Caíque— Onde fica o banheiro? — pergunto para o Daniel que aponta para a direção em que devo ir.Levanto do chão e vou até lá. Não demoro em encontrar o banheiro com porta fechada. Adentro o cômodo e faço uso do sanitário. Vou até a pia e lavo as mãos, umedeço o rosto e nuca, me acalmando.Olho o meu reflexo no espelho e respiro fundo, pronto para voltar para a sala. Não estou me sentindo totalmente deslocado, mas também não tão relaxado. É tudo muito novo, diferente. Estou com medo de fazer algo e tudo acabar dando errado, não sei.Volto para perto deles e me sento no tapete da sala, observando Gustavo organizar as peças do jogo com a precisão de alguém que leva aquilo muito a sério. Ele não me olha diretamente, mantém o foco no tabuleiro, como se estivesse se preparando para uma batalha. E, de certa forma, talvez esteja.Sete anos. Sete anos sem saber que ele existia, sem estar presente para ver seus primeiros passos, ouvir suas primeiras palavras, ver ele comer, ensinar a andar de
MayaraObservo Gustavo enquanto ele brinca no chão da sala, empilhando blocos de madeira com concentração. Seu pequeno mundo gira em torno de brincadeiras, escola e tudo o que um menino de sua idade deveria ter. Mas agora há algo novo, uma mudança que eu preciso guiá-lo a entender. Desde que chegamos em casa depois de um dia cheio, estou aqui, ensaiando como falar o que tem me atormentado.Respiro fundo, sentindo meu coração bater acelerado. Como se diz para um filho que o pai dele sempre esteve por aí, mas nunca soube da sua existência? Que eu tomei essa decisão por medo, por orgulho, por tantas razões que hoje parecem se dissolver e não importar mais diante da realidade?— Gustavo — chamo com cuidado, sentando-me ao seu lado. Ele pega um bloco e equilibra sobre os outros.— Oi, mãe. — Olha para mim com seus olhos grandes e atentos, curiosidade cintilando neles.— Pode parar um pouquinho para a gente conversar sobre uma coisa?— Tá bom. — Com agilidade, se vira para mim e me dá total
CaíqueMayara: Oi, Caíque. Conversei com o Gu, ele já sabe.Mayara: No fim da tarde, vamos na praça perto do café. Se quiser ir...Leio as mensagens seguidas da Mayara. Releio algumas vezes para ter certeza que entendi direito. Respondo assim que confirmo que não está me faltando compreensão.Caíque: Oi, Mayara. Estarei lá.Respiro fundo. Gustavo sabe que sou seu pai. Será que ele aceitou bem? Está ansioso para me conhecer ou está odiando a novidade?Não vou perguntar para a Mayara sobre isso, dependendo a resposta ficaria ainda mais ansioso. Vou encontrá-los independentemente de qualquer que seja a situação.Depois da noite de jogos, liguei para minha irmã e narrei como foi positivo o nosso primeiro contato direto. E agora, depois da mensagem da Mayara, envio uma mensagem para Larissa avisando que vou ver o Gustavo mais tarde. O difícil vai ser passar o dia em pura expectativa, desejando que as horas passem rápido.*********************************************************************
MayaraO celular vibra em meu bolso, e meu coração dá um leve salto ao pegar o aparelho e ver o nome de Caíque na tela. Desde o encontro na praça, ele tem mandado mensagens de vez em quando, tentando se aproximar de Gustavo de forma sutil. Respiro fundo antes de abrir a mensagem.Caíque: Oi. Tudo bem? Como o Gustavo está?Passo a mão pelos cabelos, exausta. Me ligaram da escola, avisando que Gustavo estava com febre. Fui buscá-lo mais cedo e desde então, estou monitorando e tentando fazer baixar a temperatura, mas nada adianta. Agora, a febre subiu de repente, e ele não está nada bem. Hesito por um instante antes de responder, mas não faria sentido esconder isso dele.Mayara: Gu está doente. Está com febre e está bem abatido.A resposta vem quase instantaneamente.Caíque: Quer que eu vá aí?Olho para o sofá, onde Gustavo está deitado sob uma manta, os olhos semicerrados, o rostinho pálido. Ele não quer comer, não quer falar muito. Talvez Caíque ter sido presente antes não fizesse dife
