Nicolas precisava ir em uma festa. Não era por diversão, era um compromisso, um evento social. Sua mãe disse que era muito importante, que tinha prometido para uma de suas amigas que providenciaria para que ele fosse conhecer a filha dela.
Nicolas pensava que, da mesma forma que o trabalho escravo havia acabado, com a lei áurea, os casamentos arranjados entre as famílias da elite também tinham sido erradicados. Só que não. No máximo, foi dada a ilusão da existência de escolha. Você não é obrigado a fazer isso, você pode escolher entre isso, algo parecido com isso e algo menos parecido com isso que vai te colocar em uma situação ainda pior. O rapaz já havia dado outras desculpas para outras tarefas e se viu encurralado. No final das contas, ele condicionou sua ida a apenas conhecer a garota, ficar umas duas horas e voltar para casa. A mãe consentiu e tudo ficou arranjado. Nicolas analisou o convite, que pedia traje fino e imaginou uma espécie de coquetel. Seria chato, mas fácil de lidar. Sua surpresa foi que a cobertura do luxuoso hotel onde seria o evento foi transformada numa verdadeira balada. Não tinha nada de evento social ou coquetel. Ao entrar, a música alta, o serviço de bebidas já sendo oferecidas, a luz baixa e a bagunça fizeram ele quase mudar de ideia e voltar para trás.- Nicolas! - Era a voz de Tomás, filho de Perry, melhor amigo de seu pai. - Não acredito que você veio! - A alegria do rapaz em vê-lo ali, nem se comparava à frieza no convívio escolar. Parecia um amigo de longa data.Rapidamente, ele foi puxado para o meio da turma, cumprimentou um porção de pessoas como se conhecesse, mas que não fazia ideia de quem eram e teve uma taça de alguma bebida colocada em sua mão para o que deveria ser um brinde. Virou a primeira, logo o copo estava cheio de novo. A alegria era bastante contagiante, o ambiente fazia Nicolas se sentir especial, em pouco tempo estava com uma sensação completamente diferente do que sentia em seu dia a dia.- Está se divertindo? - Ouviu uma voz feminina falando por trás dele.Quando se virou, viu uma garota muito linda, talvez uma das mais lindas que já tinha visto. - Me chamo Ellen, filha de Aurora. Eu sou a garota que supostamente você deveria conhecer. Muito prazer, Nicolas. - A garota falou tudo isso ao pé do ouvido de Nicolas, de uma forma tão sensual, que foi difícil o rapaz se concentrar no conteúdo do que era dito.Eles beberam juntos, riram, dançaram. Nicolas nunca tinha se divertido tanto.Mas num determinado momento, Ellen, Tomás, todo o pessoal que estava com eles, começaram a utilizar uma droga, que Nicolas não conhecia, nem sabia qual era. Num primeiro momento ele recusou. Mas começou a ver a reação dos outros, começou a perceber que Ellen estava curtindo mais com o outras pessoas, depois que ele recusou tomar o comprimido.Se aproximou dela, ela ofereceu novamente e ele aceitou. Ela colocou na própria boca, o beijou e passou para a boca dele. Ele engoliu e continuaram se beijando.A reação foi rápida. Se ele estava feliz, agora, parecia nas nuvens. Não existia mais tristeza nenhuma, nenhum problema, o mundo era aquilo que via, o eterno era aquele momento. Ele passou a enxergar as coisas que aconteciam por flashes. Alguns momentos rápidos eram muito mais longos e pareciam em câmera lenta. Outros simplesmente sumiam e ele não sabia como saiu de um lugar e apareceu em outro. Foi assim que foi parar num quarto do hotel com Ellen, Tomas e Gabrielle. Os casais, apesar de unidos, não transaram juntos, ficaram em cômodos separados, apesar de se ouvirem e rirem da situação. Nicolas chegou a pensar que era um sonho, que ele jamais faria aquilo, mas a boca de Ellen, na sua boca, no seu corpo, não dava muita brecha pra ele pensar em qualquer coisa que fosse. Ele só se lembra depois de acordarem nus, jogados na cama, acordados por uma batida da polícia, que encontrou uma mala de Tomás no quarto repleta de drogas. Mal vestiram suas roupas, foram algemados e