Gregory via Helena, firme, diante da janela, vestida em um jeans e camisa branca, de botas de montaria, bem alinhada e orgulhosa, com a trança em seus cabelos longos de cor de chocolate, brilhosos. Ele conectou seu fone ao que ela ouvia. Música instrumental, lembrava aos clássicos, mas era mais passional. De mansinho, o médico se aproximou. Helena voltou o rosto em direção a ele, percebia-o pelo reflexo da janela. Levantava o olhar cinzento para ele, um poço de gelo, profundo, de mágoas congeladas em uma alma quebrada, séria. — Gosto do que ouve. - Ele disse. — Algo que me ajuda a focar. - Helena respondeu, secamente. — Não deveria estar deitada, em repouso? - Ele perguntou. — Não faz diferença mais. - Ela se fechava, frívola. - Preciso sair. Quero voltar para minha casa, para meu trabalho. Fiquei muito tempo parada e isso está me sufocando. — Bruce precisa autorizar, Helena. - Gregory informou, a música era envolvente, mas havia algo doloroso e visceral naquelas notas
Dario, disfarçado, chegou ao prédio de Helena. Passou pela portaria e, para manter seu drama, tocou o interfone. Gregory via o trabalhador, em um macacão. No logotipo bordado dizia "Martinez Construções. Carlos. Manutenção." Ele abriu a porta. Dario via o homem, de seu porte, um pouco mais velho, de olhos verdes ameaçadores, o encarar. O latino fingia seu sotaque. — Carlos. Da manutenção. - Ele disse, com o inglês carregado do espanhol. — Entre e espere. - Gregory ordenou. - Querida, você pediu manutenção da casa? - Dario ouviu, enciumado, o tratamento carinhoso dispensado por aquele cara que voltou algum tempo depois. - Não houve solicitação, mas já que está aqui, vamos lá. Qual a ordem de serviço? - Dario se via encurralado. — Encanamentos, eletricidade e gás. - O mexicano dizia, superficialmente. — Certo. Poderia, por favor, colocar a casa operacional? - Gregory disse, sem suspeitar do homem. Dario fazia o necessário para a casa se tornar, novamente, um lugar vivo. Gregory
— Tem um quarto livre e não me parece ruim ter um médico à mão. - Ela respondeu, mais gentil com ambos. - Mas as contas são suas e nada de namoradinhas aqui. Se quiser transar com alguém, vá para a casa da pessoa ou para um hotel. O resto, é etiqueta padrão de toda fraternidade. - Ela brincou. — Tem iniciação aqui? - Ele gracejou. — Tem! Você tem que comer a pior pasta do Texas! - Ela disse, já rindo e se encolhendo ligeiramente com as fisgadas. - Eu não posso rir, seu bobo. — Deixa eu ver o buchinho? - Ele disse, como a uma menina travessa. Examinou ela outra vez, parecia tudo bem. - Escuta. Você ainda tem a cinta obstétrica? Melhor, ainda entra nela, gordinho? - Greg fez cócegas na barriga dela. A pele era sedosa, ele imaginava o sabor daquilo, refreava-se. "Devagar com ambos, Greg. Ela ainda está iludida e você compensando. Melhor se aceitar primeiro." Ele ponderava. "Que tipo de canalha é você, Gregory Matthew Stuart? Você se divorciou há poucos dias?" Ele se repreendia. — N
Helena se levantou, passando por Gregory. Tinha um cheiro suave, parecia frutal. — Aceito, Greg. - Ela se deteve, brevemente, passando por ele. - Seu quarto está pronto. É o do outro lado do corredor, ok? - Ela indicou. Caminhava, serpenteante, sem se dar conta de como aquilo o colocava aflito. Gregory sentia que seu coração explodiria. As pernas lindas, descalça, cabelos soltos, pele molhada. Helena era um tipo raro de mulher. De beleza natural e livre, que só precisava existir. Ela deixou o copo na pia. - Qual o dresscode, coração? - Ela perguntou, se virando para ele. Via, de relance, algo que a incomodava, na expressão do médico: desejo. Um rápido lampejo a colocava em estado de alerta, com sua máscara de perfeição. — Bom, não perguntei sobre isso. - Ele percebia que Helena tinha refinamento, não se tratava de alguém fácil de impressionar. Aos poucos, ele começava a ficar ansioso, aquela mulher não demandava apenas cuidados, demandava fino trato, além de outras tantas caracterís
