Depois de alguns meses sem voltar ou enviar qualquer mensageiro à Nova Milão, chegou à corte de Nova Roma, um emissário milanês chamado Capaneus, a quem Rambertino referira-se, antes de morrer, como sendo fiel à Taramar.
Nesse ponto, vale dar um pouco a mais de destaque sobre o que Rambertino me contara acerca do passado da então condessa Taramar di Milano:
O conde Aurélius, marido da verdadeira condessa, falecera há alguns meses deixando Nova Milão a cargo da própria esposa e do próprio irmão mais jovem, o visconde Ávitus, até que o filho, Tácito, então menor de idade, atingisse a maioridade para assumir o feudo.
Por óbvio, com a vinda de Taramar à capital, Ávitus assumira a regência sozinho, mas não estava nada satisfeito com a situação transitória em que se encontrava e, muio menos, com a displicência de Taramar pela questão.
A condessa, alegando grande tristeza com a morte do marido, aceitara o convite do rei para passar alguns meses na corte real como tutora da futura rainha a pretexto de espairecer. Na prática, o que ela queria, era tirar umas boas férias de tudo o que tinha: o condado, o filho, a rotina e o cunhado ganancioso.
Recebi Capaneus, o emissário, nos meus aposentos particulares e ele, obviamente, não me reconheceu como sendo Taramar.
— Como vai, Capaneus? — cumprimentei-o naturalmente dando-lhe a mão para beijar.
Com grande interrogação no semblante, ele beijou-a fazendo uma mesura.
— Co-condessa?! — questionou. — Como estás… jovial… — elogiou confuso, abatido que fora por minha empatia mágica.
— Obrigada, nobre emissário. Os dias na corte têm me feito muito bem, graças ao bom Deus. O que trazes para mim? — questionei com naturalidade.
Ele apenas me observou por um tempo, ainda na dúvida que eu fosse, de fato, sua condessa. Era de se esperar tal comportamento das pessoas que conviviam com ela, pois além de eu ser mais jovem do que a falecida, tínhamos alguns traços diferentes.
— Capaneus! — chamei-o à atenção. — Sou eu, a condessa Taramar — recitei lançando mão de uma sutil magia de controle da mente.
Ao que, ele correspondeu e voltou à interação normal.
— Sim, senhora, perdão. Bem, venho a mando do visconde Ávitus, é claro. Ele está profundamente descontente com tua ausência, não sei se sabes…
— Não teria como saber, mas imaginava. Entretanto, o motivo de enviar um emissário, não pode ser apenas descontentamento, pode? — inquiri ao interrompê-lo.
— Certamente que não, senhora. O real motivo da minha viagem é outro: Tácito está muito doente, minha condessa. Aparentemente, do mesmo mal que acometeu o pai — explicou o emissário milanês.
Eu não podia ignorar aquilo. Afinal, para todos os efeitos, ele falava do meu filho.
— E ele tem salvação? — questionei.
— Talvez tenha, mas não é certo. Os curandeiros estão fazendo o possível, mas temem pelo pior e por isso vim lhe avisar. Talvez a senhora devesse vê-lo — sugeriu o mensageiro dando a entender que o rapaz poderia não ter muito tempo de vida.
— Certamente, Capaneus — concordei. — Aceitas chá? — questionei ao colocar uma xícara pela metade em sua mão.
O líquido continha algumas gotas do meu sangue. Ele titubeou e logo continuei:
— Sim, tu queres, sim. Não me faças desfeita, homem. Bebe — ordenei convicta.
Ele, contrariado, bebeu e imediatamente tornou-se meu lacaio. Eu precisaria de um ou mais nessa viagem. Para meus planos, seria melhor se o fedelho morresse, mas eu não podia ignorar a situação para não comprometer meu disfarce. Por isso, precisei viajar à Nova Milão e encarar a todos que conviveram com a condessa no passado. Seria minha prova de fogo e se eu conseguisse transpor tal obstáculo, ninguém mais me seguraria.
Utilizando-me do pretexto da urgência, solicitei ao rei que me cedesse uma grande carruagem com todo o aparato necessário para uma viagem confortável e ininterrupta. E com isso eu quero dizer confortável para mim, o que significa que a luz direta do sol não poderia entrar no vagão.
Chegando à Nova Milão, Ávitus fez questão de me receber, solenemente, ao lado da esposa no início da noite.
— Condessa! — cumprimentaram-me os dois.
