Helena ouvia ao ritual de Gregory. O cumprimento gentil, o aviso de que lhe tocaria o braço. Havia algo, naquela rotina, que era especialmente confortável e caloroso. — Ok, Helena, vamos nos sentar. - Ele disse, apoiando ambos os braços dela. - Certo. Sente tontura? — Não, Greg. Estou bem. - Ela respondeu, ainda baixinho. Aquele homem havia lhe sido o rochedo em meio à tempestade. Mesmo com tantas dores que o flagelavam, por um divórcio sem qualquer explicação, cujo amor e a paixão se tornaram apenas uma amizade qualquer, de tardes de domingo na varanda. Helena se sentia culpada, sem entender o motivo. Atribuía-se aquela culpa cruel e egoísta de desejar aquele conforto para si. — Certo. Vamos ver se foi tudo bem. Feche os olhos, vou tirar a venda e os protetores, querida. - Ele informou. Tinha o toque suave, mas levemente trêmulo, incomum para um médico da envergadura dele. Gentilmente, as camadas da faixa de gaze cediam. Ela tinha os olhos fechados. Gregory retirou os protet
Gregory via Helena, firme, diante da janela, vestida em um jeans e camisa branca, de botas de montaria, bem alinhada e orgulhosa, com a trança em seus cabelos longos de cor de chocolate, brilhosos. Ele conectou seu fone ao que ela ouvia. Música instrumental, lembrava aos clássicos, mas era mais passional. De mansinho, o médico se aproximou. Helena voltou o rosto em direção a ele, percebia-o pelo reflexo da janela. Levantava o olhar cinzento para ele, um poço de gelo, profundo, de mágoas congeladas em uma alma quebrada, séria. — Gosto do que ouve. - Ele disse. — Algo que me ajuda a focar. - Helena respondeu, secamente. — Não deveria estar deitada, em repouso? - Ele perguntou. — Não faz diferença mais. - Ela se fechava, frívola. - Preciso sair. Quero voltar para minha casa, para meu trabalho. Fiquei muito tempo parada e isso está me sufocando. — Bruce precisa autorizar, Helena. - Gregory informou, a música era envolvente, mas havia algo doloroso e visceral naquelas notas
Dario, disfarçado, chegou ao prédio de Helena. Passou pela portaria e, para manter seu drama, tocou o interfone. Gregory via o trabalhador, em um macacão. No logotipo bordado dizia "Martinez Construções. Carlos. Manutenção." Ele abriu a porta. Dario via o homem, de seu porte, um pouco mais velho, de olhos verdes ameaçadores, o encarar. O latino fingia seu sotaque. — Carlos. Da manutenção. - Ele disse, com o inglês carregado do espanhol. — Entre e espere. - Gregory ordenou. - Querida, você pediu manutenção da casa? - Dario ouviu, enciumado, o tratamento carinhoso dispensado por aquele cara que voltou algum tempo depois. - Não houve solicitação, mas já que está aqui, vamos lá. Qual a ordem de serviço? - Dario se via encurralado. — Encanamentos, eletricidade e gás. - O mexicano dizia, superficialmente. — Certo. Poderia, por favor, colocar a casa operacional? - Gregory disse, sem suspeitar do homem. Dario fazia o necessário para a casa se tornar, novamente, um lugar vivo. Gregory
— Tem um quarto livre e não me parece ruim ter um médico à mão. - Ela respondeu, mais gentil com ambos. - Mas as contas são suas e nada de namoradinhas aqui. Se quiser transar com alguém, vá para a casa da pessoa ou para um hotel. O resto, é etiqueta padrão de toda fraternidade. - Ela brincou. — Tem iniciação aqui? - Ele gracejou. — Tem! Você tem que comer a pior pasta do Texas! - Ela disse, já rindo e se encolhendo ligeiramente com as fisgadas. - Eu não posso rir, seu bobo. — Deixa eu ver o buchinho? - Ele disse, como a uma menina travessa. Examinou ela outra vez, parecia tudo bem. - Escuta. Você ainda tem a cinta obstétrica? Melhor, ainda entra nela, gordinho? - Greg fez cócegas na barriga dela. A pele era sedosa, ele imaginava o sabor daquilo, refreava-se. "Devagar com ambos, Greg. Ela ainda está iludida e você compensando. Melhor se aceitar primeiro." Ele ponderava. "Que tipo de canalha é você, Gregory Matthew Stuart? Você se divorciou há poucos dias?" Ele se repreendia. — N
