A contratação de Jobson renovou as esperanças de sua mãe. Ela transformou seu sentimento de tristeza e vergonha em orgulho do filho. Era como se sua mente tentasse esquecer o que tinha vivido e entrar em uma nova realidade. Suas forças estavam renovadas. Ela fez marmita para ele, mesmo ele dizendo que não precisava, que ele próprio podia fazer, pra ela ficar tranquila. Ela fez questão. Comprou e preparou até um bife, afinal, era o primeiro dia. Acompanhou cada passo dele, ajudando-o e apoiando-o. Fazia muito tempo que ele não sentia isso por parte da mãe, tamanha atenção, carinho e dedicação. Aliás, ele nem se lembrava se algum dia ela já tinha sido assim com ele. Os dois saíram juntos para o trabalho, os horários coincidiam.
Jobson estava muito feliz. Ele seria uma espécie de "faz-tudo". Na verdade, nem o chefe dele, onde ele foi designado, sabia exatamente a função do rapaz. A vaga para a qual tinha se candidatado tinha sido ocupada por outra pessoa. Mandaram que ele apenas ocupasse alguma função ali. Ficou deslocado num primeiro momento. Pediram pra ele esperar numa sala e ele passou quase uma hora ali. Tinha recebido um crachá, apenas. Resolveu tentar ser útil, saiu da sala. A recepcionista, simpática, sorriu para ele e desviou o olhar. Um clima estranho ficou no ar, no silêncio. Olhou para a lixeira, cheia e perguntou se podia recolher o lixo. Ela ficou sem saber o que responder e ele quebrou o gelo, dizendo que era só ela indicar onde ele deveria levar, que iria.- Jobson, seu nome, não é? - Ela perguntou.- Isso mesmo! - Respondeu, ele.- Jobson, temos uma faxineira que faz isso, logo ela deve vir. Sendo muito sincera contigo, aparentemente você fez algo bom pra alguém, caiu nas graças do pessoal lá de cima e não deve ter muito o que fazer por aqui. Meu conselho é para você voltar para a sala onde estava e ficar por lá. Se o Dr. Ricardo aparecer, vai te orientar. Caso contrário, quando der seu horário, você registra seu ponto de saída e amanhã você retorna. Em algum momento vão falar contigo. - Ela tinha uma voz doce, suave. Provavelmente, se ela xingasse alguém, naquele tom de voz, a pessoa ainda conseguiria agradecer de volta.- Obrigado pelo conselho. - Jobson, então, retornou para a sala onde estava e sentou novamente, um pouco frustrado. Seria assim seu primeiro dia.Ficou ansioso e atento à porta na segunda hora ali, mas depois disso, seus pensamentos já estavam voando e já nem contava mais que alguém apareceria. Começou a ficar com fome e pensou que a recepcionista havia dito sobre ir embora, mas não sobre almoçar. Ficou sem graça de sair e perguntar novamente. Esperou, esperou e esperou. Resolveu abrir a bolsa e comer a marmita ali mesmo, estava gelada a comida, mas era melhor do que ele ficar com fome ou ter que sair dali. Sua mãe tinha feito com tanto carinho, afinal, esse sentimento fazia ele não se importar.Quando estava perto de terminar, um homem adentrou a porta.- Boa tarde! Opa! Você está almoçando aqui? Minha nossa, Dona Vanessa nem lhe mostrou o refeitório? - Disse, o homem, vendo a cena do almoço, logo que adentrou a sala.- Não, senhor, eu que fui perguntar se podia tirar o lixo, fazer algo e ela disse pra eu aguardar, se fosse preciso até a hora de ir embora. Fiquei com vergonha de sair e perguntar sobre comer, mas a fome falou mais alto. - Jobson respondeu de forma bastante humilde. - A culpa foi minha, me desculpe. - Concluiu, guardando tudo e começando a limpar a mesa.- Imagina! Eu que te devo desculpas. Era pra ter te recebido pela manhã, mas eu tinha uma reunião, só pude vir após o almoço. Não se preocupe que a Joelma daqui a pouco está aqui, ela limpa. Eu sou o Dr. Ricardo e você vai trabalhar diretamente para mim, vai ser responsável por pequenas tarefas do dia a dia que preciso resolver e que, por falta de tempo, acabo não conseguindo. Tudo bem pra você? - Jobson ainda estava incomodado com uma pequena marca de água que a marmita tinha deixado na mesa e não pôde limpar e nem tinha ouvido direito o que Dr. Ricardo havia dito.- Sim, sim, doutor, claro! Estou muito contente com a oportunidade. - Respondeu, ele.