MayaraMeus dedos tremem enquanto digito a mensagem. A luz fria da tela do celular ilumina meu rosto, refletindo a incerteza que sinto. As palavras parecem simples, diretas, mas carregam um peso que sei que nunca poderei aliviar.Oi, Caíque. É a Mayara. Podemos conversar hoje? Você pode me encontrar no café da praça?Aperto enviar antes que minha coragem vacile. O celular permanece imóvel por alguns segundos, mas cada um deles parece se arrastar como uma eternidade. Então, a resposta chega.Caíque: Estarei lá.Sinto o coração acelerar e respiro fundo, tentando me convencer de que fiz a coisa certa. Mas será que existe uma maneira certa de contar algo assim? Sete anos de silêncio, de decisões unilaterais, de segredos guardados tão profundamente que quase me convenceram de que estavam seguros para sempre.Mas agora, não há mais escapatória.************************************************************************************O café está relativamente vazio quando chego. Escolho uma mesa
Caíque Ao ouvir a confissão de Mayara, é como se o chão sob mim cedesse, um vazio se abrindo dentro do meu peito. Meu corpo se tenciona, cada músculo preparado para reagir, mas não sei como. Raiva, tristeza, frustração… Tudo se mistura de uma vez só.Sei que fui rude em minha explosão, quando Mayara fecha os olhos por um instante, e quando os abre novamente, estão marejados. Mas eu não me deixo levar por isso. Não agora.Tento raciocinar, mas o peso dessa revelação é esmagador. Sinto uma perda que não deveria existir, um tipo de luto por todos os anos que perdi sem saber que tinha um filho.— Podemos conversar depois? — peço. — Sobre como vamos lidar com isso?— Sim.— Então, nos falamos depois. Preciso ir embora. — Não espero por sua resposta. Me levanto, pegando minhas chaves.Ela apenas observa enquanto me afasto. Sei que há muito mais a ser dito, mas agora, eu só preciso sair daqui e respirar.*********************************************************************Dirijo sem rumo p
CaíquePassei a noite em claro, tentando entender todas as reviravoltas em minha vida. Depois da conversa com minha irmã, voltei para a casa dos meus pais e tentei trabalhar, a fim de ocupar a mente. Não deu muito certo, mas eu tentei. Sem dar explicação do meu silêncio e falta de interação, fui para o meu quarto e fiquei lá, me convencendo que conseguiria dormir em algum momento.Nada aconteceu. Eu não dormi, não descansei, não deixei de pensar.Ao acordar, respondi à mensagem da minha irmã que me incentivava a falar com Mayara. Obedeci e mandei mensagem para a Mayara, ela falou que eu poderia ir até a casa dos seus amigos no fim da tarde. Combinamos de estar com mais pessoas, tentando não soar tão estranho para o Gustavo nessa primeira interação.Eu estava indo até o endereço, mas mudei o caminho. Dirijo sem rumo, as mãos apertando o volante com força, como se isso pudesse conter o caos dentro de mim. Mas não pode. Nada pode. A descoberta de Gustavo virou minha vida de cabeça para b
Caíque— Onde fica o banheiro? — pergunto para o Daniel que aponta para a direção em que devo ir.Levanto do chão e vou até lá. Não demoro em encontrar o banheiro com porta fechada. Adentro o cômodo e faço uso do sanitário. Vou até a pia e lavo as mãos, umedeço o rosto e nuca, me acalmando.Olho o meu reflexo no espelho e respiro fundo, pronto para voltar para a sala. Não estou me sentindo totalmente deslocado, mas também não tão relaxado. É tudo muito novo, diferente. Estou com medo de fazer algo e tudo acabar dando errado, não sei.Volto para perto deles e me sento no tapete da sala, observando Gustavo organizar as peças do jogo com a precisão de alguém que leva aquilo muito a sério. Ele não me olha diretamente, mantém o foco no tabuleiro, como se estivesse se preparando para uma batalha. E, de certa forma, talvez esteja.Sete anos. Sete anos sem saber que ele existia, sem estar presente para ver seus primeiros passos, ouvir suas primeiras palavras, ver ele comer, ensinar a andar de
