Helena sentiu o afago em seu braço, gentil e delicado, encolheu-se como um cão amedrontado. Gregory retirou a mão do braço dela, recuou, como se levasse um choque na mão. Aquela reação o feria, intimamente. Ao menos, algo bom: os dias, retirada, a fizeram perder sua dependência. A abstinência das drogas havia encoberto ou mascarado a abstinência do álcool, a menos que algo tivesse suprido a sensação que aquelas substâncias traziam. — Como se sente, Helena? - Ela ouviu a voz do capitão, começava a chorar outra vez. O silêncio daquela guerreira era desesperador. Afligia a alma do militar. - Querida, você está ferida? - Ele mudava a abordagem, observava-a. A mulher ainda não reagia. Gregory cobriu os cabelos dela, formando um capuz e a trouxe para si, aninhando-a ao peito, como uma criança ferida. Helena soluçava, sob o afago gentil. — Isso, garota! Você consegue. Põe para fora todo esse veneno. Estou aqui. Você está segura, meu bem. - Ele a confortava, sentindo o efeito exatamente
Peter foi liberado depois de ser ouvido pelo General. Helena estava fora de serviço, mas sempre foi um pequeno terremoto para a unidade. Renard era o único que tinha conseguido liderar ela, depois do marido morto. Um ou outro superior se aventurava e era invariável: ou acabavam fora, ou submissos aquele pequeno furacão de um metro e setenta e bonitos olhos de diamantes. Suas equipes a amavam, era outra conversa. De condução firme e maternal, levava seus homens ao extremo, sem que percebessem. Cozinhava-os em operações, deserto a dentro, como a rãs. Ela pensava como uma bandida e agia como uma heroína. Isso a preservava ali. Renard voltou para a cobertura, não conseguia mais acesso ao prédio. Havia ordens estritas de não permitir sua entrada. Era informado que suas coisas estavam em sua casa, fora da base. Furioso, foi para o rancho. Encontrou sua mala revirada e as roupas rasgadas. Dentro, a casa não estava em melhor estado: uma porta de vidro quebrada. Ali, o vento e a terra seca f
Dario mandou uma mensagem para Maria, no telefone de Helena: "Estou na cidade. Poderíamos nos encontrar para o almoço?" Maria recebia. Ela acariciou Helena. — Sim. Onde? - Maria respondeu. — Posso buscar você? - Ele enviou para ela. — Hospital Militar, portaria C. - Ela indicou. — Estarei aí às onze. - Dario avisou. Maria voltou a ler, agora, as manchetes do dia, comentadas por Maria. Gregory chegou, em sua folga. Maria notava o processo. Ele chegava, a tocava o braço ou a perna depois de se apresentar, lhe cobria a cabeça, com o lençol, formando um capuz que ocultava seu rosto e seus cabelos, se sentava na cama e a trazia para o colo, doce e cuidadoso, beijando a cabeça dela. Abraçava a mulher, cuidadoso, só assim, ela relaxava. Bruce procedia da mesma forma, com algum toque pessoal. Ela sempre relaxava, mas Gregory era o único que ela agarrava pela cintura e retribuía com um afago, curto, das mãos já brutalizadas pela tortura que a vida impunha. — Com licença, Capitão. - Ma
Maria ouviu o relato de Dario, nada anormal, um caso qualquer de um perdido no deserto. — Carlos, era só isso mesmo? - Maria estreitou os olhos, uma predadora típica. "Aí está, senhorita migra. Essa é sua verdade." Ele considerou, com o sorriso provocante no rosto e o pensamento no fundo da mente. A jovem parecia uma serpente. - Nenhuma lesão, marca, ferimento? — Oh, pensando bem, sim. Tinha algo se metal no braço, não sei bem do que se tratava, um tubinho de metal, mais ou menos, deste tamanho. - Ele indicou, Maria identificava, na hora, munição de grosso calibre. Ela foi alvejada naquela situação. - Eu tirei, fiz como ensinam no curso de sobrevivência, quando a gente se fere por perfuração: limpei bem, tirei aquele estrepe esquisito, cauterizei com a faca quente e costurei. Ela estava bem equipada também, ajudou muito. Eu não tinha tanta coisa comigo, mas só usei o que era necessário, sabe. Não me diga que aquilo infeccionou? — Não, longe disso. Foi algo muito bem feito, pelo