- Ótimo, eu já estou atrasado pro compromisso da tarde. Na minha sala tem uma pilha de relatórios, em cima da minha mesa, a única coisa que preciso que você faça hoje é que confira minuciosamente se eu assinei todos eles. É muito importante. Dona Vanessa vai te indicar minha sala. - Terminou, já saindo da sala. - Dona Vanessa, por favor... - Podia-se ouvir ele lá fora falando. - Indique minha sala para o Jobson. Vou seguir os compromissos da minha agenda. - Jobson percebeu que Vanessa era na verdade secretária do Dr. Ricardo.Ele saiu intempestivamente, da mesma forma que surgiu. Jobson terminou de limpar a mesa e saiu, seguindo para o outro andar do prédio onde ficava a sala que deveria ir, segundo a indicação de Vanessa.Após o acontecido, Nicolas ganhou a oportunidade de seu pai de começar a trabalhar na empresa. Seria apenas 4 horas por dia, mas Dr. Carlos achava que era hora do filho entender a respeito de responsabilidades. Apesar de que, horário flexível, função sem tantas cobranças, com tarefas acessórias e sem corte de mesada, pelo contrário, com salário registrado, não estava muito dentro do que se pode chamar de responsabilidade. Ainda assim, seria bom para o garoto começar a se ambientar com o ambiente organizacional. Em sua chegada na empresa, ele parecia um chefe. Todos já sabiam que ele viria. Desde sua descida do carro, porta aberta pelo motorista, até a chegada no anti-penúltimo andar do prédio, onde seria sua sala, todos o cumprimentaram e o trataram como uma espécie de ídolo, artista. Sentou em sua mesa, havia algumas dicas em lembretes ao lado do teclado do computador. Logando no sistema haviam sugestões de projetos dos quais ele poderia escolher para participar. Todos eram
O segundo dia de Jobson no emprego foi mais fácil. A chegada em casa na noite anterior também tinha sido boa e motivadora para um dia seguinte. Ele tinha pequenas tarefas, a maioria delas relacionadas a documentos, arquivamentos, organização de papéis. Por sorte, ele era muito bom nisso. Quando era um pouco mais novo, auxiliava a vizinha Adalgisa, já idosa, que era bibliotecária. Ele gostava de ler e a biblioteca pública era perto da casa onde morava. A vizinha era bibliotecária lá e, vez por outra, ajudava-a a carregar livros. Ela sempre dava alguma caixinha para ele. Com a amizade, ela acabou ensinando algumas coisas, como o padrão de organização, o tipo de ordens, o que significavam os números de tombo. Ele era muito esperto, aprendia muito fácil. Usou uma lógica muito parecida, agora, para organizar melhor os papéis do Dr. Ricardo. Organizou, também, os livros. Aliás, ele tinha muitos livros em sua sala, era praticamente um elemento decorativo. Já Nicolas, em seu segundo dia
Os dois lembraram da conversa amistosa que tiveram no almoço antes de dormirem. Ambos tiveram uma sensação estranha a respeito de uma amizade, de uma forma que nunca tinham sentido antes. Nada tinha mudado na rotina deles até a chegada ao trabalho. Jobson ainda teve sua manhã bem suave de uma forma que parecia começar a se tornar uma rotina.Nicolas por outro lado teve um início de dia bastante agitado.Chegando perto do escritório, os olhares para ele eram mais fuzilantes que no seu primeiro dia. A saudação de bom dia de Sandra foi seca e sem desviar o olhar de suas tarefas. Adentrando em sua sala, estava lá, em sua cadeira, seu pai.- Bom dia, filho! - disse Dr. Carlos, num tom entre autoritário e conciliador, que Nicolas raramente sabia diferenciar.- Bom dia, Dr. Carlos, que bom que pôde vir me ver depois de eu ter pedido uma audiência - respondeu o filho, em tom de ironia, afinal, além do pedido de jantar que fez para a mãe, já tinha feito duas tentativas de encontr
Vez por outra se cruzavam de longe, horário de entrada no trabalho era próximo, na saída era mais difícil. Nicolas saia mais cedo que Jobson. Mas ainda não tinham sequer se cumprimentado novamente.A rotina dos dois foi ficando mais comum, natural, sem grandes novidades. Num desses dias que se seguiu, essa repetição de processos foi quebrada de uma forma trágica. Uma explosão elétrica no prédio culminou num incêndio de grandes proporções, no meio da tarde, no auge do período de trabalho, com alta lotação do contingente de funcionários. O desastre aconteceu no meio do edifício e os funcionários da parte mais baixa, incluindo Jobson, conseguiram ser evacuados rapidamente. Mas quem estava na parte alta do prédio, principalmente o alto escalão da empresa, incluindo Nicolas, ficaram presos.Jobson que estava muito próximo da região do local onde o fogo estava mais forte, ao entrar na escada de emergência, pensou se deveria descer. Ele tinha treinamento básico de brigada de incêndio
