Não posso contar a história de Dáverus, o deus, sem contar a história de Irelay, o humano. Saber a razão de Irelay ter se tornado Dáverus é tão importante na escolha que você precisa fazer, quanto saber o que Dáverus fez depois de ter se tornado tal deus.
Mas para chegar em Irelay, preciso falar brevemente sobre mim, uma vez que fui o seu mestre.
Eu nasci há 483 anos atrás. O Novo Tempo era novo, tinha treze anos apenas. Eu não esperava viver tanto como já vivi. Principalmente porque me tornei um homem amargurado, numa guerra entre as máquinas e os humanos. As máquinas eram objetos inteligentes alimentados com fontes de energia variadas, que hoje em dia seriam vistas como formas de magia.
Acreditei que morreria naquela guerra que terminou no ano 82. Estava errado, no entanto e graças ao poder de uma deusa adormecida, chamada Aya, eu viveria muito além, por muitos séculos, até entender que a verdade não existe e que toda história tem sua belezura, entre cada vírgula.
A deusa sequer estava desperta, mas seu poder latente foi o suficiente para me transformar em alguém que viveria mais de um milênio e com a capacidade de enxergar todos os passados, presentes e futuros. O que, a princípio, me fez ser arrebatado pela loucura. Embora meu cérebro tivesse sido alterado para suportar, seria precisa um tempo de adaptação.
Por mais de um século vaguei como um louco. Tudo era muito confuso para mim. Passado, presente e futuro eram, todos eles, infinitas variações simultâneas, transformando todo o meu agora num turbilhão vertiginoso de confusão assustadora. Eu parecia um demente, balbuciando palavras em meio a risos ensandecidos; quando não permanecia estático por semanas, babando, sem mexer um músculo, perplexo com o que meus olhos vazios “viam”.
Assim foi até eu ser encontrado por Einnie e Gillig, que serviam a uma outra deusa, filha de Aya, chamada Phemba Skull Tumba, senhora de uma ilha mística. Na ilha de Phemba, meus poderes foram imensamente contidos, juntamente com a insanidade que, se não havia me deixado por completo, ao menos me permitia pensar.
Adotei o nome do velho deus nórdico, Holdur, porque quando fui exposto à luz extrema da evolução de Aya, deixei de enxergar como uma pessoa enxerga.
Na ilha de Phemba, encontrei certa paz. Ela precisava de minha ajuda e, ao ajudá-la, me ajudei. Nada pode ser mais interessante. Ela tinha poderes ilimitados e ninguém para ajudá-la a controlá-los, porque Aya nunca pôde ensiná-la. Com muito esforço, Phemba conseguiu usar seu poder construir uma ilha capaz de conter seus poderes.
Assim que pisei na ilha, minha mente conseguiu focar no agora e minha mente estava livre o suficiente para compreender a vida e seus elementos. Tudo fazia sentido e assim a senhora da ilha se tornou minha primeira discípula. O poder dela era maior que o meu, porque ela era uma filha pura de Aya, enquanto eu era um irmão adotado, por assim dizer. Nem homem nem deus. Mas Phemba buscava compreensão e pude oferecer um pouco a ela.
Meu local favorito, naquele paraíso era a Montanha Aranha. Um local de dificuldade extrema de acesso, dado o seu formato. Era preciso escalar umas das oitos pernas da montanha, mas sobre as suas costas era o lugar mais alto na ilha. A vista era maravilhosa. Na ilha de Phemba, eu enxergava como qualquer pessoa.
Fiquei na ilha até aprender a controlar meu dom e reduzir a loucura a um nível aceitável. Não vou negar: na ilha de Phemba, me sentia embriagado com a vida. Ria e me fartava dos prazeres simples. Um repouso merecido, há de ser dito.
Phemba aceitou um certo treinamento imposto a mim e deixou a ilha sob minha regência. Tive outros discípulos na ilha, enquanto ela estava ausente, por assim dizer, embora não muitos. Bravos guerreiros buscavam a ilha, tão mística quanto mítica, para obterem poder. O que encontravam eram o meu treinamento, um árduo preço para se sobressaírem como humanos, mas apenas.
