Maria ouviu o relato de Dario, nada anormal, um caso qualquer de um perdido no deserto. — Carlos, era só isso mesmo? - Maria estreitou os olhos, uma predadora típica. "Aí está, senhorita migra. Essa é sua verdade." Ele considerou, com o sorriso provocante no rosto e o pensamento no fundo da mente. A jovem parecia uma serpente. - Nenhuma lesão, marca, ferimento? — Oh, pensando bem, sim. Tinha algo se metal no braço, não sei bem do que se tratava, um tubinho de metal, mais ou menos, deste tamanho. - Ele indicou, Maria identificava, na hora, munição de grosso calibre. Ela foi alvejada naquela situação. - Eu tirei, fiz como ensinam no curso de sobrevivência, quando a gente se fere por perfuração: limpei bem, tirei aquele estrepe esquisito, cauterizei com a faca quente e costurei. Ela estava bem equipada também, ajudou muito. Eu não tinha tanta coisa comigo, mas só usei o que era necessário, sabe. Não me diga que aquilo infeccionou? — Não, longe disso. Foi algo muito bem feito, pelo
Helena acomodada a Gregory, parecia mais atenta, mesmo abraçada aquele homem, cujo coração, manso, tinha um algo tão protetor que a fazia se sentir acolhida. A mente clareava, aos poucos. Peter não havia surgido naqueles dias. Ela não via o celular, que, em geral, permanecia desligado. Não enxergava, de qualquer forma. Outros procedimentos eram realizados, a visão clareava aos poucos. — Helena, alguém chamado "Amigo do Deserto" ligou. - Gregory disse. - Quer os fones? — Não. - Ela respondeu, lacônica. — Quer retornar? - Ele ofereceu, gentil. — Não. - Ela seguia, monossilábica. — Tudo bem. - Ele respondeu, sempre sereno. Era um oásis tranquilo em forma de pessoa. - Quer um pouco de barulho? Música, um filme, que eu leia algo? - Helena silenciou com a oferta, apertando o abraço que procurava refúgio naquele amigo. Ele a afagou as costas. - Desculpe. Estou pressionando. Não foi minha intenção deixá-la desconfortável, querida. Devo estar ansioso. Quero que melhore, magicamente,
A cobertura estava limpa. Sem escutas e nem câmeras escondidas. Dario era rápido. Procurava fundos falsos, compartimentos ocultos. Achou vários, na maioria, vazios. Aquela mulher pensava como ele. Em um, debaixo das gavetas do closet do quarto de hóspedes, encontrou um fundo falso, com uma caixa de jóias dentro. Na caixa, um sem número de cartões de memória, sem nenhuma identificação, do tipo microSD. Sem pensar demais, levou a caixa consigo. Ali devia ter muita informação, possivelmente, confidencial. Depois de revistar o lugar, passeou um pouco por ali. Queria saber que tipo de pessoa era Helena. Não havia traços pessoais, parecia um lugar decorado para uma revista ou uma mostra de arquitetura. Ela gostava de luz. As amplas janelas e a imensa varanda davam essa informação. A cozinha, grande, era servida de uma ilha e balcões, típicos de quem gosta de cozinhar. Com uma formiga, aquele lugar brilharia, vivo. Tudo estava fechado e desligado. Com exceção dos livros, não havia indícios
Helena ouvia ao ritual de Gregory. O cumprimento gentil, o aviso de que lhe tocaria o braço. Havia algo, naquela rotina, que era especialmente confortável e caloroso. — Ok, Helena, vamos nos sentar. - Ele disse, apoiando ambos os braços dela. - Certo. Sente tontura? — Não, Greg. Estou bem. - Ela respondeu, ainda baixinho. Aquele homem havia lhe sido o rochedo em meio à tempestade. Mesmo com tantas dores que o flagelavam, por um divórcio sem qualquer explicação, cujo amor e a paixão se tornaram apenas uma amizade qualquer, de tardes de domingo na varanda. Helena se sentia culpada, sem entender o motivo. Atribuía-se aquela culpa cruel e egoísta de desejar aquele conforto para si. — Certo. Vamos ver se foi tudo bem. Feche os olhos, vou tirar a venda e os protetores, querida. - Ele informou. Tinha o toque suave, mas levemente trêmulo, incomum para um médico da envergadura dele. Gentilmente, as camadas da faixa de gaze cediam. Ela tinha os olhos fechados. Gregory retirou os protet
