POV: Elara
Olhei para meu reflexo no espelho de corpo inteiro. Eu estava linda.
Meu vestido de noiva, branco com detalhes dourados, não era mais lindo apenas que o sorriso no meu rosto. O grande dia tinha chegado, afinal!
— Sua Alteza! — chamou minha serva, entrando no quarto. — A cerimônia finalmente vai começar! Está na hora.
. . .
De braços dados com meu pai, cercada pelos convidados reais e também muitos de meu povo, caminhei até meu noivo.
— Você está linda, meu amor. — Seus olhos azuis estavam radiantes. — Será uma honra ser seu marido e tomar conta deste reino.
Tímida, sussurrei de volta enquanto nos voltávamos para o cerimonialista.
— Estamos esperando desde crianças. Mal posso acreditar, Cedric!
Com lágrimas de felicidade ameaçando cair, ele tomou minha mão e respondeu:
— Sim, querida. Eu também mal consigo me conter de felicidade.
O casamento terminou ao pôr do Sol. Éramos oficialmente marido e mulher.
. . .
— Não! — gritei em pânico, me lançando de joelhos no piso da enfermaria.
Minha mãe, que parecia mais envelhecida do que nunca, também chorava desesperadamente.
Nossa médica mais capacitada, com lágrimas nos olhos, parecia não saber bem como nos confortar:
— Eu sinto muito... Alteza, Majestade... Ele estava muito doente. Parece que piorou de um dia para o outro... Fiz o que pude para salvá-lo…
Era o fim do reinado de meu pai. Ele não parecia tão doente assim… Se eu soubesse…
Quando me tranquei no quarto, ainda chorando muito, para vestir algo mais adequado para a cerimônia fúnebre, fui abraçada pelo meu marido.
— Eu sinto tanto, Elara. — Dando-me um beijo na testa antes de me abraçar, ele continuou: — Mal posso imaginar o que você está sentindo…
Soluçando, não consegui responder nada imediatamente. Então, com dificuldade, deixei que meus sentimentos finalmente dessem vazão:
— Como pode algo tão terrível acontecer menos de uma semana depois do nosso casamento?! Como pode meu pai morrer assim, sem explicações?
Cedric me abraçou com mais força.
— Não se preocupe, querida. Eu vou tomar conta deste reino com muito amor, assim como seu pai fez.
Não respondi. Minha garganta doía e meu corpo estava perdido em espasmos e soluços.
. . .
Meu pai não foi o único que me deixou.
Um mês após o enterro de meu pai, minha mãe, que não comia nem bebia e nem tocava mais sua harpa, seu instrumento favorito no mundo todo, se jogou do décimo quinto andar.
Não me deixaram ver o corpo. A cerimônia foi de caixão fechado.
Eu havia perdido meus pais, os dois pilares mais importantes da minha vida…
Quando chegou a hora da cremação, não pude olhar. Fechei os olhos com força enquanto me debulhava em lágrimas.
Carinhosamente, com delicadeza e muito tato, Cedric me abraçou, mandando às favas qualquer tipo de formalidade.
— Eu estou aqui, querida. Eu vou cuidar de você…
Funguei. Ele realmente cuidaria de mim…
Porque havia sido a única pessoa que sobrou pra fazer isso.
. . .
Três dias após a morte de minha mãe, Cedric deu a ordem aos guardas reais de constantemente me vigiarem, sempre guardando as portas e corredores principais, ou me escoltando até os jardins.
Aparentemente, ele estava muito preocupado com a minha segurança. Agora que estava cem por cento focado nas políticas reais, não conseguia ficar muito tempo comigo, mas deixava claro que estava de olho em mim.
Numa madrugada, exausta e suada após ter o mesmo pesadelo de sempre; o mesmo que me atormentava há algum tempo, resolvi me acalentar nos braços de meu marido. Ele não estava no quarto, no entanto.
Abri a porta e encontrei o guarda de prontidão.
— Algum problema, Majestade?
Respirei fundo ao ouvir meu novo título. Eu era a rainha agora. Nunca me acostumaria com aquilo…
— Quero ver Cedric.
— É claro. Eu pedirei para que uma serva o chame imediatamente.
— Não será necessário. Apenas leve-me até ele.
— Sim… claro, Vossa Majestade — hesitou ele.
Depois de caminharmos pelo corredor, paramos na frente da sala do conselho. O que será que Cedric estaria fazendo ali, justamente naquela hora morta?
— Vou bater na porta e anunciá-la — disse o guarda, mas eu o impedi.
— Ele é meu marido. Não preciso ser anunciada.
