Seu nome era Maria das Dores. Nascida no interior do Rio de Janeiro, em uma cidade pequena, era a sexta criança da família. Com cinco irmãos mais velhos, ela sempre ajudou a mãe nas tarefas domésticas, cozinhando e cuidando da casa. Moravam em um pequeno quintal, onde plantavam e criavam galinhas. Não era muito, mas dava para a família se sustentar. Tinham uma vida difícil, principalmente depois que o pai de Maria das Dores morreu. Os irmãos mais velhos trabalhavam fora, sustentando a casa, enquanto elas cuidavam das tarefas domésticas.
Mas não era o que ela queria para sua vida. Queria mais. Gostava sim, daquele interior. Mas era longe de tudo. Para chegar na escola, ela, criança, andava por duas horas todos os dias. Estudou até o chamado na época de segundo grau porque uma professora ajudou e insistiu que ela permanecesse. Essa mesma professora sempre dizia para a jovem que ela era muito mais do que aquele lugar e que deveria buscar um futuro.
Quando sua mãe faleceu, sua vida começou a mudar. Um a um, seus irmãos foram indo embora e, naquele lugar, ficaram apenas Maria das Dores, com seus vinte anos completos, e o irmão mais velho, casado, com um filho prestes a completar dez anos.
Um dia, esse irmão chegou em casa e disse para a jovem:
– Minha irmã, sei que você sonha alto. Que tal ir para o Rio de Janeiro? Tentar uma faculdade, um trabalho, algo melhor do que este lugar. Tenho certeza de que você consegue ir além.
Maria das Dores concordou. Sem a mãe, não tinha nada que a prendesse naquele interior. Ele complementou:
– Temos uma tia, idosa, que mora no centro do Rio, sozinha. Você pode ficar na casa dela até conseguir seu emprego. E, se tudo der errado, você tem nossa casa, aqui no interior.
Maria das Dores concordou. Ela queria ter uma vida melhor do que simplesmente cuidar de galinhas. Além disso, sabia que poderia estar atrapalhando a vida de seu irmão e a esposa dele.
Então, naquele dia, ela começou a juntar suas roupas. Eram seus únicos pertences, as roupas que a mãe fizera. Colocou junto, também, uma pequena pulseira de prata que seu pai lhe dera antes de falecer e um livro que sua mãe lhe presenteara no dia de sua formatura. Lágrimas corriam no rosto da jovem, que abandonaria tudo em busca de uma vida melhor numa cidade que ela mesmo não conhecia. Sabia apenas, pelo que via na TV, que o Rio de Janeiro era grande e que as pessoas viviam com medo de assaltos. Mas, segundo sua tia idosa, havia um lado do Rio muito melhor, as belezas daquele lugar, as oportunidades de trabalho e de estudo e, ainda mais, a vantagem de ser uma cidade com muitas oportunidades.
Uma semana depois, ela estava entrando em um ônibus em direção à capital. Torcia para que tudo desse certo e que, assim, conseguisse uma nova e melhor vida.
Quando o ônibus parou no terminal do Novo Rio, principal porta de chegada na cidade, sua tia estava a esperando. Uma senhora obesa, com um vestido colorido, sandálias havaianas no pé e óculos escuros. Tinha a pele bem morena, quase negra. Cabelos enrolados iam até abaixo da altura do ombro e eram sempre bem arrumados e bem perfumados:
– Minha sobrinha querida, quanto tempo não a vejo!
Maria das Dores, sorridente, respondeu:
– Tia Marta, como a senhora está?
As duas se abraçaram. Logo, entraram em um táxi do ponto que ficava exatamente na rodoviária e seguiram para o pequeno apartamento da velha senhora.
Tia Marta era irmã da mãe de Maria das Dores. Uma senhora que se casou, quando nova, com um homem mais velho e herdou o apartamento dele, além de uma pensão que a sustentava. Não tinha uma vida de luxo, mas vivia bem na cidade maravilhosa.
Quando o irmão de Maria das Dores pediu que a jovem morasse com ela até conseguir se acertar, ela aceitou no mesmo instante. Não tinha filhos e cuidaria da sobrinha com muito carinho. Sentia que devia isso à falecida irmã, de quem infelizmente ficou afastada devido à distância em que viviam uma da outra.
Ela disse para a jovem, enquanto iam para o apartamento:
– Minha filha, o apartamento não é de luxo não. Tem um quarto que também serve de sala, uma cozinha e um banheiro. Mas, para nós duas só, está muito bom. Eu mandei colocar duas camas de solteiro, uma para mim e uma para você.
