Memórias distantes

28 de setembro de 2019

Eu mal conseguia pensar em outra coisa enquanto caminhava pela escola. Ver Bella novamente trouxe de volta uma enxurrada de memórias que tentei manter enterradas por tanto tempo. Mas agora, tudo estava vívido de novo, como se tivesse acontecido ontem.

A briga. O momento em que tudo desmoronou. Era 28 de setembro de 2019, e eu ainda lembrava de cada detalhe. Mal conseguia respirar quando cheguei à casa dela naquela manhã. As malas já estavam no carro, a passagem de avião pronta, e tudo o que eu queria era vê-la antes de partir. Não tinha dormido na noite anterior, minha mente correndo com ideias de como a convencer a ir comigo.

A porta se abriu, e lá estava ela, Bella. Surpresa, confusa. Tão linda e, ao mesmo tempo, tão distante do que eu precisava naquele momento.

— Hyun, o que você está fazendo aqui tão cedo? – Ela perguntou, seus olhos grandes cheios de expectativa, completamente alheia à tempestade que estava prestes a se formar.

Não perdi tempo. As palavras saíram descontroladas, quase suplicantes.

— Bella, eu preciso que você venha comigo.

Lembro da confusão nos olhos dela, do jeito que tentou entender o que eu estava dizendo.

— O que você quer dizer com ‘ir com você’? Pra onde?

— Eu estou indo embora. Eu disse, e ainda agora consigo sentir a dor na minha voz daquele momento.

— Meu pai está me mandando para o exterior, e eu… eu quero que você venha comigo.

Os olhos dela, antes cheios de confusão, agora estavam preenchidos com algo mais sombrio.

— Você está indo embora?. Ela parecia incapaz de acreditar, como se o mundo tivesse mudado de repente.

— Por que você não me contou antes?

Balancei a cabeça, frustrado, tentando explicar.

— Eu só descobri ontem! Tentei ligar, tentei sair de casa, mas meu pai não deixou. Ele só me deixou vir hoje.

A dor no rosto de Bella era algo que eu nunca esqueceria.

— Hoje? Você está indo embora hoje, Hyun?

Meu peito se apertou só de lembrar.

— Estou, mas você pode vir comigo. Vamos dar um jeito.

Supliquei com todo o meu coração, sabendo que minha vida sem ela parecia incompleta. Mas então veio o momento que me assombra até hoje: ela balançando a cabeça, as lágrimas enchendo seus olhos.

— Eu não posso simplesmente ir embora, Hyun! Tenho minha família, minha vida aqui. Eu… eu não posso.

Lembro de como minhas mãos tremiam enquanto segurava seu braço, quase desesperado.

— Por favor, Bella, eu preciso de você. Confie em mim.

Mas ela se afastou, e o impacto disso foi como uma faca.

— Nós temos 14 e 13 anos! Não é uma decisão que podemos tomar. Eu não posso simplesmente abandonar minha vida.

Fiquei em silêncio por um momento, deixando a raiva e a frustração crescerem, engasgando as palavras de amor que eu queria dizer.

— Então você está escolhendo ficar aqui em vez de ficar comigo?

E então eu vi. A dor nos olhos dela, as lágrimas agora correndo livremente por seu rosto.

— Isso não é justo, Hyun.

Essas palavras ecoaram na minha cabeça todos os dias. Eu a amava tanto, mas, na época, minha juventude e o desespero me cegaram para enxergar além do meu próprio medo. Olhei para ela naquele momento e disse as palavras que me assombrariam por anos:

— Eu vou voltar por você, Bella. Eu vou.

Lembro-me de virar as costas antes que ela pudesse responder, ouvindo o som das malas sendo colocadas no carro enquanto eu tentava ignorar a dor no meu peito. O carro se afastou, e minha vida mudou naquele instante.

Cinco anos. Cinco longos anos desde aquele dia, e agora eu estava de volta. Mas será que ela ainda se lembrava da minha promessa?

Pisquei, afastando as memórias daquela manhã dolorosa de cinco anos atrás. A sensação de estar preso no passado desapareceu enquanto eu voltava à realidade, sentado em frente a Bella na cafeteria da escola. Ela estava ali, bem na minha frente, tão real e, ao mesmo tempo, tão distante. A sala estava cheia de vozes e risadas, mas tudo parecia um ruído de fundo diante da tensão entre nós.