Através destas raras visitas, eu obtinha informações sobre o mundo fora da ilha.
Soube quando deixar a morada mística de Phemba Skull Tumba ao receber aquele que seria meu último discípulo. Após encontrá-lo eu não mais poderia me dar ao luxo de me manter afastado, pois ele era aquele que se tornaria o deus Dáverus.
Me lembrava o suficiente das minhas visões arrebatadoras e ao ser encontrado por aquele humano, eu sabia que ele estava destinado a trilhar uma jornada magnífica.
Não posso contar a história de Dáverus, o deus, sem contar a história de Irelay, o humano. A razão da transformação do segundo no primeiro é vital para que você faça a sua escolha. Por isso, preste bastante atenção no que vou contar.
Quando Irelay me pediu para treiná-lo, o avisei que deveria ficar na ilha mística, sem notícias do mundo externo, por um ano.Seriam necessárias as quatro estações para ele compreender os quatro elementos. No final de seu treinamento, ele deveria ser capaz de passar no meu teste. Não seria fácil, mas ele estava determinado, como o verão pedia. Era o ano 197 do Novo Tempo.Não havia coincidências. Ele havia chegado três dias antes da melhor estação para iniciar um treinamento para alguém como ele, destinado a grandes feitos.Irelay estava em pé, diante de mim, nas primeiras horas do seu primeiro dia de treino. Estávamos no alto de um monte e ainda estava escuro ao redor dele, tanto quanto em sua mente despreparada. A diferença é que faltava pouco para o amanhecer do dia, mas muito para a luz tomar
Uma única lágrima escorria pelo rosto moreno emoldurado pelo cabelo negro. Os olhos eram da cor de mel e ela era chamada de Kamyra. E ela disse ao seu amado Irelay:– Você prometeu que não me deixaria.Ele tinha a expressão de angústia profunda estampada no rosto e falou:– Meu amor, o meu reino foi tomado pelo Lord Fell M’og...– Não sou insensível à morte do seu pai, mas o seu reino passou a ser este, quando se casou comigo e veio governá-lo comigo.– Governá-lo apenas enquanto Fell M’og não chega?! – Irelay se exaltou. Olhou as mãos tremendo e se sentou na luxuosa cama. O quarto iluminado apenas por velas.Colocou a mão aberta sobre o peito por um instante. Inspirou profundamente, fechou a mão sobre o peito, como se tivesse arrancado algo invis&ia
Irelay treinava todos os dias para limpar sua mente e passei nossos combates da aurora para o crepúsculo.Dia após dia ele apanhava. Tinha muita coisa na cabeça.Na última noite de verão comíamos a minha especialidade: batatas negras preparadas numa fogueira. Comemos em silêncio próximos a um riacho raso que cantava para nós. Com a barriga feliz, fui dormir ao som das águas passando pelas pedras.Irelay estava mirando o fogo, tentando entender sua essência. O fogo cresceu e por um instante ele achou que estava obtendo poderes sobre aquele elemento, mas logo viu a silhueta de uma mulher tomar forma nas chamas e de repente ela deu um passo adiante, para espanto do meu pupilo.A mulher estava nua. Seus olhos eram vermelhos, o cabelo também. A pele rosada, a luz da lua era suficiente para Irelay ver o suficiente para precisar prender o fôlego por um instante.Sorrin
Quando parou diante de mim, pela primeira vez, Irelay já carregava há dias o peso do mundo nas costas.– Foi você, então, quem conseguiu encontrar a ilha de Phemba e, há dias, vem subindo essa Montanha Aranha. – Falei, debaixo de meu chapelão de palha, quando um jovem ofegante parou diante de mim. Sentado estava e sentado fiquei. – Então é você quem perturba minha paz...– Não vim até aqui para que o senhor perca a sua. Vim para que eu encontre a minha. – Ele respondeu, tentando recuperar o fôlego.– Superou a guardião da montanha – e ele fez uma careta se lembrando do quão difícil foi escapar de uma aranha –, assim como superou todas as minhas armadilhas do caminho; mas somente quando superar as próprias, encontrará a paz que procura – afirmei, antes de morder uma fruta
O verão se foi. Phemba não mais apareceu para Irelay com seu espectro de fogo. Meu discípulo resolveu esquecer. Continuava seu treino.Com a chegada do outono, vinha a segunda parte de seu desafio. Dei a ele o segundo totem, o da serpente, e lhe ensinei a oração a ser entoada como primeiras palavras dos dias dos próximos meses. Ele as decorou e as repetiu sozinho, por algumas vezes:Outono;Sopra teu vento.Leva meu sono,meu lamento.E me mostre como.Que eu veja na perda, um presente.Não mais dono.Livre da minha pele, como a serpente...Estava no momento de mostrar ao meu discípulo que ele aprenderia não somente comigo. O levei até aquela que seria sua mestra por aquele dia: uma árvore.Diante daquela planta, Irelay inspirou profundamente, não por impaciência. Àquela altura j&
Daigan lutou como pôde, até aquele dia. Era o ano 198 do Novo tempo. Seu amigo, Irelay, havia partido há pouco mais de um ano. Embora pertencesse ao Alto Povo das Florestas, Daigan estava liderando os guerreiros dos reinos das planícies, nos quais tinha muitos amigos. Lord Fell M’og, no entanto, tomava reino após reino.A Espada da Morte, empunhada por ele, era uma arma terrível. Um simples ferimento causado por ela expulsava a alma do corpo atingido. A vontade do portador da arma mágica passava a dominar tal corpo. Assim, o exército de Fell M’og crescia vertiginosamente a cada reino derrotado.Quando Daigan percebia não poder fazer mais nada para salvar um reino, recuava com alguns sobreviventes para se juntarem o exército do próximo reino.O jovem adulto do povo das florestas era carismático e muito inteligente. Sua liderança garantia seman
Um pouco antes do fim do outono, pedi a Irelay cortar uma boa quantidade de lenha, alegando ser um exercício, mas a verdade é que estava cada vez mais frio e eu queria uma fogueira grande quando anoitecesse. Ele usava um machado e quando fez uma pausa para endireitar as costas, lá estava ela. A mesma mulher nua, embora agora tivesse o cabelo marrom feito terra e colado ao corpo no qual serpenteava e feito serpente ele se moveu quando ela veio em sua direção, sempre colado ao corpo do pescoço à coxa da perna esquerda. O tom da pele era moreno. Ele engoliu em seco, achando que aquele espectro de Phemba estaria irritada com ele, mas reafirmou para si mesmo de que elas estavam separadas e tentou ser casual, ao dizer: – Olá. Ela nada respondeu e continuou a se aproximar e parou a poucos centímetros dele. Ela olhava para os olhos dele e para os lábios alternadamente e isso o intimidou. Parecia que ela iria beijá-lo a qualquer instante ou que pedia por
O outono foi uma estação proveitosa. Boa parte dela, Irelay passou enterrado, literalmente, em seu treinamento, para entender aquele elemento. Horas com terra cobrindo o corpo, quase completamente. Apenas boca e nariz expostos para respirar. Imerso em escuridão.E, como não podia deixar de ser, o treinamento se tornaria mais rigoroso no inverno.Em seu primeiro dia da estação gelada, ele me entregou o medalhão Totem de serpente, e entreguei a ele o Totem do peixe, revelando a oração dos dias dos próximos meses:Inverno;Gelo e escuridão.Mergulho no inferno.Reclusão.Mostre-me a realidadedas minhas ações.Com os olhos do peixe, mesmo na profundidade,que eu enxergue nas duas direções.Seus olhos estavam calmos. O tipo de calmaria que vem antes de uma violenta tempesta