Maria das Dores, menina humilde, simples, inocente, sorriu, agradecida:
– Tia, obrigada. Quero mesmo ter uma vida nova nesta cidade. Quero estudar, ser alguém. Mas, primeiro, quero encontrar um bom emprego. Onde será que consigo?
A tia pensou por um instante e respondeu:
– Amanhã a gente pensa sobre isso, agora vamos para minha casa almoçar.
Na casa da tia Marta, as duas almoçaram. Uma típica comida carioca, segundo a própria tia, que comprou em um restaurante próximo do apartamento:
– Feijoada de primeira com couve, farofa, batata frita e um pedaço de carne. Você vai morar no Rio, precisa conhecer nossa comida.
Maria das Dores riu. Era realmente uma comida gostosa. Não era tão diferente daquela que ela comia no interior, preparada com a sua mãe, mas admitia que estava muito boa.
Na parte da tarde, as duas saíram. Caminharam pelo centro da cidade, passando pela famosa rua Uruguaiana, onde comércios se espalhavam por todos os lados e era possível comprar de tudo por um preço bom.
A tia Marta transpirava. O calor imenso do Rio de Janeiro castigava ambas. Ela disse:
– Vamos naquela pequena lanchonete. Ali vamos beber um caldo de cana gelado e comer um bom pastel.
Assim, aos poucos, Maria das Dores estava começando a conhecer a cidade maravilhosa, onde agora morava e pretendia buscar um lugar para trabalhar. Conseguindo, ela certamente ficaria ali por muito tempo.
Antes de partirem para casa, a tia Marta passou em uma banca de jornal. Disse ao jornaleiro:
– Eu quero um Balcão, por favor.
O jornaleiro pegou um jornal grosso. Ela pagou com algumas moedas, agradeceu, e ambas foram para o pequeno apartamento. A tia falou:
– Minha filha, vamos ver minha novela. Depois, a gente procura aqui no balcão por um emprego que seja bom para você. Quem sabe se encontramos algo que realmente seja digno. Afinal, minha sobrinha não pode trabalhar em qualquer coisa não.
Maria das Dores sorriu:
– Tia, não estou podendo escolher muito não. Eu quero um emprego que possa ganhar meu dinheiro honestamente e depois, quem sabe até pensar em uma faculdade.
A tia Marta, sempre espirituosa, respondeu calmamente para a sobrinha:
– Mas é mais do que isso. Em todos os casos, você tem minha casa para morar e meu dinheiro sustenta nós duas. Não quero você trabalhando com qualquer uma empresa aí não. No Rio, nós precisamos estar atentas. Não sabemos o que pode acontecer.
Concordando com a tia, elas sentaram na frente da TV de tubos. Era um modelo de 14 polegadas, colorida, que a tia conseguira em uma pechincha. E, assim, se divertiram com aqueles atores que interpretavam tão bem as histórias.
Tia Marta comentou:
– Você deveria ser artista da Globo, é tão bonita. Isso sim seria bom. Você ia gostar muito.
– Eu? Artista, tia? Não, não mesmo. Imagina só. Como seria isso? Nem sou bonita igual essas moças da televisão. Eu sou só uma pessoa do interior.
– Pare com isso, Maria das Dores. Você é bonita. Só precisa descobrir isso.
Quando a novela acabou, tia Marta pegou o jornal e começaram a folhear juntas. Ela, com uma caneta bic azul, marcava o endereço de algumas empresas que estavam contratando. Uma dessas chamou a atenção das duas:
– Veja, Maria das Dores, a Barrier precisa de uma secretária.
– E que empresa é essa?
– Não está sabendo não, menina? Então vou te contar. Ela é uma empresa de segurança que só trabalham homens maravilhosos. Cada um mais bonito que outro. Dizem que o chefe deles é um rapaz jovem e solteiro.
– Tia...
– Mas mais do que isso, é um lugar que irão pagar bem você. Só que você terá que ir sozinha, porque amanhã eu tenho uma consulta médica, e sabe como é a saúde de nosso país. Se a gente não vai, não consegue marcar mais dia nenhum.
Ela riu:
– Tudo bem, tia. Só a senhora me explicar como eu chego lá.
Na manhã seguinte, Maria das Dores olhou sua mala. Pegou a única roupa que tinha disponível para aquele momento: uma calça jeans já meio velha, uma blusa branca larga e colocou um tênis, presente de um dos seus irmãos. Sabia que não era a roupa adequada para encontrar emprego, mas era a que tinha no momento.