— Mas—
Antes que ele pudesse argumentar, empurrei a porta e entrei.
Cedric estava sozinho. De pé ao lado da grande mesa de mármore negro, segurava uma taça de vinho em uma das mãos e um pergaminho na outra. Seu olhar azul se ergueu para mim assim que atravessei a porta, mas ele não demonstrou surpresa. Apenas sorriu.
— Minha rainha. — Sua voz era doce, acolhedora, como sempre. — O que faz acordada a esta hora?
Fechei a porta atrás de mim, cruzando os braços.
— Tive um pesadelo… Poderia me dizer por que estou sendo vigiada constantemente? Por que não posso sair sem guardas atrás de mim?
Meu belo marido suspirou, pousando a taça sobre a mesa.
— Eu só quero protegê-la, meu amor. Você passou por tantas perdas em tão pouco tempo… não quero que nada aconteça com você. Sobre o que foi o pesadelo?
Meus olhos pousaram no pergaminho que ele segurava. Os mapas. As marcas vermelhas. Meu peito se apertou.
— O que é isso?
— Apenas… documentos de estado. — Ele sorriu novamente, fechando o pergaminho como se nada fosse. — Coisas que você não precisa se preocupar, querida. Mas diga, sobre o que foi o pesadelo?
Dei um passo à frente.
— Cedric. Você… Você está planejando alguma coisa.
Ele ficou em silêncio por um momento. Depois, soltou um pequeno riso e se aproximou, pegando minha mão com delicadeza.
— Você sempre foi perspicaz… — murmurou, beijando meus dedos. — Mas está vendo coisas onde não tem.
— Não minta para mim.
Ele ergueu o olhar.
— Tudo o que faço é pelo nosso reino, Elara. Não podemos mais nos dar ao luxo de viver com medo. Precisamos expandir nossas terras, garantir que nossa linhagem seja forte e respeitada.
— Expandir nossas terras… — sussurrei, sentindo o estômago revirar. — Você está planejando guerra.
— "Guerra" é uma palavra tão dura… — Ele inclinou a cabeça, passando os dedos pelo meu rosto. — Prefiro “conquistas”.
Recuei, sentindo um frio gelado tomar meu corpo.
— Meu pai nunca quis isso. Ele sempre manteve a paz!
O sorriso de Cedric diminuiu um pouco.
— Seu pai era um homem bom. E veja onde essa bondade o levou.
Um nó apertou minha garganta.
Lembrei de como meu pai parecia fraco nas semanas após eu completar a maioridade. Como lamentou estar indisposto com o meu casamento estando tão perto… e como havia piorado tanto depois que eu finalmente havia sido desposada…
— Você o matou.
Cedric piscou, parecendo verdadeiramente surpreso por um momento. Depois, riu.
— Não seja ridícula. Seu pai estava doente. Todos viram.
Eu queria acreditar. Mas algo dentro de mim gritava que não era coincidência.
— Não importa. — Minha voz falhou. — Eu não vou apoiar isso. Eu não serei a rainha de um tirano!
O sorriso sumiu do rosto de Cedric. Pela primeira vez, sua expressão se tornou fria.
— Cuidado com suas palavras.
— Você está me pedindo para compactuar com assassinatos! Invasões! Está falando de atacarmos reinos que jamais nos incomodaram. Nunca, ouviu bem? Nunca permitirei.
— Eu não estou pedindo. Estou ordenando.
A fúria explodiu dentro de mim.
— Eu sou a rainha! Este também é o meu reino, e eu não permitirei—
O som da bofetada ecoou pela sala antes que eu sequer percebesse o que havia acontecido.
Meu rosto virou com o impacto. A dor ardia, latejante.
Ofeguei, levando a mão à bochecha, encarando Cedric com puro choque.
Ele me olhava sem arrependimento. Apenas respiração pesada e olhos frios.
O ódio subiu pelo meu peito como fogo. Antes que pudesse pensar, minha mão se ergueu e estalou contra seu rosto com toda minha força.
Cedric cambaleou para trás, mas se recuperou rápido. Seu olhar se encheu de fúria.
— Sua desgraçada!
Ele avançou contra mim, e antes que pudesse reagir, seus dedos agarraram meu braço com brutalidade.
Empurrei-o com força, mas ele me segurou pelos ombros e me arrastou contra a mesa. Minhas costas bateram no mármore gelado, e uma dor aguda percorreu meu corpo.
— Você é minha esposa! Você me deve lealdade!
Gritei, tentando me soltar, e finalmente consegui empurrá-lo com toda a minha força. Cedric tropeçou para trás e, antes que pudesse se equilibrar, seu rosto bateu contra a borda da mesa.