Helena se levantou, passando por Gregory. Tinha um cheiro suave, parecia frutal. — Aceito, Greg. - Ela se deteve, brevemente, passando por ele. - Seu quarto está pronto. É o do outro lado do corredor, ok? - Ela indicou. Caminhava, serpenteante, sem se dar conta de como aquilo o colocava aflito. Gregory sentia que seu coração explodiria. As pernas lindas, descalça, cabelos soltos, pele molhada. Helena era um tipo raro de mulher. De beleza natural e livre, que só precisava existir. Ela deixou o copo na pia. - Qual o dresscode, coração? - Ela perguntou, se virando para ele. Via, de relance, algo que a incomodava, na expressão do médico: desejo. Um rápido lampejo a colocava em estado de alerta, com sua máscara de perfeição. — Bom, não perguntei sobre isso. - Ele percebia que Helena tinha refinamento, não se tratava de alguém fácil de impressionar. Aos poucos, ele começava a ficar ansioso, aquela mulher não demandava apenas cuidados, demandava fino trato, além de outras tantas caracterís
— Helena, o sinal está vermelho! - Gregory parecia tremer. Por mais que fosse um militar, era de apoio, não tático. — Confia. - Ele determinou. Ele a obedeceu. Uma viatura se apresentou, mandando-os parar. A SUV parou no sinal, por tempo suficiente para ela ler a placa. — Documentos, senhor. - O policial pediu assim que ele desligou o carro e abriu o vidro. — Oi, Mc'Griffin. - Helena o cumprimentou, estonteante. Surpreendia a ambos os homens. — Brown? Eu nem a reconheci, garota! - O policial a cumprimentou, cordial, recebendo os documentos de Gregory. - Seu pai. - Mc'Griffin zombava Gregory. Todos ao redor daquela moça costumavam ser bem humorados. — Am... - Gregory começou a falar. — Namorado. - Ela sorriu. — Assim, disfarçada de mulherzinha, você quase engana, sabia? - O homem inspecionou o documento, superficialmente, devolvendo a Gregory, corado como um pimentão. - Vou deixar esse sinal vazado passar desta vez. - Ele percebia o selo de médico no parabrisa. - Doutor Stu
— Depois que fiquei viúva, não pensei nisso. - Helena saboreava a sobremesa. Gregory a ouvia, desejando ser aquela colher. - Depois de muito refletir, acabei percebendo que as separações são como, não sei bem como dizer, saltos em uma espécie de universo paralelo onde, de repente, a gente passa a viver numa linha paralela de existência. Algo do tipo como se nunca tivéssemos vivido o que vivemos e aquilo não passasse de um pesadelo aterrorizante que faz a gente sufocar de madrugada. - Gregory a ouvia, atento. Aquilo era algo que ele ficava feliz de ouvir com tanta gentileza. - Dei a isso o nome de "after" na minha cabeça, como o que acontece depois das festas de fraternidade onde a gente enlouquece e no dia seguinte não lembra nem onde deixou a dignidade. - Ela cobriu a boca, rindo, gostosamente. - Se você nunca tivesse se casado, como teria sido sua vida? Quem seria o Doutor Greg Stuart? Como esse homem viveria? Já pensou que bom seria, de repente, você poder fazer um desaforo para o
— Você se importa com essa opinião? - Gregory disse, já dobravam a esquina para o prédio. — Não, essencialmente. Não são mentiras. - Ela respondeu, suave. - É bom para pensar naquilo que posso ajustar, mascarar ou descartar. Se ursos selvagens podem fazer gracinhas em circos, tudo se torna comportamento aprendido. - Ela baixou o vidro, sinalizou, liberando o portão. - Amanhã, vou deixar autorizado seus tags e programar suas senhas e o cartão. Vai estar tudo pronto, no balcão, quando acordar. - Ela acenou para a guarita, fechando o vidro. - Ao lado do meu carro. — Aquela caminhonete, certo? - Ele perguntou. - A preta? — Sim. As vagas dos lados são nossas também. - Ela respondeu, amigável. Pare do seu lado. O carro é da mesma cor do seu. O do lado do passageiro é branco. É uma tragédia tirar as manchas. - Gregory a obedeceu. Assim que ele parou, ela abriu a porta e desceu, olhando sobre o ombro, marota. - Gosta tanto assim do seu carro? - Ela desafiou. — Não, espera. - Ele se apre