A maioria das vezes, Nicolas não se sentia à vontade no colégio. Não era pra menos, afinal existiam câmeras espalhadas por todos os lados. E a grande maioria delas poderia ser acessada pelos pais remotamente. Não que ele acreditasse que seus pais poderiam estar observando-o. Com certeza estariam ocupados demais para tanto. Mas ainda assim, a sensação de ter quase todos os seus passos vigiados lhe era bastante estranha.
O lugar parecia uma mistura de shopping center com centro empresarial. Realmente era muito bonito, recém reformado, tinha conquistado, além de pais dispostos a gastar, ou investir como eles costumavam pensar, no futuro dos filhos (ou no próprio), também, empresas investidoras. Eram universidades particulares, eram empresas que prometiam empregar as mentes mais brilhantes, já ali, antes de terminarem os estudos, que nomeavam turmas com suas marcas, fornecendo treinamentos, estruturando.Mas tinha um ar de prisão de primeira classe. Catracas na entrada, portões automáticos, cercas elétricas nos muros altos. Era tudo para sua própria segurança, diziam eles.Tudo agora era muito moderno, também. Ele viveu essa evolução dos livros e apostilas tornarem-se parte dos notebooks, tablets, telas nas mesas. Todo conteúdo informatizado. Ele podia acessar seu perfil e todo seu material no sistema, em qualquer dos dispositivos, apenas com sua digital. Os professores eram muito bons, fossem na sala de aula, fossem se apresentando por tela. O contato com os colegas que já não era mais tão próximo. O tempo em recreação ou atividades físicas coletivas, além de reduzido, não permitia muita interação. Ela também era muito mais virtual. E Nicolas não tinha muitos amigos ou colegas. Não era muito sociável. Não era nada sociável, na verdade. Haviam sempre algumas garotas interessadas, a maioria motivada pelo interesse dos pais. Elas mesmas diziam isso.Mas havia uma garota. Sempre há uma garota. Mas era de uma forma diferente do que os filmes clichês de adolescentes da geração dos seus pais. Cristina era sua parceira. Sua confidente! Estava lá desde sempre, desde que se lembrava. Uma garota pequena, frágil, sempre muito magra. Nicolas sempre teve um ar de protetor, era assim que ela se sentia em relação a ele, como um príncipe encantado. Era assim como ele se sentia em relação a ela, como um justiceiro ou um super-herói. E por mais que tivessem arriscado algum romance e suas primeiras, tímidas, experiências juntos, se achavam atrapalhados demais para namorarem com qualquer pessoa que fosse e despreparados para terem um relacionamento, para viverem um amor. Não sentiam necessidade, também. Para ambos, se bastavam. E não se sentiam amarrados, compromissados, do tipo de sentimento em que existe uma necessidade um do outro intensa, o tempo todo. Sabiam que hora ou outra, quando precisassem, estariam ali.Mas Nicolas não se sentia feliz. Trocar mensagens, dividir o dia, ter alguém pra conversar era bom, mas ainda assim, Nicolas definitivamente estava bem distante de se sentir feliz.Naquela semana, especificamente, ainda estava mais estressado que o normal. Os exames finais estavam se aproximando, faltavam poucos meses agora, e a carga de estudos tinha se multiplicado. Na opinião dele, era humanamente impossível dar conta de todo o conteúdo programático, mesmo se as matérias de cada professor fossem únicas. Será que eles não tinham noção de que todos os professores davam a mesma carga de coisas para serem lidas, pesquisadas, apresentadas? Não conversavam entre si? Talvez não, mesmo, se nem os alunos quase não faziam mais isso.A melhor tática deveria mesmo ser abrir mão de alguns em detrimento dos outros. Talvez fosse melhor se dedicar nos que tinha mais dificuldade e contar com a sorte nos que tinha mais facilidade. Teria uma chance maior de ir bem em tudo e orgulhar os pais. Será mesmo?Aquele sinal barulhento, como uma corneta distorcida, estridente