Jobson estava achando estranho que até aquele horário sua mãe ainda não havia chegado. Algumas vezes ela fazia hora extra, por isso, uma hora ou duas de atraso para chegar em casa não o espantavam. Mas já era tarde da noite e apesar de seu dia ter sido longo, ele decidiu que deveria fazer alguma coisa.
Chamou uma das vizinhas, Dona Idalina, que mais que depressa, preocupada, foi até o final da rua procurar seu cunhado que deveria saber a quem procurar. Não adiantava ir atrás da polícia, pois desaparecidos só podem ser reclamados após 24 horas. E Jobson sabia que depois de 24 horas desaparecida, se isso acontecesse, seria só cumprir uma burocracia na delegacia.Vander trabalhou muitos anos como segurança e tinha alguns contatos que poderiam ajudar naquele momento. Em poucos telefonemas, descobriu a informação de um lugar onde talvez pudesse começar a procurar por ela. Dona Idalina foi ficar com os irmãos de Jobson, que entrou na parati de Vander e iria com ele até lá. Segundo a "pista" do ex-segurança, alguns bandidos estavam atacando naquela região e algumas vítimas, mulheres, haviam sido encontradas naquele lugar. Um sentimento de pavor dominou Jobson.- Se acalme, independente de qualquer coisa, você precisa ser forte. Você é o homem da sua família, você que tem que ser forte - dizia, Vander. Eram palavras duras para um garoto, mas realistas e de certa forma realmente o faziam tentar ficar o mais firme possível.Chegaram num local onde Vander podia deixar o carro, seguiram um trecho a pé, subiram por alguns becos. E num misto de alívio e desespero, Jobson encontrou sua mãe no chão. Ela estava viva, se mexia, mas estava muito machucada.Vander correu, pegou-a no colo e os dois saíram em disparada para o carro.- Jobson, eu vou levar vocês para o hospital mas não ficarei com vocês. Sua mãe está praticamente inconsciente, mas ela vai ficar bem. Deve demorar um tempo pra conseguir falar e vão me encher de perguntas. Até ela conseguir ser ouvida e contar que eu não tenho nada a ver com isso, o negão aqui já tá pelo menos uma semana no xadrez. E preso, pra fazerem alguma coisa aparecer contra mim sem existir, eu nunca mais saio de lá. Já vi isso acontecer. - Vander falava e Jobson concordava com ele. Jobson também sentia na pele, mais especificamente na cor dela, todo aquele medo que Vander estava demonstrando. Deixou os dois na esquina do pronto socorro. Jobson agradeceu a ajuda e carregou da forma que pode sua mãe, até que, já próximo da entrada do hospital, foram ajudá-lo.Ela realmente não estava bem e parecia ainda pior. O fato de terem colocado-a numa maca e levado-a para dentro, para pronto-atendimento, sem sequer fazer ficha, demonstrava o estado em que ela estava. Naquele pronto-socorro, certas vezes, mesmo pessoas praticamente morrendo precisavam fazer ficha e aguardar. Talvez fosse o fato dela ter sido tão espancada que seus ferimentos e a quantidade de sangue impressionaram. Ninguém ia querer que alguém naquelas condições aguardasse uma ficha. De qualquer forma, Jobson não pôde ir com ela, precisou fornecer todo tipo de informação e entregar o máximo de documentos. Por sorte, seu avô pegava muito no pé dele para carregar uma carteira com todo tipo de informação, desde sempre.- Mesmo que nunca tenha um centavo na carteira, jamais saia de casa sem ela, com seus documentos. Jamais! - O conselho de seu avô ecoava em sua cabeça.Jobson parecia mais velho do que era e sua mãe mais nova. O teor das perguntas da atendente, que já tinha um segurança do lado de prontidão por algum motivo, indicava que ele era um suspeito. Apresentar seu RG, comprovante de residência, cartão do SUS e a cópia do RG de sua mãe que ele também carregava consigo por precaução serviu para diminuir um pouco as desconfianças. A forma como ele achou a mãe, teve que mentir. Disse que refez o caminho dela e que foi pedindo informações. Um pessoal num bar disse que viu alguns homens carregando uma moça mais cedo, indicaram o local e ele a encontrou. A carregou até onde deu, pediu ajuda e deram carona pra ele.