1995
A empresa de segurança Barrier era a mais famosa do Rio de Janeiro no ano de 1995. Essa empresa fora fundada pelo grande visionário Geraldo di Meni, estrangeiro vindo criança para o Brasil. Herdeiro de uma fortuna, ele resolveu investir em sistemas de segurança para empresas e residências. Era um pioneiro, um dos homens que mais influenciou este tipo de mercado.
Quando ele faleceu, no início dos anos 90, seu filho recém-formado em administração, Patrick di Meni, assumiu o cargo de presidente da Barrier. Na época desse acontecimento, Patrick tinha apenas vinte e dois anos. Era alto, forte, um rapaz que sempre cuidou de seu corpo fazendo exercícios físicos. Aproveitava de seu condicionamento físico, vida saudável e de condição financeira para sempre esbanjar em festas quando podia.
O jovem Patrick estava sempre com a barba bem raspada, exigência de seu pai. Mas ele gostava, dizia que isso destacava mais seus olhos verdes e seus cabelos castanhos tão claros que eram quase loiros. E era esse o jovem que aproveitava para se divertir em todos os lugares em que estava.
Mas, desde o dia em que seu pai morreu, a responsabilidade da empresa ficou sobre seus ombros. Ele precisou descobrir como colocar em prática tudo aquilo que um dia aprendera na faculdade. Além disso, gerenciar uma empresa não era uma tarefa tão simples para um jovem como ele.
Ainda assim, em 1995 a empresa se tornava a maior do ramo. O jovem Patrick estava satisfeito com os números e com o avanço, que estava levando à construção de uma nova sede, maior e mais espaçosa. O prédio da nova Barrier seria um dos mais modernos no centro do Rio de Janeiro, ficando próximo à Praça XV, de frente para as famosas Barcas.
Na manhã da primeira segunda-feira de maio daquele ano, o jovem acordou, colocou seu terno e seguiu para a empresa. Tinha um motorista particular, que também era seu segurança. Jarbas, como Patrick o chamava, já o esperava na frente de seu apartamento, na zona sul da cidade maravilhosa.
Ao descer pelas escadas, deparou-se com aquele carro branco de que tanto se orgulhava em ter herdado. Era da empresa, mas, segundo sua filosofia, se era da empresa, era dele:
– Bom dia, Jarbas.
– Bom dia, senhor.
Ele sorriu. Ainda insistia para que Jarbas não o chamasse de senhor, mas o homem de aproximadamente 40 anos mantinha aquela tradição desde a época em que servira seu pai. Jarbas era alto, pele negra, musculoso. Cabelos bem curtos e sem barba. Usava sempre um terno especial, cortesia da empresa. Era um homem intimidador. Mas, para Patrick que o conhecia bem, era seu amigo pessoal.
Os dois entraram no carro. Jarbas perguntou:
– Tudo bem com o senhor?
Patrick sorriu:
– Estou bem, meu amigo. Não precisa me chamar de senhor. Estou um pouco apreensivo com a construção da nova sede. Inclusive, hoje, eu vou fazer uma entrevista com candidatas à minha nova secretária. Afinal, em menos de um mês estamos nos mudando para a nova sede e preciso de alguém que seja organizada para me ajudar com a papelada toda do escritório.
Jarbas, focado no trânsito, respondeu:
– Tenho certeza de que vai fazer a escolha correta, meu senhor.
Ele dirigiu pelo trânsito que se formava já de manhã no centro da grande cidade. Estacionou na vaga reservada para a empresa e ambos desceram do carro.
Como tradição, sempre que chegavam à antiga sede se dirigiam a uma pequena padaria ao lado e pediam um café e um pão com manteiga, tradicional.
Enquanto comiam, uma fila se formava na frente da empresa. Jarbas observava aquelas mulheres todas em busca de um emprego na Barrier. Olhou de maneira séria para seu patrão:
– Senhor, acho que terá muito trabalho hoje.
Patrick deixou escapulir um sorriso:
– Pois é, meu amigo. Ainda bem que tenho você para me ajudar. Certamente que, no meio dessas mulheres, estará minha nova secretária. E preciso da sua opinião de cada uma delas.
Por ser um homem mais experiente e ter acompanhado o crescimento da empresa, Jarbas sempre estava ao lado de Patrick, aconselhando e direcionando. Era como se fosse um segundo pai para ele, apesar de sempre se colocar na posição de empregado.