que precisava ser arrumado a tanto tempo, indicava a tentativa de trazer alguma ordem para aquela “reunião” social, que qualquer um poderia, de longe, imaginar ser mais uma espécie de “convulsão” social. Jobson ia para a escola ainda, muito mais para incentivar os irmãos e acompanhá-los e porque sua mãe insistia que ele precisava. Mas estudar era uma das poucas coisas que ele conseguia fazer, ali. Preferia fazer a maioria das tarefas, que os poucos professores que ainda se importavam passavam, em casa. Até porque, mesmo que fosse dividindo-se em outras atividades do lar, lá, ele ainda tinha algum sossego. Mas na escola, durante a aula, a bagunça lhe dava dor de cabeça, se tentasse ler. Nas aulas vagas, na ausência de algum professor, tentava se isolar para ler, sem sucesso ou buscava a "pseudo" biblioteca da escola, mas o cheiro de lá não era muito agradável. E ele, por algu
Todos os dias, mais de uma vez por dia, Jobson e Nicolas passavam pelo mesmo lugar. Nunca tinham se encontrado. Era como se fossem duas realidades diferentes, como se num universo Jobson passasse num ponto e num outro universo paralelo Nicolas passasse no mesmo ponto, exatamente ao mesmo tempo e atravessassem um ao outro. E não fosse uma coincidência do destino, se ao destino pertencerem coincidências, o encontro deles nunca aconteceria. Jobson caminhava 50 minutos só na volta pra casa. Andava, não, quase corria. Aliás, essa é uma qualidade natural a todos aqueles que são financeiramente desfavorecidos: andar rápido. Por todos os motivos, o pobre aperta seu passo. Seja para aproveitar o pouco tempo que tem de alguma forma, seja para fugir de algum perigo que pode estar próximo. Afinal, por menos dinheiro, posses e bens que uma pessoa possa carregar consigo, ela nunca está segura, sempre terá alguém que tentará tirar alguma coisa dela. Ainda mais onde Jobson morava. Mas a insegur
Jobson estava achando estranho que até aquele horário sua mãe ainda não havia chegado. Algumas vezes ela fazia hora extra, por isso, uma hora ou duas de atraso para chegar em casa não o espantavam. Mas já era tarde da noite e apesar de seu dia ter sido longo, ele decidiu que deveria fazer alguma coisa.Chamou uma das vizinhas, Dona Idalina, que mais que depressa, preocupada, foi até o final da rua procurar seu cunhado que deveria saber a quem procurar. Não adiantava ir atrás da polícia, pois desaparecidos só podem ser reclamados após 24 horas. E Jobson sabia que depois de 24 horas desaparecida, se isso acontecesse, seria só cumprir uma burocracia na delegacia.Vander trabalhou muitos anos como segurança e tinha alguns contatos que poderiam ajudar naquele momento. Em poucos telefonemas, descobriu a informação de um lugar onde talvez pudesse começar a procurar por ela. Dona Idalina foi ficar com os irmãos de Jobson, que entrou na parati de Vander e iria com ele até lá. Segundo a
Nicolas precisava ir em uma festa. Não era por diversão, era um compromisso, um evento social. Sua mãe disse que era muito importante, que tinha prometido para uma de suas amigas que providenciaria para que ele fosse conhecer a filha dela. Nicolas pensava que, da mesma forma que o trabalho escravo havia acabado, com a lei áurea, os casamentos arranjados entre as famílias da elite também tinham sido erradicados. Só que não. No máximo, foi dada a ilusão da existência de escolha. Você não é obrigado a fazer isso, você pode escolher entre isso, algo parecido com isso e algo menos parecido com isso que vai te colocar em uma situação ainda pior. O rapaz já havia dado outras desculpas para outras tarefas e se viu encurralado. No final das contas, ele condicionou sua ida a apenas conhecer a garota, ficar umas duas horas e voltar para casa. A mãe consentiu e tudo ficou arranjado. Nicolas analisou o convite, que pedia traje fino e imaginou uma