Trajada de vestido longo e um véu semitransparente cobrindo o rosto, eu pretendia dissuadir a todos no primeiro encontro.
— Como estão? Bem, eu espero. É um prazer revê-los, meus caros — devolvi o cumprimento com sorriso e simpatia.
— S-sim, mi-minha senhora, estamos bem, graças a Deus — retorquiu Ávitus confuso por minha magia.
A esposa, Dorotea, uma mulher obesa e desengonçada, apenas assentiu com a cabeça sorrindo embasbacada. Rambertino me relara que aquele casamento fora arranjado por interesses financeiros das famílias. Fato pouco incomum, na verdade.
— A aguardávamos ansiosos e vamos servir o jantar em breve — declarou a gorda por fim.
— Eu agradeço a hospitalidade, querida Dorotea, mas estou cansada e preciso ver meu filho imediatamente, se não vos importais. Por gentileza, pede a algum serviçal que leve o jantar mais tarde aos meus aposentos, sim? — instruí e dei às costas aos dois enquanto cochichava para Capaneus que me levasse até o menino moribundo.
Lá chegando, conversei com o curandeiro que foi enfático: o rapazola não sobreviveria. Então atuei: chorei aos prantos, pedi lenço pra cobrir o rosto e me aproximei do leito de morte do rapazinho inconsciente. Abracei-o e senti o coração batendo ainda forte, não parecia que morreria logo.
Então decidi agilizar o processo: discretamente mordi o pescoço dele enquanto o abraçava, suguei-lhe todo o sangue, a vida e depois lambi os furos para que se fechassem. Fingi chorar mais um pouco e declarei aos prantos:
— Tácito aguardava apenas minha chegada para partir. Meus Deus, ele se foi!
O curandeiro se apressou em comprovar o fim do menino e eu me recolhi aos meus aposentos seguida por Capaneus. Ordenei que ele ficasse de guarda do lado de fora da minha porta e não demorou muito até que alguém batesse nela. Era Ávitus.
— Boa noite, cunhada. Vim pessoalmente trazer tua refeição e prestar minhas condolências. Tácito era muito amado por todos nós. Compartilho da tua dor e…
— Eu agradeço por tudo, — interrompi a fala dele ao me aproximar, encará-lo nos olhos e tomar a bandeja.
Rambertino me relatara também que o meu agora cunhado vivia tentando se aproximar da viúva. Ao que parece, sempre fora apaixonado por ela desde antes do casamento dela com o irmão mais velho dele o que representou a primeira desilusão amorosa do então menino que jamais teria uma chance com Taramar. Com a morte do irmão, ele pretendia corrigir essa injustiça e, agora, com a morte do sobrinho, todos os entraves pareciam ter sumido de sua frente.
Eu, por outro lado, de posse de todas essas informações, vi a minha frente uma oportunidade de ouro. Mordi minha língua fazendo-a sangrar apenas um pouquinho e beijei Àvitus com delizadeza. Ele correspondeu imediatamente, provando meu sangue.
— Era isso o que querias, não é, meu cunhado? — questionei com carinho.
— Oh, como sonhei com esse momento, minha senhora. Não tens ideia! Sempre te amei em segredo… — relatou com os olhos serrados como se sonhasse. — Mas eu jamais esperaria que ocorresse no dia do falecimento de Tácito…
Fechei a boca dele com o indicador de quem pede silêncio.
— Eu também não planejei isso, meu querido, mas é a vida. Eu estou carente, poderias me confortar? — sussurrei no ouvido dele enquanto me despia.
Ele era um homem bonito e estava totalmente entregue. Um desperdício nas mãos de uma mulher tão feia quanto a esposa.
Entretanto, minha intenção era apenas encerrar tudo aquilo de uma vez e voltar à corte. Assim, satisfiz todas as vontades de Ávitus, enterrei meu filho e conquistei dois novos lacaios que tomariam conta do condado de Nova Milão para mim: Ávitus e Capaneus.
Desde então, o local se transformou em uma base para mim, um refúgio e bastava que eu passasse por lá de tempos em tempos para conduzir meus lacaios e produzir novos lacaios quando fosse necessário.
E assim, passaram-se os anos, senhores antigos pereceram, novo senhores surgiram, sucederam-se os reis, trocaram-se os papas e eu sempre os dominei até que vi nascer o primeiro rei de Nova Roma que representaria, a mim, algum desafio para influenciar. Filho de Victorino e neto de Vincenzo Pagliari, nascia Victorio Pagliari, o sétimo filho e primeiro a nascer varão.