- Você foi muito corajoso, garoto. Provavelmente salvou a vida de sua mãe - disse, a atendente, agora já com um tom bem diferente do inicial. - Ela será transferida, vai precisar de uma cirurgia, você pode ir lá para os fundos, irá com ela na ambulância.O garoto não perguntou nada, não falou nada, não pensou nada. Seguiu o que lhe indicavam para fazer, completamente entorpecido, como se não estivesse dentro de seu próprio corpo.Nicolas precisava ir em uma festa. Não era por diversão, era um compromisso, um evento social. Sua mãe disse que era muito importante, que tinha prometido para uma de suas amigas que providenciaria para que ele fosse conhecer a filha dela. Nicolas pensava que, da mesma forma que o trabalho escravo havia acabado, com a lei áurea, os casamentos arranjados entre as famílias da elite também tinham sido erradicados. Só que não. No máximo, foi dada a ilusão da existência de escolha. Você não é obrigado a fazer isso, você pode escolher entre isso, algo parecido com isso e algo menos parecido com isso que vai te colocar em uma situação ainda pior. O rapaz já havia dado outras desculpas para outras tarefas e se viu encurralado. No final das contas, ele condicionou sua ida a apenas conhecer a garota, ficar umas duas horas e voltar para casa. A mãe consentiu e tudo ficou arranjado. Nicolas analisou o convite, que pedia traje fino e imaginou uma
Fernanda estava já fora de perigo, apesar de muito machucada e abalada. Foi realizado exame de corpo de delito, mas os policiais diziam a Jobson que não tinham muito o que fazer. Não haviam testemunhas e, segundo o que apuraram, sua mãe não tinha condições de descrever bem os criminosos.Teria que ficar agradecido por ela ter sobrevivido e de acordo com o conselho dos homens da lei, ela deveria tomar mais cuidado por onde ia e a que horas andava "por aí".Jobson não se conformava que, com a quantidade de luta de sua mãe, era ela ainda a culpada por ter que morar onde morava e ter que trabalhar até a hora que trabalhava. Ela mal dormia. Sua vida era trabalhar. Pôde ir vê-la. Segundo os médicos, logo ela teria alta também. Não porque estava bem, pois além de completamente ferida, seus olhos estavam perdidos. Sequer conseguia olhar o filho nos olhos. Porém, o leito de internação seria necessário para "casos mais graves".Enquanto isso, Nicolas, que havia passado algumas ho
A contratação de Jobson renovou as esperanças de sua mãe. Ela transformou seu sentimento de tristeza e vergonha em orgulho do filho. Era como se sua mente tentasse esquecer o que tinha vivido e entrar em uma nova realidade. Suas forças estavam renovadas. Ela fez marmita para ele, mesmo ele dizendo que não precisava, que ele próprio podia fazer, pra ela ficar tranquila. Ela fez questão. Comprou e preparou até um bife, afinal, era o primeiro dia. Acompanhou cada passo dele, ajudando-o e apoiando-o. Fazia muito tempo que ele não sentia isso por parte da mãe, tamanha atenção, carinho e dedicação. Aliás, ele nem se lembrava se algum dia ela já tinha sido assim com ele. Os dois saíram juntos para o trabalho, os horários coincidiam.Jobson estava muito feliz. Ele seria uma espécie de "faz-tudo". Na verdade, nem o chefe dele, onde ele foi designado, sabia exatamente a função do rapaz. A vaga para a qual tinha se candidatado tinha sido ocupada por outra pessoa. Mandaram que ele apenas ocu
Após o acontecido, Nicolas ganhou a oportunidade de seu pai de começar a trabalhar na empresa. Seria apenas 4 horas por dia, mas Dr. Carlos achava que era hora do filho entender a respeito de responsabilidades. Apesar de que, horário flexível, função sem tantas cobranças, com tarefas acessórias e sem corte de mesada, pelo contrário, com salário registrado, não estava muito dentro do que se pode chamar de responsabilidade. Ainda assim, seria bom para o garoto começar a se ambientar com o ambiente organizacional. Em sua chegada na empresa, ele parecia um chefe. Todos já sabiam que ele viria. Desde sua descida do carro, porta aberta pelo motorista, até a chegada no anti-penúltimo andar do prédio, onde seria sua sala, todos o cumprimentaram e o trataram como uma espécie de ídolo, artista. Sentou em sua mesa, havia algumas dicas em lembretes ao lado do teclado do computador. Logando no sistema haviam sugestões de projetos dos quais ele poderia escolher para participar. Todos eram