Gregory via Helena, firme, diante da janela, vestida em um jeans e camisa branca, de botas de montaria, bem alinhada e orgulhosa, com a trança em seus cabelos longos de cor de chocolate, brilhosos. Ele conectou seu fone ao que ela ouvia. Música instrumental, lembrava aos clássicos, mas era mais passional. De mansinho, o médico se aproximou. Helena voltou o rosto em direção a ele, percebia-o pelo reflexo da janela. Levantava o olhar cinzento para ele, um poço de gelo, profundo, de mágoas congeladas em uma alma quebrada, séria. — Gosto do que ouve. - Ele disse. — Algo que me ajuda a focar. - Helena respondeu, secamente. — Não deveria estar deitada, em repouso? - Ele perguntou. — Não faz diferença mais. - Ela se fechava, frívola. - Preciso sair. Quero voltar para minha casa, para meu trabalho. Fiquei muito tempo parada e isso está me sufocando. — Bruce precisa autorizar, Helena. - Gregory informou, a música era envolvente, mas havia algo doloroso e visceral naquelas notas
Dario, disfarçado, chegou ao prédio de Helena. Passou pela portaria e, para manter seu drama, tocou o interfone. Gregory via o trabalhador, em um macacão. No logotipo bordado dizia "Martinez Construções. Carlos. Manutenção." Ele abriu a porta. Dario via o homem, de seu porte, um pouco mais velho, de olhos verdes ameaçadores, o encarar. O latino fingia seu sotaque. — Carlos. Da manutenção. - Ele disse, com o inglês carregado do espanhol. — Entre e espere. - Gregory ordenou. - Querida, você pediu manutenção da casa? - Dario ouviu, enciumado, o tratamento carinhoso dispensado por aquele cara que voltou algum tempo depois. - Não houve solicitação, mas já que está aqui, vamos lá. Qual a ordem de serviço? - Dario se via encurralado. — Encanamentos, eletricidade e gás. - O mexicano dizia, superficialmente. — Certo. Poderia, por favor, colocar a casa operacional? - Gregory disse, sem suspeitar do homem. Dario fazia o necessário para a casa se tornar, novamente, um lugar vivo. Gregory
— Tem um quarto livre e não me parece ruim ter um médico à mão. - Ela respondeu, mais gentil com ambos. - Mas as contas são suas e nada de namoradinhas aqui. Se quiser transar com alguém, vá para a casa da pessoa ou para um hotel. O resto, é etiqueta padrão de toda fraternidade. - Ela brincou. — Tem iniciação aqui? - Ele gracejou. — Tem! Você tem que comer a pior pasta do Texas! - Ela disse, já rindo e se encolhendo ligeiramente com as fisgadas. - Eu não posso rir, seu bobo. — Deixa eu ver o buchinho? - Ele disse, como a uma menina travessa. Examinou ela outra vez, parecia tudo bem. - Escuta. Você ainda tem a cinta obstétrica? Melhor, ainda entra nela, gordinho? - Greg fez cócegas na barriga dela. A pele era sedosa, ele imaginava o sabor daquilo, refreava-se. "Devagar com ambos, Greg. Ela ainda está iludida e você compensando. Melhor se aceitar primeiro." Ele ponderava. "Que tipo de canalha é você, Gregory Matthew Stuart? Você se divorciou há poucos dias?" Ele se repreendia. — N
Helena se levantou, passando por Gregory. Tinha um cheiro suave, parecia frutal. — Aceito, Greg. - Ela se deteve, brevemente, passando por ele. - Seu quarto está pronto. É o do outro lado do corredor, ok? - Ela indicou. Caminhava, serpenteante, sem se dar conta de como aquilo o colocava aflito. Gregory sentia que seu coração explodiria. As pernas lindas, descalça, cabelos soltos, pele molhada. Helena era um tipo raro de mulher. De beleza natural e livre, que só precisava existir. Ela deixou o copo na pia. - Qual o dresscode, coração? - Ela perguntou, se virando para ele. Via, de relance, algo que a incomodava, na expressão do médico: desejo. Um rápido lampejo a colocava em estado de alerta, com sua máscara de perfeição. — Bom, não perguntei sobre isso. - Ele percebia que Helena tinha refinamento, não se tratava de alguém fácil de impressionar. Aos poucos, ele começava a ficar ansioso, aquela mulher não demandava apenas cuidados, demandava fino trato, além de outras tantas caracterís