Após aquele café, ambos passaram pela fila, cumprimentando as jovens. Elas estavam eufóricas, com papéis nas mãos, esperando a hora da entrevista com Patrick, o herdeiro daquela empresa.
Umas diziam:
– Ele deve ser um velho, afinal, quem teria uma empresa dessas?
Outras já comentavam:
– Dizem que é um rapaz sem experiência, não sei se ele vai conseguir seguir com a administração disso tudo.
Enquanto isso, Patrick e Jarbas passavam, observando bem os rostos dessas mulheres. Já eram aquelas que seriam desclassificadas para tal cargo. Eles não queriam pessoas que não confiassem na empresa, e sim aquelas dispostas a fazer a empresa crescer.
Depois de entrarem, dentro da sala principal, Patrick colocou uma cadeira para Jarbas, uma para a entrevistada e estava na sua cadeira, com uma série de folhas que seriam preenchidas com aquelas que realmente fossem interessantes para o cargo.
– Jarbas, hora de trabalharmos.
O homem levantou, abriu a porta e chamou a primeira candidata. Patrick pegou o currículo, observando os cursos, formações e tudo mais. Fez uma série de perguntas. Então, a liberou, dizendo que caso ela fosse selecionada, entrariam em contato pelo telefone que ela fornecera.
A cena se repetiu por centenas de vezes. Mulheres entravam e saíam, sendo que praticamente todas não eram qualificadas para tal cargo ou então não tinham o perfil que ele tanto procurava para fazer parte de sua equipe, ainda mais com a criação da nova sede e do novo prédio.
Já irritado, depois de uma manhã que ele considerara inútil, Patrick disse a Jarbas antes de continuar:
– Não sei se foi uma boa ideia fazer este anúncio. Até agora não conseguimos nada. Todas elas e o que temos? Apenas mulheres que não servem para o cargo.
Jarbas, sábio, respondeu:
– Acalme-se, patrão. O senhor certamente encontrará alguém com o perfil para sua secretaria. Eu vi uma jovem, deve ser a próxima a entrar. Ela parece bem qualificada. Estava quieta na fila e parecia bem competente. Ouvi algo de que o lugar onde ela trabalhou anteriormente entrou com pedido de falência e ela fora dispensada por conta disso. Mas que não queriam que ela saísse.
Com um ar de esperança, ele disse:
– Então, peça que ela entre, Jarbas.
A jovem entrou. Se chamava Mariana. Loira, alta, magra, com cabelos compridos, chamou a atenção de Patrick pela sua beleza. Olhos azuis, lábios finos e um batom vermelho, leve. Trajava um vestido fino, azul, com uma sandália que mostrava seus pés bem cuidados.
– Bom dia, senhor Patrick.
Durante a entrevista, a jovem Mariana, no auge de seus vinte anos, demostrou enorme interesse em trabalhar na empresa. Ela tinha uma boa expressão, falava muito bem, formada em dois idiomas e ainda tinha a experiência de trabalhar em uma grande empresa. Era o que ele precisava para aquele lugar. Uma pessoa que trabalhasse assim, bem, e tivesse bastante conteúdo para ajudar na empresa.
Patrick, então, disse:
– Muito bem, Mariana. Está contratada. Bem-vinda à nossa equipe. Espero você amanhã pela manhã. Ainda esse mês estaremos nessa sede, enquanto o nosso prédio está sendo finalizado. Depois, mudaremos para lá.
Ela sorriu, mostrando os dentes brancos bem cuidados:
– Que bom, senhor Patrick. Terei tempo para me inteirar de todo o trabalho.
Quando ela deixou o lugar, Patrick, já mais satisfeito, disse ao seu amigo Jarbas:
– Por favor, dispense as outras candidatas. Diga que a vaga já foi preenchida.
– Sim, senhor.
O homem se levantou. Abriu a porta do escritório e viu aquela imensidão de mulheres reclamando. Ele bateu palmas forte e disse:
– Senhoras, a vaga está preenchida. Deixem seus currículos comigo e podem ir embora. Se tivermos interesse em mais alguma, entraremos em contato.
Após muita reclamação e desordem, aos poucos as mulheres deixaram aquele lugar. Jarbas observava cada uma, procurando possíveis candidatas caso precisassem de alguma função extra. Mas não se encaixavam no perfil da Barrier. Ele queria manter o padrão que seu patrão tivera anteriormente e que sabia que Patrick gostaria para fazer o lugar crescer. E elas não se encaixavam naquele padrão.