O segundo dia de Jobson no emprego foi mais fácil. A chegada em casa na noite anterior também tinha sido boa e motivadora para um dia seguinte. Ele tinha pequenas tarefas, a maioria delas relacionadas a documentos, arquivamentos, organização de papéis. Por sorte, ele era muito bom nisso. Quando era um pouco mais novo, auxiliava a vizinha Adalgisa, já idosa, que era bibliotecária. Ele gostava de ler e a biblioteca pública era perto da casa onde morava. A vizinha era bibliotecária lá e, vez por outra, ajudava-a a carregar livros. Ela sempre dava alguma caixinha para ele. Com a amizade, ela acabou ensinando algumas coisas, como o padrão de organização, o tipo de ordens, o que significavam os números de tombo. Ele era muito esperto, aprendia muito fácil. Usou uma lógica muito parecida, agora, para organizar melhor os papéis do Dr. Ricardo. Organizou, também, os livros. Aliás, ele tinha muitos livros em sua sala, era praticamente um elemento decorativo. Já Nicolas, em seu segundo dia
Os dois lembraram da conversa amistosa que tiveram no almoço antes de dormirem. Ambos tiveram uma sensação estranha a respeito de uma amizade, de uma forma que nunca tinham sentido antes. Nada tinha mudado na rotina deles até a chegada ao trabalho. Jobson ainda teve sua manhã bem suave de uma forma que parecia começar a se tornar uma rotina.Nicolas por outro lado teve um início de dia bastante agitado.Chegando perto do escritório, os olhares para ele eram mais fuzilantes que no seu primeiro dia. A saudação de bom dia de Sandra foi seca e sem desviar o olhar de suas tarefas. Adentrando em sua sala, estava lá, em sua cadeira, seu pai.- Bom dia, filho! - disse Dr. Carlos, num tom entre autoritário e conciliador, que Nicolas raramente sabia diferenciar.- Bom dia, Dr. Carlos, que bom que pôde vir me ver depois de eu ter pedido uma audiência - respondeu o filho, em tom de ironia, afinal, além do pedido de jantar que fez para a mãe, já tinha feito duas tentativas de encontr
Vez por outra se cruzavam de longe, horário de entrada no trabalho era próximo, na saída era mais difícil. Nicolas saia mais cedo que Jobson. Mas ainda não tinham sequer se cumprimentado novamente.A rotina dos dois foi ficando mais comum, natural, sem grandes novidades. Num desses dias que se seguiu, essa repetição de processos foi quebrada de uma forma trágica. Uma explosão elétrica no prédio culminou num incêndio de grandes proporções, no meio da tarde, no auge do período de trabalho, com alta lotação do contingente de funcionários. O desastre aconteceu no meio do edifício e os funcionários da parte mais baixa, incluindo Jobson, conseguiram ser evacuados rapidamente. Mas quem estava na parte alta do prédio, principalmente o alto escalão da empresa, incluindo Nicolas, ficaram presos.Jobson que estava muito próximo da região do local onde o fogo estava mais forte, ao entrar na escada de emergência, pensou se deveria descer. Ele tinha treinamento básico de brigada de incêndio
- Mãe, você pegou meu secador de cabelo de novo? - A pergunta era frequente naquela casa e a resposta, na maioria das vezes igual.- Dafne Cristina, eu pego seu secador quantas vezes eu quiser, a hora que eu quiser. Quem comprou fui eu, aliás a dívida do cartão de crédito tá lá ainda, se você quiser pode pagar pra exigir que eu não pegue. - Sua mãe sempre respondia nervosa, como se qualquer pergunta fosse uma acusação. - Mas mãe, será que você não pode pôr de volta no lugar depois de usar? Ou pelo menos deixar num mesmo lugar? Cada hora tá num canto e eu tenho que ficar procurando, atrasada. - Muitas vezes a filha parecia a mãe naquela casa.Era comum que, com a idade, algumas pessoas que tiveram muitas responsabilidades acumuladas durante toda a vida, decidam que seja o momento de tentarem, de certa forma, aproveitar o tempo perdido. Era o caso de Auxiliadora, mãe de três filhos, dois homens já casados de mais de 30 anos e de Dafne, com 18 anos recém completados. Desde os