Cheguei à Nova Roma bem antes do amanhecer e escalei, com relativa facilidade, os muros inconclusos que envolveriam toda a cidade quando completos. Existiam alguns sonolentos soldados de guarda que não representaram obstáculo.
No centro da cidade, uma muralha completa, mais alta e, evidente, mais forte, cercava o castelo. Escalei mais uma vez, sem ser notada e lá de cima vi que aquelas paredes não abrigavam apenas um majestoso palácio, mas duas grandiosas construções além dele: uma réplica do Coliseu de Roma ainda inconcluso e, para meu total espanto, uma gigantesca catedral recebendo os últimos retoques na decoração externa. Composta de uma enorme nave central e uma gigantesca torre tão alta quanto as torres do palácio central, ostentava no ponto mais alto uma cruz cristã. Sinal de que os ensinamentos de Jesus Cristo não atravessaram apenas o tempo, mas também o espaço, alcançando o remoto mundo no qual eu acabara de chegar.
Admirei a tudo boquiaberta ao concluir que as três construções, quando prontas, formariam uma trindade poderosa de elementos influenciadores para o povo: o poder do reino, o poder de Deus e o entretenimento. Tudo protegido dentro de uma colossal fortificação guardada, depois eu soube, pelos mais bem treinados soldados a serviço de Nova Roma: os paladinos.
Em tempos de guerra, aquele centro poderia proteger a maioria da população. Nos topos das torres, catapultas, trabucos e balistas poderiam ser acoplados e nas amuradas milhares de besteiros poderiam ser alocados, tornando um inferno a vida de qualquer pretenso invasor.
Furtiva, esgueirei-me pelas sombras, dirigindo-me ao palácio, onde a dificuldade para entrar foi nula, apesar dos paladinos em suas reluzentes armaduras prateadas. Troquei meu vestido maltrapilho pelo vestido da baronesa que trouxera. Esperei até perto do amanhecer, voltei à entrada e apresentei-me a um dos paladinos. Mais uma vez, minha empatia funcionou melhor do que o normal, ficando cada vez mais evidente que ninguém resistia ao meu sorriso e aos meus pedidos educados.
O rei em pessoa apressou-se em me atender. Convenci-o que fora assaltada na estrada e que escapara com um pouco de sorte que meu pobre condutor e dois oficiais não tiveram.
A partir daí, tudo aconteceu muito rápido. No dia seguinte fui nomeada pelo rei Vincenzo Pagliari como protetora da futura rainha e incumbida de ensiná-la o que fosse necessário para torná-la uma majestosa rainha para os súditos e uma boa parideira para o rei.
As pessoas se encantavam comigo à primeira vista e mais tarde entendi que esse dom fora adquirido com minha nova condição. Todos, em minha presença, ficavam suscetíveis a concordar alegremente com o que eu dizia, por mais absurdo que fosse. Apenas muito tempo depois começaram a aparecer pessoas mais inteligentes que, vez ou outra, impunham alguma resistência mental a mim, ou eram menos suscetíveis, mas, mesmo assim, era raro representarem problemas. Aos poucos adquiri muita influência. A rainha, o rei e o papa tinham confiança cega em mim.
Protegida pelo palácio, e por um grande aposento reservado a mim conjugado de quarto, escritório, laboratório e biblioteca, eu tinha dias e noites com aproveitamento máximo do tempo. A posição adquirida aliada aos meus poderes, permitiram-me acesso a todas as bibliotecas do reino de Nova Roma, inclusive, a da Pontifícia Academia Cristã de Magia e, mais tarde, até algumas de reinos aliados.
Minha nova memória, mais eficiente, permitiu-me, com muita facilidade, decorar cartas topográficas, assimilar a história e as lendas dos reinos de Ômnia. Cheguei a buscar incessantemente uma pista que me levasse de volta para casa, estudando tudo o que eu encontrei sobre a poderosa magia citada por Rambertino, mas foi em vão. Não havia nada de concreto. Entretanto, inevitavelmente tropecei em uma coisa que muito me atraiu e que era novidade para mim da forma como se apresentava: magia. Interessada, estudei tudo o que pude. Li todos os acervos, aprendi poderosos encantamentos e até criei alguns. Um deles, em especial, batizado por mim como “Vácuo de Mana”, criei por acidente. Nem imaginava o quão útil seria no futuro, a magia mais útil de todo o meu vasto grimorium.
Com o tempo e depois de muitos testes, aprendi a transformar humanos em seres como eu: bastava sugar-lhes o sangue sem matá-los e fazê-los beber do meu sangue. Foi o que aconteceu, por acidente, com Rambertino.