levados para a delegacia.Fernanda estava já fora de perigo, apesar de muito machucada e abalada. Foi realizado exame de corpo de delito, mas os policiais diziam a Jobson que não tinham muito o que fazer. Não haviam testemunhas e, segundo o que apuraram, sua mãe não tinha condições de descrever bem os criminosos.Teria que ficar agradecido por ela ter sobrevivido e de acordo com o conselho dos homens da lei, ela deveria tomar mais cuidado por onde ia e a que horas andava "por aí".Jobson não se conformava que, com a quantidade de luta de sua mãe, era ela ainda a culpada por ter que morar onde morava e ter que trabalhar até a hora que trabalhava. Ela mal dormia. Sua vida era trabalhar. Pôde ir vê-la. Segundo os médicos, logo ela teria alta também. Não porque estava bem, pois além de completamente ferida, seus olhos estavam perdidos. Sequer conseguia olhar o filho nos olhos. Porém, o leito de internação seria necessário para "casos mais graves".Enquanto isso, Nicolas, que havia passado algumas ho
A contratação de Jobson renovou as esperanças de sua mãe. Ela transformou seu sentimento de tristeza e vergonha em orgulho do filho. Era como se sua mente tentasse esquecer o que tinha vivido e entrar em uma nova realidade. Suas forças estavam renovadas. Ela fez marmita para ele, mesmo ele dizendo que não precisava, que ele próprio podia fazer, pra ela ficar tranquila. Ela fez questão. Comprou e preparou até um bife, afinal, era o primeiro dia. Acompanhou cada passo dele, ajudando-o e apoiando-o. Fazia muito tempo que ele não sentia isso por parte da mãe, tamanha atenção, carinho e dedicação. Aliás, ele nem se lembrava se algum dia ela já tinha sido assim com ele. Os dois saíram juntos para o trabalho, os horários coincidiam.Jobson estava muito feliz. Ele seria uma espécie de "faz-tudo". Na verdade, nem o chefe dele, onde ele foi designado, sabia exatamente a função do rapaz. A vaga para a qual tinha se candidatado tinha sido ocupada por outra pessoa. Mandaram que ele apenas ocu
Após o acontecido, Nicolas ganhou a oportunidade de seu pai de começar a trabalhar na empresa. Seria apenas 4 horas por dia, mas Dr. Carlos achava que era hora do filho entender a respeito de responsabilidades. Apesar de que, horário flexível, função sem tantas cobranças, com tarefas acessórias e sem corte de mesada, pelo contrário, com salário registrado, não estava muito dentro do que se pode chamar de responsabilidade. Ainda assim, seria bom para o garoto começar a se ambientar com o ambiente organizacional. Em sua chegada na empresa, ele parecia um chefe. Todos já sabiam que ele viria. Desde sua descida do carro, porta aberta pelo motorista, até a chegada no anti-penúltimo andar do prédio, onde seria sua sala, todos o cumprimentaram e o trataram como uma espécie de ídolo, artista. Sentou em sua mesa, havia algumas dicas em lembretes ao lado do teclado do computador. Logando no sistema haviam sugestões de projetos dos quais ele poderia escolher para participar. Todos eram
O segundo dia de Jobson no emprego foi mais fácil. A chegada em casa na noite anterior também tinha sido boa e motivadora para um dia seguinte. Ele tinha pequenas tarefas, a maioria delas relacionadas a documentos, arquivamentos, organização de papéis. Por sorte, ele era muito bom nisso. Quando era um pouco mais novo, auxiliava a vizinha Adalgisa, já idosa, que era bibliotecária. Ele gostava de ler e a biblioteca pública era perto da casa onde morava. A vizinha era bibliotecária lá e, vez por outra, ajudava-a a carregar livros. Ela sempre dava alguma caixinha para ele. Com a amizade, ela acabou ensinando algumas coisas, como o padrão de organização, o tipo de ordens, o que significavam os números de tombo. Ele era muito esperto, aprendia muito fácil. Usou uma lógica muito parecida, agora, para organizar melhor os papéis do Dr. Ricardo. Organizou, também, os livros. Aliás, ele tinha muitos livros em sua sala, era praticamente um elemento decorativo. Já Nicolas, em seu segundo dia