Enterrara minhas raízes bem fundo no reino de Nova Roma, em todas as camadas sociais. Todos me conheciam e o fato de eu não envelhecer era explicado pela magia, aceita e conhecida com naturalidade em toda Ômnia.É claro que minha juventude e longevidade levantavam suspeitas em algumas pessoas de tempos em tempos, mas sempre atenta, eu me preparara para todos os burburinhos e desconfianças sobre mim que pudessem surgir e imediatamente os contia lançando mão dos recursos à minha disposição: empatia mágica, magia de controle da mente para as mentes mais fracas, vício de sangue, sedução pura
Nossa viagem seguia a pista de um dragão vermelho. Um dos meus lacaios batedores trouxe notícias sobre um dos grandes e, via de regra, quanto maior e mais velho, maiores as possibilidades de lucro. E, é claro, maior perigo representava.À noite, fazíamos as refeições todos juntos. Uma exigência minha por saber que paladinos e necromantes nunca se deram bem. Toleravam-se apenas. Eu posso comer comida normal, é claro. Apenas não preciso e ela não me satisfaz. Só serve para eu parecer mais humana quando tenho paciência para tal. A caverna do dragão ficava em uma região desértica e montanhosa de difícil acesso. Aliás, todos os covis que encontrei eram assim a não ser para criaturas que, como eles, voavam. À noite fazia bastante frio e durante o dia eu sentia o calor escaldante dentro do meu abrigo. Rala vegetação de estepe complementava o terreno pedregoso e irregular do lugar no entorno da montanha que seria nosso alvo.Alguns lacaios já tinham mapeado com antecedência tudo em um raio de dez quilômetros do covil, determinando os locais mais bem camuflados para acampamento, além de encontrarem rotas seguras em meio a rala vegetação 9 - TRIUNFANTE
Antes que o rapaz desse o último suspiro, encobri minhas pistas, lambendo os furos do pescoço para que cicatrizassem. Aninhei a joia em um bolso secreto do vestido, pus a cabeça para fora da tenda e gritei:— Guardas! Chamem Taurus! — ordenei.Não demorou para que o irmão chegasse e, vendo o outro caído, não esboçou a tristeza que eu previra.— Súbito, senti a dor esmaecer, recobrando a consciência com um urro.— Por Deus do céu! — exclamou alguém.— Jesus Cristo, tenha piedade! — exclamou outro.Quanto a mim o que sentia era fome. Incontrolável! Perdera muito sangue com a estocada. Meu estômago se contraiu e, em um lampejo, esquadrinhei o entorno. Vi os dois paladinos que me despert11 - COMPADECIDA
Na minha volta, não pude deixar de notar que a rainha Constantina estava grávida esperando o que seria o primeiro filho de Victorio e herdeiro da coroa de Nova Roma.A esposa do rei, como não poderia ser diferente, era uma mulher de família nobre e rica, mas de beleza contestável que ela compensava com educação, simpatia e sagacidade.Sempre presente em todas as audiências desde que se casara, ela tinha olhos atentos e desconfiados. Sua devoção para com Victorio, não permitiria que
Após dar cabo do problema com a rainha, parti para minha primeira incursão ao reino hostil de Ûnia no encalço do meu próximo alvo: o covil do dragão dourado delatado pelo dragão vermelho que caçamos, na última incursão, eu e os necromantes.E qual não foi minha surpresa ao chegar ao covil e encontrá-lo limpo! Aqueles canalhas chegaram antes de mim e levaram tudo! O atraso com Constantina custara-me uma fortuna em pilhagem e agora eu não tinha um próximo alvo para atacar. Dezoito anos se passaram em viagens e incursões para lugares distantes de Ûnia e do feudo de Sicilianos até que um dragão delatasse outro covil nas proximidades das terras dos necromantes. Nesse meio tempo, eu visitava a corte apenas de passagem para trazer os produtos dos saques, ter com o rei e o papa, satisfazer o vício dos meus lacaios da corte e preparar a próxima incursão. Mas agora, seria uma nova incursão à Ûnia e dessa vez eu colocaria em prática meus planos de visitar os magos pessoalmente.Depois da caçada que mais uma vez fora um sucesso, dei minhas ordens a Martinus logo depois de atravessarmos a fonteira com &Ucir14 - INFILTRADA