MayaraO cheiro adocicado do café ainda paira no ar enquanto caminho pela calçada de paralelepípedos, segurando a pequena mão do meu filho. O céu tem um tom dourado, típico do final de tarde, e a brisa fresca anuncia que a noite logo tomará seu lugar. Meu coração, no entanto, pesa como se estivesse carregando o próprio crepúsculo dentro de mim.Ele quer conversar. Caíque quer conversar depois de anos e eu sei o motivo.Aperto mais a mão do meu filho instintivamente.O seu pedido de uma conversa ainda ressoa em minha cabeça, como um lembrete incômodo de algo que evitei por tempo demais. Sete anos. Sete anos em que construí uma vida, em que aprendi a ser mãe, em que enterrei segredos no fundo da minha alma, esperando que jamais fossem desenterrados. Mas agora ele está de volta. E quer conversar.Ele parecia desesperado, ansioso pela minha resposta. E se eu falasse que ele é o pai do Gustavo? Ele acreditaria? Ia querer se aproximar, ou, ia ficar bravo e tentar tirar o meu filho de mim?—
Mayara— O seu sobrinho preferido chegou! — Gustavo grita assim que a porta se abre e o meu amigo Daniel aparece.— O meu sobrinho preferido chegou! — o adulto grita de volta e abre os braços para receber o meu filho. Gustavo corre de encontro e pula em seu colo, meu amigo o pega e eles se abraçam ao mesmo tempo que pulam e gritam animados.— Vocês parecem duas crianças — implico, e eles riem.— Estava com saudades do tio — meu filho explica.— O tio também. Tenho jogos novos para brincarmos. — Ergue as sobrancelhas e me filho ergue os braços com punhos fechados.— OBAAAAA!— Entrem. — Dá espaço para eu passar e nos cumprimentamos. Fecha a porta e seguimos o som vindo da cozinha.— Chegamos! — aviso minha amiga que está de costas. Ela seca as mãos e se vira.Nos abraçamos em cumprimento e ela abre os braços quando se aproxima do Daniel com o Gu no colo.— Oi, meu amor. — Gustavo se joga para ela que o pega. Eles se abraçam e ela o enche de beijos. — Ai, que saudades de você.— Também,
MayaraMeus dedos tremem enquanto digito a mensagem. A luz fria da tela do celular ilumina meu rosto, refletindo a incerteza que sinto. As palavras parecem simples, diretas, mas carregam um peso que sei que nunca poderei aliviar.Oi, Caíque. É a Mayara. Podemos conversar hoje? Você pode me encontrar no café da praça?Aperto enviar antes que minha coragem vacile. O celular permanece imóvel por alguns segundos, mas cada um deles parece se arrastar como uma eternidade. Então, a resposta chega.Caíque: Estarei lá.Sinto o coração acelerar e respiro fundo, tentando me convencer de que fiz a coisa certa. Mas será que existe uma maneira certa de contar algo assim? Sete anos de silêncio, de decisões unilaterais, de segredos guardados tão profundamente que quase me convenceram de que estavam seguros para sempre.Mas agora, não há mais escapatória.************************************************************************************O café está relativamente vazio quando chego. Escolho uma mesa
Caíque Ao ouvir a confissão de Mayara, é como se o chão sob mim cedesse, um vazio se abrindo dentro do meu peito. Meu corpo se tenciona, cada músculo preparado para reagir, mas não sei como. Raiva, tristeza, frustração… Tudo se mistura de uma vez só.Sei que fui rude em minha explosão, quando Mayara fecha os olhos por um instante, e quando os abre novamente, estão marejados. Mas eu não me deixo levar por isso. Não agora.Tento raciocinar, mas o peso dessa revelação é esmagador. Sinto uma perda que não deveria existir, um tipo de luto por todos os anos que perdi sem saber que tinha um filho.— Podemos conversar depois? — peço. — Sobre como vamos lidar com isso?— Sim.— Então, nos falamos depois. Preciso ir embora. — Não espero por sua resposta. Me levanto, pegando minhas chaves.Ela apenas observa enquanto me afasto. Sei que há muito mais a ser dito, mas agora, eu só preciso sair daqui e respirar.*********************************************************************Dirijo sem rumo p