Cedo ela já estava nas ruas do Rio de Janeiro. Porém, diferente do que esperava se sentiu perdida. A tia Marta lhe explicara o caminho:
– Minha filha, você vai até perto daquela lanchonete do caldo de cana, depois vai para a direita, quando chegar na Sete de Setembro, você vai até o final, sobe na outra rua, passa pela Rio Branco e você vai ver a placa da Barrier naquele lugar.
Ela achou que tinha compreendido. Sempre fora boa em localização, mas, naquele momento, naquele lugar, descobriu que estava enganada. Ali estava Maria das Dores perdida no centro do Rio de Janeiro.
Depois de caminhar por algumas horas, descobriu que estava no mesmo lugar onde começara, no portão do prédio onde sua tia morava.
– Não é possível!
Então, ela recorreu a um policial que estava passando na rua naquele momento:
– Moço, desculpe atrapalhar o senhor, mas preciso chegar a uma empresa chamada Barrier. O senhor sabe onde fica? Como consigo chegar até lá?
O policial, gentilmente, apontou a direção:
– Siga nessa rua sem parar e você vai encontrar.
Ela assim o fez. Depois de mais meia hora andando, finalmente encontrou a empresa. Estranhou não ter ninguém para a entrevista e resolveu bater na porta. Quando estava preparada, saiu de dentro um jovem rapaz acompanhado de um homem. Ela perguntou:
– Bom dia, desculpe atrapalhar os senhores, mas será que a empresa tem alguma vaga de emprego para mim? Em qualquer área.
Patrick não gostava de ser abordado nas ruas. Menos ainda na saída de sua empresa. Ele pedira Jarbas para dispensar todas as mulheres porque sabia que, assim, estaria livre para ir almoçar. Por isso, ao se deparar com aquela jovem o abordando assim, tão diretamente, ele se assustou.Por um instante, pensou que poderia ser um assalto. Afinal, quem iria em busca de emprego com aquelas roupas. Ainda mais em uma empresa como a Barrier. Mas, assim que seus olhos fitaram a jovem, ele percebeu um ar de inocência, algo diferente. Talvez, só talvez, aquela fosse uma jovem que realmente precisasse de um emprego e estava desesperada procurando.Assim foi que aparentou para ele. Abordado por ela, com uma voz afobada de quem estaria correndo desde de manhã. E isso, de alguma forma, chamou a atenção daquele jovem empresário.Jarbas olhou para aquela mulher. Roupas que não condiziam com a entrevista, e
– Minha tia, eu consegui! Eu realmente consegui um emprego no primeiro dia nessa cidade!Maria das Dores entrou no apartamento, feliz por sua conquista. Sabia que, assim, poderia pelo menos dar à tia uma parte do valor recebido para cobrir os gastos naquele lugar. Ainda que estivesse tão contente, percebeu que a tia estava sentada no sofá, cabisbaixa. Marta se bastou em responder:– Que bom, minha filha, eu fico muito feliz. Espero que dê tudo certo. – Sua voz era fraca e estava embargada, como se estivesse chorando momentos antes daquele encontro.Percebendo que algo estava errado, Maria das Dores se aproximou da tia, sentando ao lado dela no sofá. A TV estava ligada, passando algum programa que ambas desconheciam. Na verdade, nem lembravam que estava ligada naquele instante.– O que aconteceu, tia Marta? – A pergunta de Maria das Dores trazia um medo em seu rosto da resposta que poderia vir
Maria das Dores saiu sorridente pelo caminho que Patrick indicara para ela. Que homem bom era aquele que conhecera. Não era apenas o dono da empresa, era alguém que demonstrava interesse por aqueles que trabalhavam com ele. Pelo menos era assim que ela o via depois desses breves encontros ao acaso. E tinha algo a mais. Um brilho naquele olhar, algo diferente, que fazia dele um homem especial.“Rico e bonito, será que é isso que minha tia Marta estava falando ontem?”Deu uma risadinha sozinha pelas ruas. Jamais imaginaria que um homem como aquele olhasse para ela. Ela era a empregada, a pessoa da limpeza. E só.Aquela manhã foi bem tranquila na vida da jovem Maria das Dores. Ela chegou à empresa médica, fez seu exame, pegou o resultado e voltou para a Barrier. Era o momento de começar.– Senhor Patrick, sei que fui contratada ontem, mas me permite um coment&aacut
O primeiro mês de trabalho de Maria das Dores foi na antiga sede da Barrier. Ali, ela conheceu toda a equipe e começou a desenvolver seu trabalho, que consistia em apenas deixar todos os lugares sempre bem limpos. Andaria por todos os lados com vassouras, esfregões e tudo mais que tivesse para garantir que a empresa inteira estivesse brilhando para receber os clientes que sempre iam àquele lugar.Assim como Mariana, a chefe da limpeza não gostou de Maria das Dores. Ela dizia para as outras funcionárias que também eram daquele setor:– Como alguém pode ser assim? Trabalhando limpando chão e dizendo que está feliz. Nem sei como que ela conseguiu o emprego, mas parece que é uma pobre coitada que tem uma mentalidade bem pequena.Elas riam. Certamente que a vida não seria fácil para a jovem naquele lugar. Os piores serviços eram destinados a ela em todos os momentos
Mariana estava feliz. Havia almoçado em um bom restaurante próximo. Tinha resolvido todas as pendências que o patrão lhe ordenara e, então, esperava apenas os elogios por parte dele para continuar seu dia perfeito. O que poderia dar errado? Logo com ela, uma secretária extremamente eficiente e que estava disposta a tudo para fazer a empresa crescer e ela própria se desenvolver na empresa.Então, sorridente, passou pela porta do escritório, seguindo para a sala pessoal de Patrick, onde ela considerava o seu refúgio, o lugar onde ela trabalhava sem a interferência de outras pessoas e sem ter contato com os empregados mais baixos.Ela escutou uma movimentação na sala. Não imaginava que Patrick estivesse ali. Foi devagar e, ao abrir a porta, se surpreendeu ao encontrar Maria dentro da sala com Patrick, ambos almoçando. Sem que tivesse tempo, Patrick disse diretamente:
Depois dos dois dias fora, Maria das Dores retornou ao trabalho e se surpreendeu ao ser promovida a chefe da equipe de limpeza. Trabalharia mais, teria maiores responsabilidades, mas, acima disso, teria não só um bônus maior em seu salário como também uma certa flexibilidade caso precisasse de horários livres.Ainda que houvesse uma certa resistência quanto àquela promoção, a verdade era que a jovem se destacava na empresa e isso poderia ser bom para ela. Procurava fazer sempre seu melhor no emprego, mantendo sempre a equipe nova unida e bem organizada em todos os setores.Então, numa bela manhã, ela foi chamada para uma reunião. Nela, estavam Patrick, a secretária Mariana e Jarbas além de Maria das Dores. O dono da empresa logo disse:– Maria, a partir da semana que vem precisaremos da sua equipe em pleno funcionamento. A nova sede está praticamen
Maria terminou de limpar os andares superiores. Desceu, chegando no andar privativo de Patrick. Limparia aquele andar inteiro e depois seguiria para o espaço onde a festa acontecera, seria o lugar onde teria mais trabalho.Ela colocou o esfregão e a vassoura apoiados na parede. Passou a mão na testa, secando o suor de um dia inteiro de trabalho que se estendia até a parte noturna. Sabia que seria cansativo, mas não esperava que tanto. Mas não achava justo manter outras da sua equipe naquele lugar.Enquanto limpava o corredor, surpreendentemente viu o elevador parando naquele andar. Quem estaria ali naquela hora? A porta se abriu e desceu Patrick, que tirava a gravata borboleta do pescoço, deixando a blusa branca meio aberta e o terno um pouco bagunçado.– Maria? O que está fazendo aqui a essa hora? – ele questionou, realmente preocupado em ver uma funcionária trabalhando tão
Depois de um dia de descanso, Maria acordou cedo para voltar ao serviço. Sentia-se ainda leve, como uma menina sonhadora que encontrara o príncipe encantado. Era mais um dia quente no Rio de Janeiro e ela caminhava tranquilamente pelas ruas para chegar no prédio novo. Ainda conseguia sentir o toque de Patrick em seu corpo e aquela sensação maravilhosa dos seus lábios. Só de imaginar que passara uma noite tão intensa com ele, ela se arrepiava toda. E esperava para ver como seria aquele dia na empresa depois daquele fato.O que ela não esperava era passar pela banca e ver a foto de Patrick ao lado de Mariana estampada nas principais capas de jornais. Em um dos tabloides, estava a seguinte legenda: “Empresário jovem e sua linda secretária: relacionamento além do profissional”.Aquela notícia soou como uma facada em seu coração. Patrick e a secretária