Helena acomodada a Gregory, parecia mais atenta, mesmo abraçada aquele homem, cujo coração, manso, tinha um algo tão protetor que a fazia se sentir acolhida. A mente clareava, aos poucos. Peter não havia surgido naqueles dias. Ela não via o celular, que, em geral, permanecia desligado. Não enxergava, de qualquer forma. Outros procedimentos eram realizados, a visão clareava aos poucos. — Helena, alguém chamado "Amigo do Deserto" ligou. - Gregory disse. - Quer os fones? — Não. - Ela respondeu, lacônica. — Quer retornar? - Ele ofereceu, gentil. — Não. - Ela seguia, monossilábica. — Tudo bem. - Ele respondeu, sempre sereno. Era um oásis tranquilo em forma de pessoa. - Quer um pouco de barulho? Música, um filme, que eu leia algo? - Helena silenciou com a oferta, apertando o abraço que procurava refúgio naquele amigo. Ele a afagou as costas. - Desculpe. Estou pressionando. Não foi minha intenção deixá-la desconfortável, querida. Devo estar ansioso. Quero que melhore, magicamente,
A cobertura estava limpa. Sem escutas e nem câmeras escondidas. Dario era rápido. Procurava fundos falsos, compartimentos ocultos. Achou vários, na maioria, vazios. Aquela mulher pensava como ele. Em um, debaixo das gavetas do closet do quarto de hóspedes, encontrou um fundo falso, com uma caixa de jóias dentro. Na caixa, um sem número de cartões de memória, sem nenhuma identificação, do tipo microSD. Sem pensar demais, levou a caixa consigo. Ali devia ter muita informação, possivelmente, confidencial. Depois de revistar o lugar, passeou um pouco por ali. Queria saber que tipo de pessoa era Helena. Não havia traços pessoais, parecia um lugar decorado para uma revista ou uma mostra de arquitetura. Ela gostava de luz. As amplas janelas e a imensa varanda davam essa informação. A cozinha, grande, era servida de uma ilha e balcões, típicos de quem gosta de cozinhar. Com uma formiga, aquele lugar brilharia, vivo. Tudo estava fechado e desligado. Com exceção dos livros, não havia indícios
Helena ouvia ao ritual de Gregory. O cumprimento gentil, o aviso de que lhe tocaria o braço. Havia algo, naquela rotina, que era especialmente confortável e caloroso. — Ok, Helena, vamos nos sentar. - Ele disse, apoiando ambos os braços dela. - Certo. Sente tontura? — Não, Greg. Estou bem. - Ela respondeu, ainda baixinho. Aquele homem havia lhe sido o rochedo em meio à tempestade. Mesmo com tantas dores que o flagelavam, por um divórcio sem qualquer explicação, cujo amor e a paixão se tornaram apenas uma amizade qualquer, de tardes de domingo na varanda. Helena se sentia culpada, sem entender o motivo. Atribuía-se aquela culpa cruel e egoísta de desejar aquele conforto para si. — Certo. Vamos ver se foi tudo bem. Feche os olhos, vou tirar a venda e os protetores, querida. - Ele informou. Tinha o toque suave, mas levemente trêmulo, incomum para um médico da envergadura dele. Gentilmente, as camadas da faixa de gaze cediam. Ela tinha os olhos fechados. Gregory retirou os protet
Gregory via Helena, firme, diante da janela, vestida em um jeans e camisa branca, de botas de montaria, bem alinhada e orgulhosa, com a trança em seus cabelos longos de cor de chocolate, brilhosos. Ele conectou seu fone ao que ela ouvia. Música instrumental, lembrava aos clássicos, mas era mais passional. De mansinho, o médico se aproximou. Helena voltou o rosto em direção a ele, percebia-o pelo reflexo da janela. Levantava o olhar cinzento para ele, um poço de gelo, profundo, de mágoas congeladas em uma alma quebrada, séria. — Gosto do que ouve. - Ele disse. — Algo que me ajuda a focar. - Helena respondeu, secamente. — Não deveria estar deitada, em repouso? - Ele perguntou. — Não faz diferença mais. - Ela se fechava, frívola. - Preciso sair. Quero voltar para minha casa, para meu trabalho. Fiquei muito tempo parada e isso está me sufocando. — Bruce precisa autorizar, Helena. - Gregory informou, a música era envolvente, mas havia algo doloroso e visceral naquelas notas