- Mãe, você pegou meu secador de cabelo de novo? - A pergunta era frequente naquela casa e a resposta, na maioria das vezes igual.- Dafne Cristina, eu pego seu secador quantas vezes eu quiser, a hora que eu quiser. Quem comprou fui eu, aliás a dívida do cartão de crédito tá lá ainda, se você quiser pode pagar pra exigir que eu não pegue. - Sua mãe sempre respondia nervosa, como se qualquer pergunta fosse uma acusação. - Mas mãe, será que você não pode pôr de volta no lugar depois de usar? Ou pelo menos deixar num mesmo lugar? Cada hora tá num canto e eu tenho que ficar procurando, atrasada. - Muitas vezes a filha parecia a mãe naquela casa.Era comum que, com a idade, algumas pessoas que tiveram muitas responsabilidades acumuladas durante toda a vida, decidam que seja o momento de tentarem, de certa forma, aproveitar o tempo perdido. Era o caso de Auxiliadora, mãe de três filhos, dois homens já casados de mais de 30 anos e de Dafne, com 18 anos recém completados. Desde os
No dia seguinte, Jobson foi tentar trabalhar como se nada tivesse acontecido, mas somente as equipes de limpeza e segurança estavam lá. O celular dele não funcionava e sua mãe, de quem era o número de contato que ele tinha deixado, também não tinha recebido notícias do Dr. Ricardo sobre o que fazer. Quando a equipe o reconheceu assim que entrou no prédio, todos pararam o que estavam fazendo e começaram a aplaudi-lo. Ele ficou completamente sem graça e um dos seguranças foi cumprimentá-lo, levando-o para uma outra área. - Você não está acostumado com a fama, né? - perguntou ele, abrindo a porta de uma sala vazia, onde entraram. - Não, definitivamente não - respondeu Jobson. - Me chamo Glauber, sou o chefe dos seguranças. Achei que seria melhor trazê-lo para cá. Você trabalha nos escritórios, não trabalha? É jovem-aprendiz, estagiário, não é? - Jobson respondeu que sim com a cabeça à pergunta dele. Ficou com receio de explicar que sequer sabia ao certo sua função e
O tempo foi passando, Jobson conseguiu colocar algumas contas da casa em dia, fazer uns mimos para mãe e rapidamente voltou ao trabalho. Continuava trabalhando com o Dr. Ricardo, mas uma carga horária menor, já que ganhou dois cursos da empresa, um de técnico em segurança e outro para auxiliar de administração. Como ele ainda estava no último ano da escola, recebeu a promessa também de que ganharia um curso superior na área que ele escolhesse ligada à empresa. Saiu até no noticiário. Como parte do pacote, a empresa anunciou uma série de mudanças, como a da ampliação de sua brigada de incêndio e equipe de primeiros socorros, o que na verdade, praticamente era uma ampliação de zero para alguma coisa, e reformas na integração social dos funcionários. O marketing da empresa achou que essas medidas trariam uma repaginada para a imagem arranhada pelo incêndio. Como símbolo dessa renovação escolheram as figuras de Nicolas e de Jobson. Por conta disso, suas agendas acabaram se encontran
A notícia do casamento de Nicolas e Cristina foi muito comemorada por todas as pessoas que recebiam o comunicado deles. Os pais de ambos eram os mais efusivos. Ana, a mãe da moça, era a responsável por todo o braço brasileiro de uma empresa japonesa de automóveis. Ela também era sócia majoritária de uma empresa gestora de negócios, herança de sua família, mas de lá, só recebia os lucros, pois a administração era toda feita e bem feita, diga-se de passagem, pelos investidores acionistas. Estava decidida que o casamento deveria ser simples. Luxuoso mas sem chamar muito a atenção.Já, Viviane, mãe de Nicolas, acreditava que a festa deveria ser o maior evento social já realizado no Brasil. Ela queria toda honra e toda a glória, como disse em tom de brincadeira séria para o mordomo, enquanto conversava com o filho. - I