado da cidade. Todos os dias, enfrento uma rotina que pesa tanto quanto os olhares julgadores de quem não gosta de me ver “usufruir” do que não é meu.Minhas manhãs começam bem cedo.
Caíque A camisa social branca continua levemente amarrotada, mas não tenho paciência para pedir que a passem novamente. Deslizo a palma da mão sobre o tecido, tentando inutilmente alisar as dobras enquanto prendo os botões às pressas. A gravata escorrega pelos meus dedos pela terceira vez. Tento prender a ponta com mais firmeza, mas ela insiste em se rebelar, como se desse uma resposta silenciosa de que esse será o menor dos meus problemas se comparado ao caos que minha mãe está prestes a promover.— Eu não acredito que você teve a coragem de sair por aí e se meter numa briga desse jeito! — A voz dela atravessa a porta do meu quarto como uma lâmina afiada. Ela tem esse jeito de falar que parece querer atravessar a pele, cutucar a alma e mostrar onde dói. — Você sabe que as pessoas vão falar, não sabe?Sua voz transborda reprovação. Ela já está vestida para o evento, com seu vestido impecável, cabelos presos em um penteado elaborado, maquiagem bem feita e a postura rígida de quem tem