Ele ficou imóvel por um segundo, então ergueu a cabeça. Um corte fino se abriu em sua sobrancelha, e uma linha de sangue escorreu por sua pele.
Ele me encarou com puro ódio.
— Guardas!
Meu coração congelou.
Os passos pesados ecoaram no corredor.
— Cedric… — Minha voz era apenas um sussurro.
Ele se levantou, ajeitando a postura. O olhar que me lançou foi frio, cruel.
— Elara, Rainha do reino de Solaris stá acusada de alta traição. Levem-na.
A porta se escancarou.
Mãos fortes me agarr
aram pelos braços. Eu lutei, gritei, mas era inútil.
Cedric apenas me observou, o sangue ainda escorrendo pelo rosto, enquanto eu era arrastada da sala.
Eu não era mais a rainha.
Eu era uma prisioneira.
POV: ElaraO silêncio era esmagador. A escuridão da cela que me envolvia só não era pior do que o cheiro de umidade e ferrugem que impregnava o ar. Minha pele estava coberta de poeira e suor, e meus pulsos latejavam com os hematomas causados pelas correntes que me prendiam. Mas nada doía mais do que a traição. Cedric. Eu o amava. Eu sempre o amei. Desde crianças, quando corríamos pelos campos, quando ele prometia que me protegeria para sempre. Quando ele dizia que eu era a única pessoa no mundo que ele queria ao seu lado…Meu corpo estava exausto, mas minha mente não me deixava descansar. Porque assim que meus olhos se fechavam, o pesadelo começava. O fogo. Os rugidos dos dragões. A sombra colossal pairando sobre mim. E a marca em minha testa, queimando como se fosse parte das chamas. . . .Acordei com um solavanco quando um jato de água gelada foi atirado contra meu rosto. Ofegante, tremendo, tentei abrir os olhos e enxergar através da névoa de confusão e frio. —
POV: Elara Acordei assustada, com a pele fria e embebida em suor. Olhei para os lados e vi que não estava numa cela escura e fétida, e não havia cordas ou grilhões me atando às paredes. Na verdade, eu estava num belo quarto. O lugar era quase tão lindo como meu antigo quarto no palácio. Eu estava deitada numa cama enorme, onde cinco pessoas poderiam dormir tranquilamente, com roupa de cama vermelha e fios de ouro nos travesseiros. Como se houvesse escutado meu arquejo assustado ao despertar, a porta se abriu e um homem surgiu. Não. Ele definitivamente não era um homem. Era muito alto, tinha pouco mais de dois metros facilmente. Sua pele era bem escura, como um céu noturno sem estrelas, e os olhos cor de laranja brilhavam como a mais quente das chamas. Ele era muito forte e musculoso, e as orelhas pontudas, parcialmente escondidas pelos cabelos trançados para trás, lembravam muito as de um elfo. “Princesa.” A sua voz era profunda e grave. Poderia facilmente se tornar intimidadora,
POV: ElaraO silêncio que se seguiu foi tão intenso que pude ouvir minha própria respiração acelerada. O salão parecia ter congelado no tempo, mas logo o som de passos ecoou pelas paredes de pedra. Os séquitos de Lysara, impassíveis, começaram a vir na minha direção.Minha pele arrepiou. Eu estava desarmada, em território inimigo, e algo me dizia que minha morte não seria nada rápida…Mas antes que qualquer um deles pudesse me tocar, a voz fria do Rei Dragão ressoou no ambiente: — Parem.Foi apenas uma palavra, mas carregada de um poder tão inegável que os guerreiros hesitaram no mesmo instante. Draven ainda não havia se movido de seu lugar, e nem precisava. Sua autoridade era total. Seus olhos âmbar estavam fixos em Lysara, estreitados em um olhar gélido. — Vossa Majestade não deve ser tocada. Houve um murmúrio de choque. Até mesmo Lysara piscou, atordoada, antes de soltar uma risada baixa e descrente. — Você só pode estar brincando. — Não brinco com coisas sérias. — O r
POV: Elara Já era chegada a hora. A hora da minha punição, fosse o que fosse.Eu estava andando de um lado para o outro, absorta nos meus pensamentos, quando um som na porta me fez congelar. Endireitei a postura, preparando-me para mais um embate com o rei dragão, mas, para minha surpresa, não era ele. Um homem alto e de ombros largos entrou no quarto, a expressão curiosa estampada no rosto. Ele possuía cabelos dourados e ligeiramente desgrenhados, contrastando com os olhos dourados que brilhavam com uma intensidade travessa. Sua presença não era opressora como a de Draven, mas havia algo nele… um ar de perigo velado sob a aparência descontraída. — Você é a humana. — Ele encostou-se à porta, cruzando os braços e me observando com interesse. — Imaginei quando finalmente nos conheceríamos.Eu franzi o cenho, irritada com a forma casual como ele se referiu a mim. — E você é? — Kael. — Ele inclinou a cabeça, avaliando-me como se eu fosse algum tipo de criatura exótica. — Guerrei
