05. O fogo

POV: Elara

Já era chegada a hora. A hora da minha punição, fosse o que fosse.

Eu estava andando de um lado para o outro, absorta nos meus pensamentos, quando um som na porta me fez congelar. Endireitei a postura, preparando-me para mais um embate com o rei dragão, mas, para minha surpresa, não era ele.

Um homem alto e de ombros largos entrou no quarto, a expressão curiosa estampada no rosto. Ele possuía cabelos dourados e ligeiramente desgrenhados, contrastando com os olhos dourados que brilhavam com uma intensidade travessa. Sua presença não era opressora como a de Draven, mas havia algo nele… um ar de perigo velado sob a aparência descontraída.

— Você é a humana. — Ele encostou-se à porta, cruzando os braços e me observando com interesse. — Imaginei quando finalmente nos conheceríamos.

Eu franzi o cenho, irritada com a forma casual como ele se referiu a mim.

— E você é?

— Kael. — Ele inclinou a cabeça, avaliando-me como se eu fosse algum tipo de criatura exótica. — Guerreiro. Meio-humano, meio-dragão… mas tenho certeza de que já percebeu isso.

Meu olhar percorreu sua figura, notando a forma como a luz refletia em sua pele de maneira diferente, quase como se houvesse algo escamoso ali, escondido sob a superfície.

— E por que está aqui, Kael? Veio me escoltar para minha execução?

Ele soltou uma risada baixa, balançando a cabeça.

— Se fosse uma execução, ninguém teria o trabalho de trazê-la para um quarto tão bonito.

Cruzei os braços, tentando ignorar o modo como seus olhos analisavam cada detalhe meu. Ele era extremamente bonito, mas parecia perigoso… como Draven.

— Então o que vão fazer comigo?

O meio-dragão ergueu uma sobrancelha, dando alguns passos à frente.

— Você está nervosa.

Revirei os olhos.

— É claro que estou nervosa. Meu marido tentou me matar, fui sequestrada por um rei dragão e, agora, estou prestes a sofrer uma punição por algo que nem entendi direito. Como você esperava que eu me sentisse?

— Justo. Mas diria que não precisa se preocupar tanto.

— Ah, não? E por quê?

Ele parou a poucos passos de mim, e, de repente, a atmosfera pareceu mudar.

— Porque eu estarei lá.

Seu tom era leve, mas havia algo mais profundo ali. Meus olhos se prenderam aos dele, e por um momento, me senti estranhamente hipnotizada.

O jeito como ele me olhava… não era como um inimigo, nem como um simples curioso.

Engoli em seco, sentindo meu coração bater um pouco mais forte.

— E o que isso significa?

Kael inclinou a cabeça, seu olhar deslizando lentamente pelo meu rosto antes de pousar em meus lábios por um breve segundo.

— Significa que, aconteça o que acontecer… você não estará sozinha.

Eu não soube como responder.

Mas não tive tempo para descobrir, pois, naquele momento, a porta se abriu com força, e um guarda entrou, interrompendo a tensão entre nós.

— Chegou a hora.

Meu estômago revirou. Kael me lançou um último olhar antes de virar-se e seguir o guarda para fora. Respirei fundo e o segui, sentindo cada passo pesar como chumbo.

O salão principal do castelo estava lotado. Nobres e guerreiros se reuniam, murmurando entre si. No centro do salão, havia um círculo delimitado por pedras antigas, com símbolos gravados que brilhavam fracamente à luz do fogo.

E lá, no topo das escadas, estava Draven, imponente como sempre.

— Rainha de Solarisl — Sua voz ressoou pelo salão, e um silêncio tenso caiu sobre todos. — Sua punição será simples. Você enfrentará o julgamento do fogo.

Meus olhos se arregalaram.

— Julgamento do quê?!

— Se você for forte o suficiente, sobreviverá. Se não for…

Meu coração martelava.

— Isso é uma loucura!

— Essa é a lei dos dragões. — Lysara sorriu ao meu lado, seus olhos brilhando de satisfação. — Se deseja ser tratada como uma de nós, deve provar que pode suportar nosso julgamento.

Antes que eu pudesse protestar, dois guardas me agarraram e me empurraram para dentro do círculo.

O chão começou a brilhar.

O calor subiu abruptamente.

E então, chamas surgiram do nada, envolvendo o círculo em uma parede de fogo.

Eu gritei, instintivamente recuando, mas o fogo não me deu trégua. Ele se aproximava, como se tivesse vida própria, faminto por consumir minha pele. O calor era insuportável, e o ar ficou pesado demais para respirar.

— Pare com isso! — Kael rugiu, mas Draven levantou uma mão, impedindo qualquer interferência.

Minhas forças estavam se esgotando. Minhas pernas cederam, e caí de joelhos. As chamas pareciam se fechar ao meu redor, e por um momento, achei que seria o fim.

Mas então, um rugido atravessou o salão.

E, em um piscar de olhos, Draven estava lá.

O fogo se partiu diante dele, obedecendo a uma ordem silenciosa. Ele me pegou nos braços e me ergueu como se eu não pesasse nada, sua expressão era sombria, quase culpada.

— O julgamento terminou.

Ouvi alguém reclamando, provavelmente a Lady que eu havia estapeado, mas não consegui prestar muita atenção.

O mundo girou ao meu redor antes que a inconsciência me dominasse.

. . .

Acordei mais tarde, deitada em uma cama macia.

Minha pele ainda formigava, e minha respiração estava irregular. Mas eu estava viva. E não havia nenhuma queimadura ou cicatriz no meu corpo.

E Draven estava ali, encostado contra a parede, observando-me em silêncio.

A raiva me atingiu com força.

— Você quase me matou!

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Mas não matei.

— Isso não muda nada! — Gritei, sentando-me com esforço. — Você me jogou no fogo!

— Eu te testei.

— Isso é um teste para você?!

Levantei-me da cama, atravessando o quarto até ficar diante dele.

— Você não tem o direito de brincar com minha vida dessa maneira.

Ele se inclinou para frente, seu rosto próximo demais ao meu.

— Você já olhou ao redor, cara dama? Eu sou o rei aqui. Você está no meu reino. Tenho todo o direito.

Meu sangue ferveu.

— Você não é um deus, Draven. Não pode decidir quem vive e quem morre.

Ele segurou meu pulso quando tentei empurrá-lo.

— Se quer sobreviver neste mundo, aprenda a ser mais forte.

— E se eu não quiser fazer parte do seu mundo?!

Os olhos âmbar dele se estreitaram.

— Então deveria ter morrido.

As palavras dele me atingiram como um golpe.

Meu peito subiu e desceu com força, e, por um segundo, o silêncio entre nós foi pesado demais.

Então, sem pensar, ergui a mão e o empurrei.

Draven segurou meu pulso novamente, sua expressão ficando mais sombria.

— Cuidado, Vossa Majestade. Você não sabe com quem está brincando.

Meus olhos queimavam com fúria.

— Eu estou aqui contra a minha vontade. É você que não sabe com quem está brincando.

Nos encaramos por longos segundos, até que ele me soltou abruptamente e se afastou.

— Descanse. — Ele virou-se para sair. — E… me perdoe.

De todas as coisas que ele poderia ter dito, aquela definitivamente me pegou de surpresa.

Fiquei olhando enquanto ele desaparecia pela porta, minha raiva e confusão misturando-se em um turbilhão.

Olhei para meus pulsos, da qual ele havia agarrado com tanta força.

Inscrições douradas, símbolos arcanos que apareciam nos meus sonhos dracônicos, marcavam minha pele como se fossem tatuagens.

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