Os dois lembraram da conversa amistosa que tiveram no almoço antes de dormirem. Ambos tiveram uma sensação estranha a respeito de uma amizade, de uma forma que nunca tinham sentido antes. Nada tinha mudado na rotina deles até a chegada ao trabalho. Jobson ainda teve sua manhã bem suave de uma forma que parecia começar a se tornar uma rotina.Nicolas por outro lado teve um início de dia bastante agitado.Chegando perto do escritório, os olhares para ele eram mais fuzilantes que no seu primeiro dia. A saudação de bom dia de Sandra foi seca e sem desviar o olhar de suas tarefas. Adentrando em sua sala, estava lá, em sua cadeira, seu pai.- Bom dia, filho! - disse Dr. Carlos, num tom entre autoritário e conciliador, que Nicolas raramente sabia diferenciar.- Bom dia, Dr. Carlos, que bom que pôde vir me ver depois de eu ter pedido uma audiência - respondeu o filho, em tom de ironia, afinal, além do pedido de jantar que fez para a mãe, já tinha feito duas tentativas de encontr
Vez por outra se cruzavam de longe, horário de entrada no trabalho era próximo, na saída era mais difícil. Nicolas saia mais cedo que Jobson. Mas ainda não tinham sequer se cumprimentado novamente.A rotina dos dois foi ficando mais comum, natural, sem grandes novidades. Num desses dias que se seguiu, essa repetição de processos foi quebrada de uma forma trágica. Uma explosão elétrica no prédio culminou num incêndio de grandes proporções, no meio da tarde, no auge do período de trabalho, com alta lotação do contingente de funcionários. O desastre aconteceu no meio do edifício e os funcionários da parte mais baixa, incluindo Jobson, conseguiram ser evacuados rapidamente. Mas quem estava na parte alta do prédio, principalmente o alto escalão da empresa, incluindo Nicolas, ficaram presos.Jobson que estava muito próximo da região do local onde o fogo estava mais forte, ao entrar na escada de emergência, pensou se deveria descer. Ele tinha treinamento básico de brigada de incêndio
- Mãe, você pegou meu secador de cabelo de novo? - A pergunta era frequente naquela casa e a resposta, na maioria das vezes igual.- Dafne Cristina, eu pego seu secador quantas vezes eu quiser, a hora que eu quiser. Quem comprou fui eu, aliás a dívida do cartão de crédito tá lá ainda, se você quiser pode pagar pra exigir que eu não pegue. - Sua mãe sempre respondia nervosa, como se qualquer pergunta fosse uma acusação. - Mas mãe, será que você não pode pôr de volta no lugar depois de usar? Ou pelo menos deixar num mesmo lugar? Cada hora tá num canto e eu tenho que ficar procurando, atrasada. - Muitas vezes a filha parecia a mãe naquela casa.Era comum que, com a idade, algumas pessoas que tiveram muitas responsabilidades acumuladas durante toda a vida, decidam que seja o momento de tentarem, de certa forma, aproveitar o tempo perdido. Era o caso de Auxiliadora, mãe de três filhos, dois homens já casados de mais de 30 anos e de Dafne, com 18 anos recém completados. Desde os
No dia seguinte, Jobson foi tentar trabalhar como se nada tivesse acontecido, mas somente as equipes de limpeza e segurança estavam lá. O celular dele não funcionava e sua mãe, de quem era o número de contato que ele tinha deixado, também não tinha recebido notícias do Dr. Ricardo sobre o que fazer. Quando a equipe o reconheceu assim que entrou no prédio, todos pararam o que estavam fazendo e começaram a aplaudi-lo. Ele ficou completamente sem graça e um dos seguranças foi cumprimentá-lo, levando-o para uma outra área. - Você não está acostumado com a fama, né? - perguntou ele, abrindo a porta de uma sala vazia, onde entraram. - Não, definitivamente não - respondeu Jobson. - Me chamo Glauber, sou o chefe dos seguranças. Achei que seria melhor trazê-lo para cá. Você trabalha nos escritórios, não trabalha? É jovem-aprendiz, estagiário, não é? - Jobson respondeu que sim com a cabeça à pergunta dele. Ficou com receio de explicar que sequer sabia ao certo sua função e