4 - QUEIMADA

Mesmo deitada nos confortáveis assentos aveludados do vagão, não consegui adormecer. Logo entenderia que o sono não mais seria uma necessidade, mas antes aprenderia algo pior.

Súbito, a carruagem parou e gritos ecoaram lá fora! Rambertino esgoelava-se em estridentes e apavorantes berros! Em um salto coloquei-me de pé e abri a cortina. Foi o pior que poderia fazer. O sol nascera forte e eu, sem saber das novidades, tomei um banho de raios alaranjados que me queimaram como o fogo às bruxas!

Em um piscar de olhos, vi Rambertino correr em direção à porta em meio às chamas. Por instinto fechei a cortina e atirei-me ao chão, gritando, com o rosto e o busto ardendo como se mergulhasse em gordura fervente! O pobre ainda tentou entrar na carruagem pela janela, jogando-se de cabeça. Deitada ao chão em um canto onde o sol não me alcançava, vi quando pôs a metade do corpo para dentro com o rosto já em carne viva. Gritava ensurdecedoramente e chegou a esticar a mão direita em minha direção no intuito de pedir ajuda, mas foi em vão. Era possível ver os ossos da mão em meio às chamas e, com medo que ateasse fogo em todo o veículo, chutei a cabeça dele para fora e os gritos calaram-se.

Escondi-me no vagão, agonizando de dor, com bolhas de queimaduras pelo rosto, mãos, busto e todos os lugares onde o sol tocara. Aprendera, da pior forma, mais uma coisa sobre a nova vida: tornar-me-ia um ser de hábitos noturnos dali para frente se quisesse sobreviver.

Lá fiquei, agonizando durante todo o dia. Perdi a consciência por alguns momentos pelo estado de debilidade acordando ao som de galopes e outras carroças. Possivelmente o tráfego normal da estrada. Interessante é observar que não tenho mais a necessidade de dormir, mas continua a característica humana de desmaiar em casos de saúde debilitada.

Na última vez em que recobrei a consciência, percebi que o céu fechou e começou a chover, ao mesmo tempo em que passos se aproximavam.

Olá?! Alguém aí? — chamou um curioso atraído pela estranheza de uma carruagem luxuosa abandonada.

Ouvi os passos pararem em frente à porta e, com cautela, ele pôs a mão para abrir a cortina. Agarrei-o pela mão e puxei-o para dentro, cravando meus dentes em seu pescoço em meio a gritos apavorados que logo calaram. Enquanto sugava o corpo inerte, ouvi o estalar de um chicote e galopes rápidos que se afastavam.

Pulei para fora e, em meio à chuva, vi uma biga tipicamente romana se afastar a toda velocidade guiada por um único homem. Olhei para o céu e agradeci por aquela água que caía, pois além de não deixar o sol me alvejar, aplacava a dor das queimaduras anteriores que se fechavam mais rápido depois que suguei o homem.

Olhei para o chão e vi que Rambertino agora não passava de um amontoado de cinzas escorrendo com a água da chuva pela ladeira pavimentada.

Súbito, senti que a incontrolável fome ainda me abatia. Rosnando, farejei a minha volta. Precisava me alimentar rápido e prosseguir até Nova Roma. A primeira coisa que vi foram os oito cavalos negros que puxavam o vagão. Instintivamente, relincharam e pinotearam, ao que a sede cega não me permitiu pensar em nada antes de atacar o mais próximo e dilacerar sua garganta com as garras. O sangue jorrou forte, enquanto o pobre animal escoiceava o ar e parte da carruagem, quebrando-a. Banhei-me no líquido vermelho e quente, aparando-o com a boca e segurando o bicho pelas rédeas. Os outros animais conseguiram se libertar na base do pinote e correram para longe, enquanto eu ainda bebia o sangue daquele que jazia.

Neste ponto, já estava claro que o sangue animal me satisfazia tanto quanto o humano. Tinham apenas “sabores” diferentes como se eu degustasse vinhos de safras e variedades distintas.

Satisfeita, voltei minha atenção ao defunto homem e constatei ser o de um oficial. Enterrei-o e, quando terminei, a noite chegava mais cedo, auxiliada pelas nuvens escuras. Precisava alcançar o outro que fugiu e assim peguei o vestido novo que guardara, entrouxei-o e corri, descobrindo que a velocidade e a força sobre-humanas também estavam entre os meus novos atributos.

Alcancei o outro perto da torre de observação quando ele abandonava a biga e montava um cavalo para correr mais a fim pedir ajuda, mas não teve tempo para tal. Com um salto preciso cortei-lhe a jugular fazendo seu sangue jorrar, mas farta, não bebi. Apenas o enterrei. Precisaria chegar à cidade antes do próximo amanhecer ou seria torrada como o cocheiro. A carruagem, quebrada pelos coices, que deixei para trás, não me protegeria mais e eu não sabia quanta distância faltava por isso corri.

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