Nicolas

A água não estava tão gelada. Os treinos na piscina fechada do condomínio costumavam ser difíceis porque o Sol iluminava pouco tempo ali e a água não era aquecida. A mãe de Nicolas já tinha até proposto contribuir com um valor maior do que os vizinhos pro sistema de aquecedor, mas a assembleia não concordou por hora, pois eles estavam reformando a quadra de tênis.

Nicolas recebeu uma carga nova de treinos, um pouco mais pesada. Quando tinha que treinar em casa, sozinho a vontade de não fazer nada era grande, mas o treinador sabia quando ele não tinha feito as séries corretamente. Às vezes ele acreditava que era observado pelas câmeras de segurança, mas lembrava que era proibido pelas regras do condomínio. Com a influência de seu pai, não seria muito difícil ele conseguir isso, mas acreditava mais na capacidade de seu treinador em perceber a evolução.

Ficava triste, nessa solidão da piscina olímpica. Lembrava de quando era menor e sua mãe ia em muitos de seus treinos, se orgulhava tanto dele. Desde pequeno era um nadador prodígio. Aos poucos, a memória ia trazendo algumas realidades que provavelmente ficavam soterradas pelas lembranças boas. A maioria das vezes, era Naiá, a sua babá que estava lá com ele e não sua mãe.

Ainda assim, alguém estava lá. Viviane, sua mãe, estava no quadragésimo quarto andar daquele mesmo prédio. Provavelmente, vendo acompanhando algum perfil de moda, vendo algum tutorial ou planejando algum de seus vídeos. Infelizmente, o sucesso que a mãe acreditava ter na internet era bem menor do que a realidade, mas apesar disso, ela gostava do status que isso trazia a ela.

Carlos, seu pai, era empresário e basicamente trabalhava com investimentos. Nicolas nunca sabia exatamente ao certo o que ele fazia. A família da mãe também tinha muito dinheiro. O avô dela foi uma figura muito conhecida no interior, dono de grandes comércios e depois político. Deixou uma boa herança para a avó de Nicolas que soube cuidar bem dos negócios e unir riquezas com o avô dele, que também tinha muitas posses. Como diz o ditado, parece que riqueza atrai riqueza.

Mas, Nicolas não se sentia tão sortudo assim, na solidão daquela enorme piscina, apesar de amar nadar. Ele tinha fobia social, mas ao mesmo tempo sentia um desejo enorme de alguma vez, pelo menos uma pessoa entrar por aquela porta e mesmo de longe lhe fazer companhia. Isso nunca aconteceu.

Nicolas ia refazendo em sua cabeça sua agenda. Naquela semana ainda teria treino de tênis, aula de piano, reforço de alemão e ainda não sabia se poderia ir na equitação, pois na semana anterior o tempo foi muito chuvoso e isso deixou o haras enlameado e perigoso. Seu pai não deixava ele ir nessas condições.

Na escola, sua turma foi inserida num programa novo de estudo avançado para o vestibular, onde cada um teria um acompanhamento personalizado em cada matéria para se prepararem para os exames de acesso às faculdades públicas. Ele não precisava escolher o curso que iria fazer, mas teria que definir com alguma precisão se pretendia se dedicar a humanas, exatas ou biológicas. Seu pai gostaria muito que ele fizesse direito. O desejo de Nicolas, mesmo, era não fazer mais nada ao final dos estudos. Afinal de contas, acreditava que dessa forma, talvez pudesse aproveitar seu tempo para viver, finalmente. Ou podia fingir que fazia alguma coisa, como acreditava que era a vida real de seus pais.

Não sabia se poderia aguentar tanta pressão. Acreditava que nenhuma pessoa deveria ser obrigada a viver com tamanho peso, tamanha angústia. Não tinha amigos, não se sentia querido, não tinha liberdade, não podia ter escolhas.

Deu mais uma volta completa na piscina, a última.

Seu relógio, que marcava sua frequência cardíaca, vibrou, informando que ele tinha completado o treino e já era hora de passar para a próxima missão do dia. O motorista já o esperava para levá-lo ao curso de programação. Esse era, pelo menos, o que mais lhe agradava, as máquinas pareciam mais fáceis de entender que as pessoas, por mais complexa que pudesse ser sua teoria, a prática normalmente se refletia em realidade. Já a atitude das pessoas, para ele eram um verdadeiro mistério inexplicável.

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