POV: Elara Eu já estava farta de tudo aquilo. Enfurecida, saí do quarto e fui correndo para Draven, que caminhava tranquilamente apesar de nossa discussão tensa segundos atrás: — O que são essas marcas? — perguntei, segurando meu próprio pulso com força. Draven ficou em silêncio por um longo momento. — Responda! Estou aqui como sua refém, apesar de você insistir que não é o caso, mas eu quase morri há pouco tempo atrás e agora ISSO apareceu! Como se algum feitiço houvesse sido recitado, as marcas começaram a desbotar e desvanecer. Minha pele agora estava lisa novamente. Arfei e encarei minhas duas mãos, apenas para confirmar que realmente tinham desaparecido. — Você não deveria tê-las ainda. Minhas sobrancelhas se uniram em uma expressão de pura frustração. — Isso não responde minha pergunta! — Dei um passo à frente. — Você disse aos outros dragões que eu fazia parte de uma profecia. E até agora não me explicou nada sobre isso. Exijo que me responda! Não havia diversão em
POV: ElaraEu podia sentir a tensão crescendo entre todos nós, como um incêndio prestes a consumir tudo. Lysara ofegava, os punhos cerrados ao lado do corpo. Seus olhos refletiam a chama que ardia dentro dela.— E o que te faz ter tanta certeza? — Minha voz soou mais fria do que eu pretendia. Lysara ergueu o queixo, a postura erguida como a de uma rainha. — Porque eu fui criada para isso. Desde criança, me ensinaram que meu destino era estar ao lado do Rei Dragão. Que a profecia falava de mim, da minha conexão com ele! — Seus olhos dispararam para Draven, que permaneceu em um silêncio impenetrável. — Você sabe disso, Draven! Você sempre soube! Ele não respondeu de imediato. Seus olhos âmbar estavam fixos nela, mas havia algo mais ali… um cansaço oculto, um peso nos ombros. Então a dragonesa que me queria morta também era uma… candidata a ser parte da profecia? Aquilo era demais pra minha cabeça…E obviamente, Draven havia deixado aquele “pequeno” detalhe de fora. Que surpres
POV: DravenO vento gélido cortava o céu escuro enquanto eu, na forma dracônica, e Kael, montado em minhas costas, avançávamos em direção à fronteira. Não trocamos palavras; o silêncio entre nós era carregado de tensão. Havia um peso em meu peito que eu tentava ignorar — uma combinação de raiva reprimida, um pressentimento desagradável e… algo mais. Algo que tinha olhos tão intensos quanto o fogo e que agora estava trancada em meu castelo.Quando nos aproximamos das torres de vigia da fronteira, avistamos o caos que se desenrolava ali. Soldados de Solaris estavam encurralados, cercados por meus guerreiros dracônicos. O cheiro de sangue humano pairava no ar, misturado ao fedor do medo.— Malditos invasores… — murmurei, cerrando os dentes.Kael manteve o silêncio. Ele sabia o que aquela visão me fazia lembrar: o cerco, a traição, o massacre que destruiu tudo o que eu amava.Assim que pousamos, nossos homens fizeram uma reverência rápida, mas eu não estava interessado em formalidades. M
POV: ElaraO coração batia com força enquanto eu caminhava apressada pelos corredores do castelo. Cada passo ecoava como trovões em meus ouvidos, impulsionado pelo pânico que crescia em meu peito. As palavras de Kael, o olhar sombrio de Draven antes de partir para a fronteira… algo estava errado. Muito errado. Cedric. Ele tinha invadido o território dos dragões. Eu nunca soube de qualquer inimizade que o rei usurpador nutrisse pelos dragões, mas era senso comum que éramos inimigos e não deveríamos confraternizar. O que será que ele queria? Será que sabia que eu estava aqui?Afinal de contas, eu fui vista sendo salva, pelo reino todo, por um dragão.Apressando o passo, ignorei os olhares curiosos dos guardas e servos. Eu precisava de respostas. Precisava de Draven. Ao virar o último corredor, ouvi vozes exaltadas vindas de uma enorme porta dupla à minha frente. O brasão dracônico estava esculpido na madeira maciça — a sala do conselho. Sem pensar, empurrei a porta e entrei.