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Capítulo 2 OLHOS QUE AMAM

  Abdul Zafar até então não tentou seduzir, paquerar, azarar, nada que se distanciasse e uma bela e rara amizade.

  Providenciou tudo para o nosso embarque para Rabat. Eu ao lado daquele homem bonito, decidido e misterioso. Seus olhos estavam sempre captando tudo em torno de si. Abdul Zafar é o tipo de homem que toda mulher deseja ao seu lado. Sempre muito gentil, mas quase sempre com a aparência e um rosto sisudo: Eu o vejo como coiote selvagem sempre com os olhos que enxergam tudo a sua volta e destaca a sua presa antes de ela perceber. Abdul Zafar tem olhos de coiote selvagem e destemido. É assim que eu o vejo.

  Ele embarcou com o figurino meio árabe, terno preto, gravata com o tecido caro e desenhos assimétricos e na cabeça o turbante ou kiffiyeh de tecido xadrez vermelho e branco. Não gosto muito de vê-lo pensativo e girando o grande anel no dedo repetidas vezes. Às vezes eu puxo conversa para interromper o seu habito de girar o anel sem cessar de um lado para outro, indo e voltando.

  -O que foi? Esta com medo? Arrependida, talvez? Avaliz está desconfortável com a nossa viagem? Abdul Zafar fala tocando a mão de Avaliz.

  -Não... Está tudo bem. É que é tudo novo... É isso. É uma nova experiência. Avaliz responde olhando para aqueles olhos de coiote selvagem e logo se perdeu novamente em seus pensamentos. “O meu coração disparou.” Por um segundo imaginei a pata enorme de um coiote por cima de mão. Por uns poucos segundos me senti a sua presa. Será que coiotes hipnotizam suas presas com os seus olhos? É melhor eu Avaliz parar com isso. Não dá! Olho para o rosto dele, para os seus olhos e vejo nele um coiote selvagem e destemido.

  -Quer alguma coisa? Algo para beber? Vou pedir para a aeromoça. Abdul fala para Avaliz que sorri e responde.

  -O que você pedir para você eu acompanho.

  -Está bem. Vou lhe apresentar um lanche árabe, leve, saboroso acompanhado de chá de hortelã. Você vai gostar.

  -Sim. Adoro a culinária árabe.

  -Você vai gostar de meu irmão Hafiz. Ele está ansioso para conhecê-la. Todos de minha família esta a esperar Avaliz. Abdul fala e desvia seus olhos de coiote dos olhos de Avaliz.

  E assim a longa viagem terminou. No aeroporto de Rabat Abdul procurava alguém entre a multidão com os seus olhos de coiote logo encontrou e fez sinal com a mão. Vieram homens com vestes longas e o kiffieh ou turbante na cabeça e carregaram rápido nossas bagagens para um belo carro. Abdul os aguardavam abrir a porta do carro para ele. Fui impedida por ele de abrir a porta do carro e entrar.

  -Espere, meus serviçais vão abrir para nós. Sempre que estiver com eles deixa-os cumprir as suas obrigações. Ao contrario sentirão ofendidos. Abdul explicou e depois se comunicou com os homens em árabe. Os mesmos abriram as portas do carro para nós e se curvaram enquanto estávamos a nos acomodar.

  -Sim, está bem. Mas vou deixa-los abrir a porta somente porque ficarão ofendidos. Não é o meu costume. Avaliz fala um pouco constrangida.

  -É muito bem vinda aqui brasileira Avaliz. Mas para o seu próprio bem não ande nas ruas com as suas ‘mini’ roupas como no Brasil. Não precisa se cobrir toda. Use algo que não ofenda o nosso decoro e nem o seu.

  -O que são ‘mini roupas’ para você? Avaliz questiona.

  -Mini shorts, mini blusas, mini saias, mini vestidos... E usará para cuidar de meu irmão um ‘jaleco’ branco. Afinal será a enfermeira dele. Abdul responde e logo se comunica em árabe com os homens sentados na frente do carro. O que estava ao volante respondeu também em árabe.

  -Claro. Eu sou a enfermeira...

  -Chegando a nossa casa eu a apresentarei a todos. Incluindo o doutor Faisal Hanza, você vai precisar de suas instruções. E amanhã fará exames clinico e assinaremos o contrato de trabalho. Afinal eu estou lhe contratando.

 Avaliz percebeu nesse instante que para o homem com olhos de coiote amizade não se mistura com trabalho. “Eu Avaliz me assustei um pouco.”

    Avaliz estava em silencio enquanto Abdul girava o seu grande anel azul para a esquerda e para a direita repetidas vezes. “Isso é irritante.” Pensa Avaliz.

  O carro parou na frente de uma enorme casa muito parecida com aquelas de filmes em que após entrar no terreno se percorre um bocado de estrada entre arvores e flores para chegar até o grande “palacete”. Enquanto os homens abriam as portas do carro e descia todas as malas o silêncio foi quebrado.

  -Desculpe Abdul.Eu vou fazer exames médicos para...

  -Sim. Hafiz está muito debilitado e não pode contrair nem se quer um resfriado. Eu é que peço desculpas. Eu sei que é uma jovem muito saudável. