Um pouco antes do fim do outono, pedi a Irelay cortar uma boa quantidade de lenha, alegando ser um exercício, mas a verdade é que estava cada vez mais frio e eu queria uma fogueira grande quando anoitecesse.
Ele usava um machado e quando fez uma pausa para endireitar as costas, lá estava ela. A mesma mulher nua, embora agora tivesse o cabelo marrom feito terra e colado ao corpo no qual serpenteava e feito serpente ele se moveu quando ela veio em sua direção, sempre colado ao corpo do pescoço à coxa da perna esquerda. O tom da pele era moreno.
Ele engoliu em seco, achando que aquele espectro de Phemba estaria irritada com ele, mas reafirmou para si mesmo de que elas estavam separadas e tentou ser casual, ao dizer:
– Olá.
Ela nada respondeu e continuou a se aproximar e parou a poucos centímetros dele. Ela olhava para os olhos dele e para os lábios alternadamente e isso o intimidou. Parecia que ela iria beijá-lo a qualquer instante ou que pedia por
O outono foi uma estação proveitosa. Boa parte dela, Irelay passou enterrado, literalmente, em seu treinamento, para entender aquele elemento. Horas com terra cobrindo o corpo, quase completamente. Apenas boca e nariz expostos para respirar. Imerso em escuridão.E, como não podia deixar de ser, o treinamento se tornaria mais rigoroso no inverno.Em seu primeiro dia da estação gelada, ele me entregou o medalhão Totem de serpente, e entreguei a ele o Totem do peixe, revelando a oração dos dias dos próximos meses:Inverno;Gelo e escuridão.Mergulho no inferno.Reclusão.Mostre-me a realidadedas minhas ações.Com os olhos do peixe, mesmo na profundidade,que eu enxergue nas duas direções.Seus olhos estavam calmos. O tipo de calmaria que vem antes de uma violenta tempesta
No meio do inverno a ilha de Phemba estava congelada. Levei Irelay para um lago e andamos sobre a espessa camada de gelo que se formou. Falei para ele se despir e ele hesitou. Esperei e ele tirou a roupa. A expressão de raiva estampada na cara. Dei alguns passos e soquei o chão cristalino em três lugares. Irelay observava, tremendo de frio e sacudindo a cabeça em apreensão.– Para vencer um obstáculo é preciso enfraquecê-lo – falei, quentinho debaixo do meu casacão de peludinho. E continue falando, ao parar num quarto ponto afastado dos outros: – Eu poderia ter socado quatro vezes o mesmo lugar e não teria obtido esse resultado!Soquei o chão e nada aconteceu além de novas rachaduras se juntarem às outras. Dava pra ver a grande área toda trincada, mas era s&o
A insinuação constante de sorriso na boca de Fell M’og desapareceu. Fosse como fosse, já havia ofertado seus argumentos. Tentou, sinceramente, fazer Irelay entender quão ínfima era sua chance de vitória ali, cercado como estava, pelas forças do Lord. Quando falou novamente, suas palavras impregnavam o ar com a certeza de um fim:– Retiro o acordo que poderíamos ter feito.– E eu vou retirar de você todo esse poder que carrega e que usou de forma deturpada.– Nenhum de nós vai recuar. Em alguma coisa nós concordamos, pelo visto – Fell M’og bufou o que não chegou a ser um riso. – Não somos tão diferentes assim e não há espaço para os dois. Hoje você vai encontrar a morte.– Sim – Irelay falou. – A sua.A última luz fraca do Sol no céu nub
O inverno de 197 do Novo tempo foi intenso. Tudo dói mais no frio. Corpo e alma. Mas Irelay sobreviveu ao rigoroso treinamento gélido para alcançar a primavera. Entreguei a ele o medalhão com o pássaro. O último Totem.Um guerreiro deve conhecer a natureza do mundo e aceitá-la em si mesmo. Para poder voar, um pássaro deve vencer seu maior medo. O de não ser capaz.Se um pássaro acha que está pronto para voar, mas caí, ele terá de se empenhar ainda mais, batendo fortemente suas asas, sem o vento para ajudá-las, ou se tornará o alimento de outro animal. Uma vez devorado, seu corpo se torna energia para outro corpo e sua alma precisará recomeçar. Terá aprendido que deve fortalecer suas asas, antes de tentar voar. Isso só é possível se não houver lamento e, para não lamentar, o guerreiro deve entender que alma &eac
Daigan foi até os dois arbustos mais próximos. Um ainda vestido como seu melhor amigo e o outro como seu pior inimigo. E, vasculhando as vestes, encontrou todos os medalhões, forjados pelos magos de Achibaki. O homem das Florestas os pegou, juntamente com as Espadas Gêmeas. Ele estava ciente de ter, em mãos, o destino da humanidade, literalmente.Se ninguém se apresentasse diante de Aya e vencesse seu desafio, a deusa despertaria e seria a senhora do Dragão. Falhar em decifrar o enigma de Aya, entretanto, era condenar a humanidade tanto quanto deixar que a magia da Ordem chegasse ao fim e libertasse a deusa em posse do dragão, já que a criatura não tinha mais um senhor a quem retornar.O papel de Daigan foi parte vital de tudo o que aconteceu e do que iria acontecer. Ele não se assustou quando ouviu meus passos, se limitando a dizer, quando parei ao lado dele:– Você estava c
Irelay terminou seu treinamento e partiu. Minha estadia na ilha de Phemba Skull Tumba também terminava. Era o momento. Eu precisava encontrar Daigan e ajuda-lo a convencer Aya a aceitar um novo acordo. Não partiria da ilha, porém, sem me despedir de sua senhora.Chamei por ela. O primeiro espectro se manifestou, em esbelto corpo de uma bela mulher nua. Seu cabelo, vermelho, lambia o ar, em todas as direções, emitindo um brilho quente. O segundo corpo de mulher se manifestou, o idêntico ao primeiro, não fosse pelo cabelo, num tom seco de marrom, circulando seu corpo colados nele, embora deslizassem ao menor movimento, sem deixar de tocá-lo nem por um segundo. O terceiro corpo surgiu, igual aos dois primeiros, em forma, mas seu cabelo era verde quase cristalino. E, por último, o quarto corpo surgiu, gêmeo dos anteriores, mas o cabelo era azul se movia como se houvesse uma brisa const
Às vezes a razão para uma pessoa viver é a mesma para ela morrer. Era assim para aquela mulher, perante aquele precipício, de certa forma.O Vale lá em baixo começava a surgir entre a neblina a se desfazer, sem pressa, na luz do Sol, já alto o suficiente para alcançar a parte baixa do vale.Era uma manhã de inverno e a mulher havia acabado de chegar ao topo. Tinha pouco mais de vinte e dois anos. Os olhos eram claros em tons de verde e castanho. O cabelo era liso num castanho claro quase loiro. A pele era clara.O vento frio beijava seu rosto. Ela gostaria de esquecer todo o resto, mas não podia. Sua mente fervilhava. Lágrimas voltaram a rolar sobre a pele já marcada pelo choro insistente. Ela não podia contê-lo.Era o ano de 496 do Novo Tempo. Centenas de anos após a vida de Dáverus neste mundo.Meus passos assustaram a mulher diant
“Dáverus renascerá, após trezentos anos de repouso...” A mulher entoava em sua mente a profecia conhecida por todos em todos os reinos, de forma muito mecânica, tentando achar a confirmação: “...Filho de Ulysses de Valdrick, o maior rei de todos os reis daqueles dias...”Foi o suficiente, embora sua mente tenha recitado o resto pelo automatismo: “Em seu aniversário do vigésimo sétimo ano, vejo o anel de cristal, em seu dedo. Suas palavras eu ouço. Sua vida será repleta de dores e alegrias. Em sua alma, muito peso. Terá poder para salvar a humanidade de um fim pavoroso. Quando o povo estiver prestes a desistir de acreditar, ficará, então, surpreso. Dáverus despertará...”– Proferi essas palavras no ano de 199 deste Novo Tempo e através dos séculos