Fernanda estava já fora de perigo, apesar de muito machucada e abalada. Foi realizado exame de corpo de delito, mas os policiais diziam a Jobson que não tinham muito o que fazer. Não haviam testemunhas e, segundo o que apuraram, sua mãe não tinha condições de descrever bem os criminosos.Teria que ficar agradecido por ela ter sobrevivido e de acordo com o conselho dos homens da lei, ela deveria tomar mais cuidado por onde ia e a que horas andava "por aí".Jobson não se conformava que, com a quantidade de luta de sua mãe, era ela ainda a culpada por ter que morar onde morava e ter que trabalhar até a hora que trabalhava. Ela mal dormia. Sua vida era trabalhar. Pôde ir vê-la. Segundo os médicos, logo ela teria alta também. Não porque estava bem, pois além de completamente ferida, seus olhos estavam perdidos. Sequer conseguia olhar o filho nos olhos. Porém, o leito de internação seria necessário para "casos mais graves".Enquanto isso, Nicolas, que havia passado algumas ho
A contratação de Jobson renovou as esperanças de sua mãe. Ela transformou seu sentimento de tristeza e vergonha em orgulho do filho. Era como se sua mente tentasse esquecer o que tinha vivido e entrar em uma nova realidade. Suas forças estavam renovadas. Ela fez marmita para ele, mesmo ele dizendo que não precisava, que ele próprio podia fazer, pra ela ficar tranquila. Ela fez questão. Comprou e preparou até um bife, afinal, era o primeiro dia. Acompanhou cada passo dele, ajudando-o e apoiando-o. Fazia muito tempo que ele não sentia isso por parte da mãe, tamanha atenção, carinho e dedicação. Aliás, ele nem se lembrava se algum dia ela já tinha sido assim com ele. Os dois saíram juntos para o trabalho, os horários coincidiam.Jobson estava muito feliz. Ele seria uma espécie de "faz-tudo". Na verdade, nem o chefe dele, onde ele foi designado, sabia exatamente a função do rapaz. A vaga para a qual tinha se candidatado tinha sido ocupada por outra pessoa. Mandaram que ele apenas ocu
Após o acontecido, Nicolas ganhou a oportunidade de seu pai de começar a trabalhar na empresa. Seria apenas 4 horas por dia, mas Dr. Carlos achava que era hora do filho entender a respeito de responsabilidades. Apesar de que, horário flexível, função sem tantas cobranças, com tarefas acessórias e sem corte de mesada, pelo contrário, com salário registrado, não estava muito dentro do que se pode chamar de responsabilidade. Ainda assim, seria bom para o garoto começar a se ambientar com o ambiente organizacional. Em sua chegada na empresa, ele parecia um chefe. Todos já sabiam que ele viria. Desde sua descida do carro, porta aberta pelo motorista, até a chegada no anti-penúltimo andar do prédio, onde seria sua sala, todos o cumprimentaram e o trataram como uma espécie de ídolo, artista. Sentou em sua mesa, havia algumas dicas em lembretes ao lado do teclado do computador. Logando no sistema haviam sugestões de projetos dos quais ele poderia escolher para participar. Todos eram
O segundo dia de Jobson no emprego foi mais fácil. A chegada em casa na noite anterior também tinha sido boa e motivadora para um dia seguinte. Ele tinha pequenas tarefas, a maioria delas relacionadas a documentos, arquivamentos, organização de papéis. Por sorte, ele era muito bom nisso. Quando era um pouco mais novo, auxiliava a vizinha Adalgisa, já idosa, que era bibliotecária. Ele gostava de ler e a biblioteca pública era perto da casa onde morava. A vizinha era bibliotecária lá e, vez por outra, ajudava-a a carregar livros. Ela sempre dava alguma caixinha para ele. Com a amizade, ela acabou ensinando algumas coisas, como o padrão de organização, o tipo de ordens, o que significavam os números de tombo. Ele era muito esperto, aprendia muito fácil. Usou uma lógica muito parecida, agora, para organizar melhor os papéis do Dr. Ricardo. Organizou, também, os livros. Aliás, ele tinha muitos livros em sua sala, era praticamente um elemento decorativo. Já Nicolas, em seu segundo dia