— Helena, o sinal está vermelho! - Gregory parecia tremer. Por mais que fosse um militar, era de apoio, não tático. — Confia. - Ele determinou. Ele a obedeceu. Uma viatura se apresentou, mandando-os parar. A SUV parou no sinal, por tempo suficiente para ela ler a placa. — Documentos, senhor. - O policial pediu assim que ele desligou o carro e abriu o vidro. — Oi, Mc'Griffin. - Helena o cumprimentou, estonteante. Surpreendia a ambos os homens. — Brown? Eu nem a reconheci, garota! - O policial a cumprimentou, cordial, recebendo os documentos de Gregory. - Seu pai. - Mc'Griffin zombava Gregory. Todos ao redor daquela moça costumavam ser bem humorados. — Am... - Gregory começou a falar. — Namorado. - Ela sorriu. — Assim, disfarçada de mulherzinha, você quase engana, sabia? - O homem inspecionou o documento, superficialmente, devolvendo a Gregory, corado como um pimentão. - Vou deixar esse sinal vazado passar desta vez. - Ele percebia o selo de médico no parabrisa. - Doutor Stu
— Depois que fiquei viúva, não pensei nisso. - Helena saboreava a sobremesa. Gregory a ouvia, desejando ser aquela colher. - Depois de muito refletir, acabei percebendo que as separações são como, não sei bem como dizer, saltos em uma espécie de universo paralelo onde, de repente, a gente passa a viver numa linha paralela de existência. Algo do tipo como se nunca tivéssemos vivido o que vivemos e aquilo não passasse de um pesadelo aterrorizante que faz a gente sufocar de madrugada. - Gregory a ouvia, atento. Aquilo era algo que ele ficava feliz de ouvir com tanta gentileza. - Dei a isso o nome de "after" na minha cabeça, como o que acontece depois das festas de fraternidade onde a gente enlouquece e no dia seguinte não lembra nem onde deixou a dignidade. - Ela cobriu a boca, rindo, gostosamente. - Se você nunca tivesse se casado, como teria sido sua vida? Quem seria o Doutor Greg Stuart? Como esse homem viveria? Já pensou que bom seria, de repente, você poder fazer um desaforo para o
— Você se importa com essa opinião? - Gregory disse, já dobravam a esquina para o prédio. — Não, essencialmente. Não são mentiras. - Ela respondeu, suave. - É bom para pensar naquilo que posso ajustar, mascarar ou descartar. Se ursos selvagens podem fazer gracinhas em circos, tudo se torna comportamento aprendido. - Ela baixou o vidro, sinalizou, liberando o portão. - Amanhã, vou deixar autorizado seus tags e programar suas senhas e o cartão. Vai estar tudo pronto, no balcão, quando acordar. - Ela acenou para a guarita, fechando o vidro. - Ao lado do meu carro. — Aquela caminhonete, certo? - Ele perguntou. - A preta? — Sim. As vagas dos lados são nossas também. - Ela respondeu, amigável. Pare do seu lado. O carro é da mesma cor do seu. O do lado do passageiro é branco. É uma tragédia tirar as manchas. - Gregory a obedeceu. Assim que ele parou, ela abriu a porta e desceu, olhando sobre o ombro, marota. - Gosta tanto assim do seu carro? - Ela desafiou. — Não, espera. - Ele se apre
DESERTO DE CHIHUAHUA — Una migra! Una migra! Una migra! Mira! - O coiote apontou para um ponto, no alto da colina, sobre o rochedo, sozinho, com uma arma de grosso calibre no colo. Dario Garcia estreitou os olhos, a figura estava parada no alto da rocha, inerte. Não parecia fazer mira ou algo assim, aliás, sequer parecia viva. Ele tratou de instruir os coiotes que trabalhavam para ele e seguiu, perpendicular, em direção à figura agourenta sobre o rochedo. Aproximou-se, devagar, passo após passo, esquivando-se, entre a rala vegetação rasteira do deserto, em seu paramento militar da cor da areia. "Uma migra, sozinha, mulher?" Ele identificava a silhueta da policial. Dario julgava: ou ela tinha se perdido ou estavam em solo estadunidense. Qualquer hipótese era problemática. Conforme se aproximava, o contrabandista percebia as nuances. Filetes de sangue seco partiam do nariz; a boca rachada, a pele exposta. Se estivesse viva, aquela criatura miserável, em pesado paramento militar,