MayaraO dia amanhece silencioso. Abro os olhos devagar, sentindo o corpo pesado da noite mal dormida. O medo com Gustavo não me deixou descansar direito com preocupação do seu estado, fiquei acordando para conferir como ele estava, mas agora a casa silenciosa parece em paz.Olho para o lado e ele não está. Respiro fundo e saio do quarto, indo procurá-lo para ver se precisa de mim. Passo pelo banheiro e não o encontro, sigo pela cozinha vazia e vou até a sala.A cena que encontro me faz parar na porta.Gustavo está acordado, encolhido no canto sofá, e Caíque está ao lado dele, segurando um copo d’água. Meu filho pega o copo e toma um gole pequeno, volta a deitar no braço do sofá e descansa a cabeça na almofada, as pernas esticadas e os pés quase tocando o Caíque que fala com ele, a voz baixa e calma.— Sabe, você parece um super-herói se recuperando de uma batalha difícil — ele diz, como se fosse um segredo.Gustavo solta um risinho fraco.— Super-heróis não ficam doentes.— Claro que
CaíqueO celular vibra ao meu lado na mesa, e meu coração dá um leve salto ao ver o nome de Mayara na tela. Afasto-me do computador e com pressa, desbloqueio a tela do celular para ver do que se trata a mensagem. Desde que Gustavo soube de tudo, começamos a nos falar com mais frequência, por causa dele é claro. Pergunto diariamente sobre ele, a rotina, quando podemos nos ver. Ela tem sido receptiva e sempre me deixa falar com meu filho, isso é um avanço para nós levando em consideração a nossa história. Tenho tentado dar espaço e deixar que as coisas aconteçam no tempo certo, ao mesmo tempo que lembro que estou por ali caso precise. Talvez ela precise de mim agora, por isso abro a mensagem sem demora.Mayara: Oi, Caíque. Lembra que o Gustavo comentou que a escola dele foi ao museu de ciências essa semana, mas ele não conseguiu ir porque estava doente? O que acha de irmos com ele? Ele está me pedindo muito (leia-se cobrando).Minha primeira reação é surpresa. Quando comentei que poderí
MayaraO novo burburinho na cidade está ficando cada vez mais alto. O assunto que está na boca do povo? Eu, Caíque e Gustavo.Desde que Caíque voltou, só ouvi um comentário ou outro sobre o seu retorno, como ele era bonito, estava solteiro, era de boa família… O de sempre. Mas agora que ele começou a se aproximar de Gustavo, os olhares curiosos e os cochichos se tornaram inevitáveis e mais altos que os anteriores. E tudo piorou depois do nosso passeio ao museu.No fim do dia, ele nos ofereceu carona. Eu ia negar como sempre, mas Gustavo queria vir com o Caíque. Concordei e assim que chegamos, reparei o quanto chamamos atenção por estarmos andando juntos pelas ruas da cidade. Parece que nos esbarrarmos antes, não era nada de mais, até estar dentro do seu carro.Agora as pessoas não se importam em esconder ou serem discretas quando comentam sobre nós, fazem suposições, tiram conclusões precipitadas. Como se nossas vidas fossem um livro aberto para todos interpretarem do jeito que quiser
CaíqueMeus pais sempre souberam como me pressionar. Mas dessa vez, não é sobre carreira, dinheiro ou a crise que enfrentamos. Mayara falou mais cedo sobre como o assunto chegaria até eles, mas não esperei que seria tão cedo.Estou sentado à mesa da cozinha desde que cheguei, por estar comendo um pão e tomando café, não me apressei em levantar quando os dois chegaram da rua, não querendo chamar atenção.Eu deveria estranhar quando os dois vieram me fazer companhia, não era o habitual. Ao menos, não agora que sou adulto. Fingi não estar pensando sobre os motivos deles estarem aqui, como se estivessem sua presa. Foi quando o meu pai não continuou sua cena, fechando o jornal e me encarando com aquele olhar avaliador. Minha mãe está ao lado dele, mexendo a colher dentro da xícara de chá, mas a expressão no rosto dela é tensa.— O que estão dizendo por aí é verdade? — meu pai pergunta, sem rodeios. — Você voltou para Mayara?Respiro fundo, sabendo que essa conversa seria inevitável.— Não.