CaíquePassei a noite em claro, tentando entender todas as reviravoltas em minha vida. Depois da conversa com minha irmã, voltei para a casa dos meus pais e tentei trabalhar, a fim de ocupar a mente. Não deu muito certo, mas eu tentei. Sem dar explicação do meu silêncio e falta de interação, fui para o meu quarto e fiquei lá, me convencendo que conseguiria dormir em algum momento.Nada aconteceu. Eu não dormi, não descansei, não deixei de pensar.Ao acordar, respondi à mensagem da minha irmã que me incentivava a falar com Mayara. Obedeci e mandei mensagem para a Mayara, ela falou que eu poderia ir até a casa dos seus amigos no fim da tarde. Combinamos de estar com mais pessoas, tentando não soar tão estranho para o Gustavo nessa primeira interação.Eu estava indo até o endereço, mas mudei o caminho. Dirijo sem rumo, as mãos apertando o volante com força, como se isso pudesse conter o caos dentro de mim. Mas não pode. Nada pode. A descoberta de Gustavo virou minha vida de cabeça para b
Caíque— Onde fica o banheiro? — pergunto para o Daniel que aponta para a direção em que devo ir.Levanto do chão e vou até lá. Não demoro em encontrar o banheiro com porta fechada. Adentro o cômodo e faço uso do sanitário. Vou até a pia e lavo as mãos, umedeço o rosto e nuca, me acalmando.Olho o meu reflexo no espelho e respiro fundo, pronto para voltar para a sala. Não estou me sentindo totalmente deslocado, mas também não tão relaxado. É tudo muito novo, diferente. Estou com medo de fazer algo e tudo acabar dando errado, não sei.Volto para perto deles e me sento no tapete da sala, observando Gustavo organizar as peças do jogo com a precisão de alguém que leva aquilo muito a sério. Ele não me olha diretamente, mantém o foco no tabuleiro, como se estivesse se preparando para uma batalha. E, de certa forma, talvez esteja.Sete anos. Sete anos sem saber que ele existia, sem estar presente para ver seus primeiros passos, ouvir suas primeiras palavras, ver ele comer, ensinar a andar de
MayaraObservo Gustavo enquanto ele brinca no chão da sala, empilhando blocos de madeira com concentração. Seu pequeno mundo gira em torno de brincadeiras, escola e tudo o que um menino de sua idade deveria ter. Mas agora há algo novo, uma mudança que eu preciso guiá-lo a entender. Desde que chegamos em casa depois de um dia cheio, estou aqui, ensaiando como falar o que tem me atormentado.Respiro fundo, sentindo meu coração bater acelerado. Como se diz para um filho que o pai dele sempre esteve por aí, mas nunca soube da sua existência? Que eu tomei essa decisão por medo, por orgulho, por tantas razões que hoje parecem se dissolver e não importar mais diante da realidade?— Gustavo — chamo com cuidado, sentando-me ao seu lado. Ele pega um bloco e equilibra sobre os outros.— Oi, mãe. — Olha para mim com seus olhos grandes e atentos, curiosidade cintilando neles.— Pode parar um pouquinho para a gente conversar sobre uma coisa?— Tá bom. — Com agilidade, se vira para mim e me dá total
CaíqueMayara: Oi, Caíque. Conversei com o Gu, ele já sabe.Mayara: No fim da tarde, vamos na praça perto do café. Se quiser ir...Leio as mensagens seguidas da Mayara. Releio algumas vezes para ter certeza que entendi direito. Respondo assim que confirmo que não está me faltando compreensão.Caíque: Oi, Mayara. Estarei lá.Respiro fundo. Gustavo sabe que sou seu pai. Será que ele aceitou bem? Está ansioso para me conhecer ou está odiando a novidade?Não vou perguntar para a Mayara sobre isso, dependendo a resposta ficaria ainda mais ansioso. Vou encontrá-los independentemente de qualquer que seja a situação.Depois da noite de jogos, liguei para minha irmã e narrei como foi positivo o nosso primeiro contato direto. E agora, depois da mensagem da Mayara, envio uma mensagem para Larissa avisando que vou ver o Gustavo mais tarde. O difícil vai ser passar o dia em pura expectativa, desejando que as horas passem rápido.*********************************************************************