Olhei para ela, meus olhos percorrendo cada detalhe do seu rosto. Ela ainda não tinha dito nada, apenas me observava, talvez com a mesma mistura de curiosidade e incerteza que eu sentia. A pergunta que me consumiu por anos finalmente escapou dos meus lábios.

— Como você conseguiu ficar sem mim? – Perguntei, minha voz um pouco mais suave do que eu pretendia. Bella levantou os olhos lentamente, surpresa com a pergunta, e por um momento, ela pareceu incerta sobre como responder. Ela suspirou.

— Eu sobrevivi. Fiquei bem. – A resposta soou casual, mas havia um toque de dor por baixo. Percebi que ela estava escolhendo as palavras com cuidado.

— Bem, é bom saber que pelo menos um de nós conseguiu sobreviver tão bem. – Comentei, tentando manter o tom leve, embora a tensão fosse evidente.

— Você namorou alguém?

A pergunta parecia pesada demais para o ambiente casual, mas eu não consegui evitar. Eu queria saber. Precisava saber.

Bella desviou o olhar por um momento, traçando levemente a borda de seu copo com o dedo. Ela suspirou antes de responder.

— Não, eu não namorei ninguém.

Assenti, sentindo um alívio misturado com confusão.

— E sua família? Como eles estão?

Finalmente, ela encontrou meu olhar novamente, um pouco mais confortável com essa pergunta.

— Eles estão bem. Meus pais estão sempre ocupados com o trabalho, como de costume. Passei muito tempo lendo e escrevendo. Foi isso que me manteve ocupada. – Ela suspirou novamente.

Sorri, lembrando de como Bella sempre amou se perder nos livros, desaparecendo por horas no mundo das palavras.

— Você sempre amou isso. Está escrevendo algo novo?

Ela deu de ombros, um sorriso tímido cruzando seus lábios antes de suspirar.

— Algumas coisas. Nada muito importante. É só a minha maneira de processar tudo o que acontece.

Percebi o quanto tinha perdido ao longo dos anos. Olhei para ela, querendo dizer mais, mas sem saber como colocar todos os meus sentimentos em palavras.

— E você? – Bella perguntou de repente, virando a conversa para mim.

— O que você fez durante esses cinco anos? Como foi morar tão longe? – Ela suspirou ao terminar a pergunta.

Recostei-me na cadeira, passando a mão pelo cabelo, tentando resumir o turbilhão de emoções. — Foi intenso. Estudei muito, aprendi várias línguas, fiz negócios. Mas o que realmente me manteve firme foi o oceano. – Sorri levemente — Passei horas surfando, fazendo stand-up paddle. Sempre amei o mar.

Ela me observava enquanto eu falava, seus olhos absorvendo cada palavra.

— Isso é a sua cara. Sempre conectado ao oceano – Disse, suspirando suavemente.

Ri baixinho, mas o sorriso logo desapareceu, sendo substituído por uma expressão mais séria.

— Mas nada disso realmente importava. Porque, mesmo com tudo isso, eu sempre estava pensando em você. Todos os dias me perguntava como você estava, o que estava fazendo. Se você ainda pensava em mim. – Suspirei profundamente, deixando a verdade sair.

Bella não respondeu imediatamente, seus olhos fixos no meu rosto, absorvendo cada palavra. Ela suspirou suavemente, como se as palavras fossem pesadas demais para serem ditas de uma vez só. Ela não sabia como me dizer que, apesar de todos os esforços para seguir em frente, eu nunca havia saído de sua mente.

A tensão entre nós aumentava, mas agora parecia diferente. Não era apenas o peso do passado, mas o que estava por vir. O que faríamos agora que estávamos frente a frente, com tanto ainda não resolvido?

Bella estava tentando manter a conversa leve, mas por dentro ainda estava processando o fato de que eu estava de volta. Tudo parecia um sonho, até que três garotas apareceram, sorrindo exageradamente e se inclinando perto de mim.

— Hyun! Uau, você está incrível! – Disse uma das garotas, com um sorriso malicioso enquanto seus olhos percorriam meu corpo. As outras duas riram em concordância, e uma delas, tocando a manga do meu casaco, acrescentou:

— Vai ter uma festa hoje à noite. Você deveria ir. Todo mundo vai estar lá.

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