“Dispensáveis, todas essas são dispensáveis. Não, não vou deixar que estraguem a empresa de Patrick. Ele pode ser jovem, mas eu vou cuidar para que ande sempre em um caminho que faça nosso lugar crescer.”
Assim, uma a uma partia para sua casa, reclamando de ter ficado em fila e gastado dinheiro com transporte público para chegar naquele lugar. Jarbas, por sua vez, estava com uma pilha de papéis, que sabia que iriam para o lixo. Não via nenhuma utilidade naqueles currículos.
Ao entrar novamente no escritório, Patrick mexia em uns papéis, fazendo contas. Ele olhou para o seu segurança particular:
– Elas já foram?
– Sim, senhor. E estou com os currículos de todas. Posso jogar fora?
– Com certeza! Agora, vamos almoçar.
Ao saírem daquele escritório, os dois se depararam com uma jovem. Não estava bem vestida como as anteriores. Usava uma calça jeans surrada, tênis e uma blusa larga. Cabelos pretos, olhos castanhos. Ela estava na porta da empresa e iria bater. Ao se deparar com os dois, disse:
– Bom dia, desculpe atrapalhar os senhores, mas será que a empresa tem alguma vaga de emprego para mim? Em qualquer área.
Seu nome era Maria das Dores. Nascida no interior do Rio de Janeiro, em uma cidade pequena, era a sexta criança da família. Com cinco irmãos mais velhos, ela sempre ajudou a mãe nas tarefas domésticas, cozinhando e cuidando da casa. Moravam em um pequeno quintal, onde plantavam e criavam galinhas. Não era muito, mas dava para a família se sustentar. Tinham uma vida difícil, principalmente depois que o pai de Maria das Dores morreu. Os irmãos mais velhos trabalhavam fora, sustentando a casa, enquanto elas cuidavam das tarefas domésticas.Mas não era o que ela queria para sua vida. Queria mais. Gostava sim, daquele interior. Mas era longe de tudo. Para chegar na escola, ela, criança, andava por duas horas todos os dias. Estudou até o chamado na época de segundo grau porque uma professora ajudou e insistiu que ela permanecesse. Essa mesma professora sempre dizia para a jovem que ela
Patrick não gostava de ser abordado nas ruas. Menos ainda na saída de sua empresa. Ele pedira Jarbas para dispensar todas as mulheres porque sabia que, assim, estaria livre para ir almoçar. Por isso, ao se deparar com aquela jovem o abordando assim, tão diretamente, ele se assustou.Por um instante, pensou que poderia ser um assalto. Afinal, quem iria em busca de emprego com aquelas roupas. Ainda mais em uma empresa como a Barrier. Mas, assim que seus olhos fitaram a jovem, ele percebeu um ar de inocência, algo diferente. Talvez, só talvez, aquela fosse uma jovem que realmente precisasse de um emprego e estava desesperada procurando.Assim foi que aparentou para ele. Abordado por ela, com uma voz afobada de quem estaria correndo desde de manhã. E isso, de alguma forma, chamou a atenção daquele jovem empresário.Jarbas olhou para aquela mulher. Roupas que não condiziam com a entrevista, e
– Minha tia, eu consegui! Eu realmente consegui um emprego no primeiro dia nessa cidade!Maria das Dores entrou no apartamento, feliz por sua conquista. Sabia que, assim, poderia pelo menos dar à tia uma parte do valor recebido para cobrir os gastos naquele lugar. Ainda que estivesse tão contente, percebeu que a tia estava sentada no sofá, cabisbaixa. Marta se bastou em responder:– Que bom, minha filha, eu fico muito feliz. Espero que dê tudo certo. – Sua voz era fraca e estava embargada, como se estivesse chorando momentos antes daquele encontro.Percebendo que algo estava errado, Maria das Dores se aproximou da tia, sentando ao lado dela no sofá. A TV estava ligada, passando algum programa que ambas desconheciam. Na verdade, nem lembravam que estava ligada naquele instante.– O que aconteceu, tia Marta? – A pergunta de Maria das Dores trazia um medo em seu rosto da resposta que poderia vir