E em um dos testes criei, sem querer, um “lacaio”: humano que bebe meu sangue antes que eu beba o dele. Isso torna-o completamente subserviente a mim por um período de tempo, além de ficar mais forte, mais rápido e mais resistente. Uma gota por dia é o suficiente e os humanos que provam, viciam-se. Assim, mesmo depois de passado o efeito, costumam obedecer na esperança de conseguir mais uma gotinha. Dei a isso o nome de “vício de sangue”.
Os transformados, entretanto, não eram subservientes, apesar de naturalmente sugestionáveis por mim. Também foi isso o que ocorreu com Rambertino. Mas sinto que estou me adiantando um pouco e não quero que percam nada de vista.
Depois de alguns meses sem voltar ou enviar qualquer mensageiro à Nova Milão, chegou à corte de Nova Roma, um emissário milanês chamado Capaneus, a quem Rambertino referira-se, antes de morrer, como sendo fiel à Taramar.Nesse ponto, vale dar um pouco a mais de destaque sobre o que Rambertino me contara acerca do passado da então condessa Taramar di Milano:O conde Aurélius, marido da verdadeira condessa, falecera há alguns meses deixando Nova Milão a cargo da própria esposa e do pr
Enterrara minhas raízes bem fundo no reino de Nova Roma, em todas as camadas sociais. Todos me conheciam e o fato de eu não envelhecer era explicado pela magia, aceita e conhecida com naturalidade em toda Ômnia.É claro que minha juventude e longevidade levantavam suspeitas em algumas pessoas de tempos em tempos, mas sempre atenta, eu me preparara para todos os burburinhos e desconfianças sobre mim que pudessem surgir e imediatamente os contia lançando mão dos recursos à minha disposição: empatia mágica, magia de controle da mente para as mentes mais fracas, vício de sangue, sedução pura
Nossa viagem seguia a pista de um dragão vermelho. Um dos meus lacaios batedores trouxe notícias sobre um dos grandes e, via de regra, quanto maior e mais velho, maiores as possibilidades de lucro. E, é claro, maior perigo representava.À noite, fazíamos as refeições todos juntos. Uma exigência minha por saber que paladinos e necromantes nunca se deram bem. Toleravam-se apenas. Eu posso comer comida normal, é claro. Apenas não preciso e ela não me satisfaz. Só serve para eu parecer mais humana quando tenho paciência para tal. A caverna do dragão ficava em uma região desértica e montanhosa de difícil acesso. Aliás, todos os covis que encontrei eram assim a não ser para criaturas que, como eles, voavam. À noite fazia bastante frio e durante o dia eu sentia o calor escaldante dentro do meu abrigo. Rala vegetação de estepe complementava o terreno pedregoso e irregular do lugar no entorno da montanha que seria nosso alvo.Alguns lacaios já tinham mapeado com antecedência tudo em um raio de dez quilômetros do covil, determinando os locais mais bem camuflados para acampamento, além de encontrarem rotas seguras em meio a rala vegetação 9 - TRIUNFANTE
Antes que o rapaz desse o último suspiro, encobri minhas pistas, lambendo os furos do pescoço para que cicatrizassem. Aninhei a joia em um bolso secreto do vestido, pus a cabeça para fora da tenda e gritei:— Guardas! Chamem Taurus! — ordenei.Não demorou para que o irmão chegasse e, vendo o outro caído, não esboçou a tristeza que eu previra.— Súbito, senti a dor esmaecer, recobrando a consciência com um urro.— Por Deus do céu! — exclamou alguém.— Jesus Cristo, tenha piedade! — exclamou outro.Quanto a mim o que sentia era fome. Incontrolável! Perdera muito sangue com a estocada. Meu estômago se contraiu e, em um lampejo, esquadrinhei o entorno. Vi os dois paladinos que me despert11 - COMPADECIDA
Na minha volta, não pude deixar de notar que a rainha Constantina estava grávida esperando o que seria o primeiro filho de Victorio e herdeiro da coroa de Nova Roma.A esposa do rei, como não poderia ser diferente, era uma mulher de família nobre e rica, mas de beleza contestável que ela compensava com educação, simpatia e sagacidade.Sempre presente em todas as audiências desde que se casara, ela tinha olhos atentos e desconfiados. Sua devoção para com Victorio, não permitiria que
Após dar cabo do problema com a rainha, parti para minha primeira incursão ao reino hostil de Ûnia no encalço do meu próximo alvo: o covil do dragão dourado delatado pelo dragão vermelho que caçamos, na última incursão, eu e os necromantes.E qual não foi minha surpresa ao chegar ao covil e encontrá-lo limpo! Aqueles canalhas chegaram antes de mim e levaram tudo! O atraso com Constantina custara-me uma fortuna em pilhagem e agora eu não tinha um próximo alvo para atacar.Último capítulo