MayaraObservo Gustavo enquanto ele brinca no chão da sala, empilhando blocos de madeira com concentração. Seu pequeno mundo gira em torno de brincadeiras, escola e tudo o que um menino de sua idade deveria ter. Mas agora há algo novo, uma mudança que eu preciso guiá-lo a entender. Desde que chegamos em casa depois de um dia cheio, estou aqui, ensaiando como falar o que tem me atormentado.Respiro fundo, sentindo meu coração bater acelerado. Como se diz para um filho que o pai dele sempre esteve por aí, mas nunca soube da sua existência? Que eu tomei essa decisão por medo, por orgulho, por tantas razões que hoje parecem se dissolver e não importar mais diante da realidade?— Gustavo — chamo com cuidado, sentando-me ao seu lado. Ele pega um bloco e equilibra sobre os outros.— Oi, mãe. — Olha para mim com seus olhos grandes e atentos, curiosidade cintilando neles.— Pode parar um pouquinho para a gente conversar sobre uma coisa?— Tá bom. — Com agilidade, se vira para mim e me dá total
CaíqueMayara: Oi, Caíque. Conversei com o Gu, ele já sabe.Mayara: No fim da tarde, vamos na praça perto do café. Se quiser ir...Leio as mensagens seguidas da Mayara. Releio algumas vezes para ter certeza que entendi direito. Respondo assim que confirmo que não está me faltando compreensão.Caíque: Oi, Mayara. Estarei lá.Respiro fundo. Gustavo sabe que sou seu pai. Será que ele aceitou bem? Está ansioso para me conhecer ou está odiando a novidade?Não vou perguntar para a Mayara sobre isso, dependendo a resposta ficaria ainda mais ansioso. Vou encontrá-los independentemente de qualquer que seja a situação.Depois da noite de jogos, liguei para minha irmã e narrei como foi positivo o nosso primeiro contato direto. E agora, depois da mensagem da Mayara, envio uma mensagem para Larissa avisando que vou ver o Gustavo mais tarde. O difícil vai ser passar o dia em pura expectativa, desejando que as horas passem rápido.*********************************************************************
MayaraO celular vibra em meu bolso, e meu coração dá um leve salto ao pegar o aparelho e ver o nome de Caíque na tela. Desde o encontro na praça, ele tem mandado mensagens de vez em quando, tentando se aproximar de Gustavo de forma sutil. Respiro fundo antes de abrir a mensagem.Caíque: Oi. Tudo bem? Como o Gustavo está?Passo a mão pelos cabelos, exausta. Me ligaram da escola, avisando que Gustavo estava com febre. Fui buscá-lo mais cedo e desde então, estou monitorando e tentando fazer baixar a temperatura, mas nada adianta. Agora, a febre subiu de repente, e ele não está nada bem. Hesito por um instante antes de responder, mas não faria sentido esconder isso dele.Mayara: Gu está doente. Está com febre e está bem abatido.A resposta vem quase instantaneamente.Caíque: Quer que eu vá aí?Olho para o sofá, onde Gustavo está deitado sob uma manta, os olhos semicerrados, o rostinho pálido. Ele não quer comer, não quer falar muito. Talvez Caíque ter sido presente antes não fizesse dife
MayaraO dia amanhece silencioso. Abro os olhos devagar, sentindo o corpo pesado da noite mal dormida. O medo com Gustavo não me deixou descansar direito com preocupação do seu estado, fiquei acordando para conferir como ele estava, mas agora a casa silenciosa parece em paz.Olho para o lado e ele não está. Respiro fundo e saio do quarto, indo procurá-lo para ver se precisa de mim. Passo pelo banheiro e não o encontro, sigo pela cozinha vazia e vou até a sala.A cena que encontro me faz parar na porta.Gustavo está acordado, encolhido no canto sofá, e Caíque está ao lado dele, segurando um copo d’água. Meu filho pega o copo e toma um gole pequeno, volta a deitar no braço do sofá e descansa a cabeça na almofada, as pernas esticadas e os pés quase tocando o Caíque que fala com ele, a voz baixa e calma.— Sabe, você parece um super-herói se recuperando de uma batalha difícil — ele diz, como se fosse um segredo.Gustavo solta um risinho fraco.— Super-heróis não ficam doentes.— Claro que