Maria das Dores saiu sorridente pelo caminho que Patrick indicara para ela. Que homem bom era aquele que conhecera. Não era apenas o dono da empresa, era alguém que demonstrava interesse por aqueles que trabalhavam com ele. Pelo menos era assim que ela o via depois desses breves encontros ao acaso. E tinha algo a mais. Um brilho naquele olhar, algo diferente, que fazia dele um homem especial.“Rico e bonito, será que é isso que minha tia Marta estava falando ontem?”Deu uma risadinha sozinha pelas ruas. Jamais imaginaria que um homem como aquele olhasse para ela. Ela era a empregada, a pessoa da limpeza. E só.Aquela manhã foi bem tranquila na vida da jovem Maria das Dores. Ela chegou à empresa médica, fez seu exame, pegou o resultado e voltou para a Barrier. Era o momento de começar.– Senhor Patrick, sei que fui contratada ontem, mas me permite um coment&aacut
O primeiro mês de trabalho de Maria das Dores foi na antiga sede da Barrier. Ali, ela conheceu toda a equipe e começou a desenvolver seu trabalho, que consistia em apenas deixar todos os lugares sempre bem limpos. Andaria por todos os lados com vassouras, esfregões e tudo mais que tivesse para garantir que a empresa inteira estivesse brilhando para receber os clientes que sempre iam àquele lugar.Assim como Mariana, a chefe da limpeza não gostou de Maria das Dores. Ela dizia para as outras funcionárias que também eram daquele setor:– Como alguém pode ser assim? Trabalhando limpando chão e dizendo que está feliz. Nem sei como que ela conseguiu o emprego, mas parece que é uma pobre coitada que tem uma mentalidade bem pequena.Elas riam. Certamente que a vida não seria fácil para a jovem naquele lugar. Os piores serviços eram destinados a ela em todos os momentos
Mariana estava feliz. Havia almoçado em um bom restaurante próximo. Tinha resolvido todas as pendências que o patrão lhe ordenara e, então, esperava apenas os elogios por parte dele para continuar seu dia perfeito. O que poderia dar errado? Logo com ela, uma secretária extremamente eficiente e que estava disposta a tudo para fazer a empresa crescer e ela própria se desenvolver na empresa.Então, sorridente, passou pela porta do escritório, seguindo para a sala pessoal de Patrick, onde ela considerava o seu refúgio, o lugar onde ela trabalhava sem a interferência de outras pessoas e sem ter contato com os empregados mais baixos.Ela escutou uma movimentação na sala. Não imaginava que Patrick estivesse ali. Foi devagar e, ao abrir a porta, se surpreendeu ao encontrar Maria dentro da sala com Patrick, ambos almoçando. Sem que tivesse tempo, Patrick disse diretamente:
Depois dos dois dias fora, Maria das Dores retornou ao trabalho e se surpreendeu ao ser promovida a chefe da equipe de limpeza. Trabalharia mais, teria maiores responsabilidades, mas, acima disso, teria não só um bônus maior em seu salário como também uma certa flexibilidade caso precisasse de horários livres.Ainda que houvesse uma certa resistência quanto àquela promoção, a verdade era que a jovem se destacava na empresa e isso poderia ser bom para ela. Procurava fazer sempre seu melhor no emprego, mantendo sempre a equipe nova unida e bem organizada em todos os setores.Então, numa bela manhã, ela foi chamada para uma reunião. Nela, estavam Patrick, a secretária Mariana e Jarbas além de Maria das Dores. O dono da empresa logo disse:– Maria, a partir da semana que vem precisaremos da sua equipe em pleno funcionamento. A nova sede está praticamen
Maria terminou de limpar os andares superiores. Desceu, chegando no andar privativo de Patrick. Limparia aquele andar inteiro e depois seguiria para o espaço onde a festa acontecera, seria o lugar onde teria mais trabalho.Ela colocou o esfregão e a vassoura apoiados na parede. Passou a mão na testa, secando o suor de um dia inteiro de trabalho que se estendia até a parte noturna. Sabia que seria cansativo, mas não esperava que tanto. Mas não achava justo manter outras da sua equipe naquele lugar.Enquanto limpava o corredor, surpreendentemente viu o elevador parando naquele andar. Quem estaria ali naquela hora? A porta se abriu e desceu Patrick, que tirava a gravata borboleta do pescoço, deixando a blusa branca meio aberta e o terno um pouco bagunçado.– Maria? O que está fazendo aqui a essa hora? – ele questionou, realmente preocupado em ver uma funcionária trabalhando tão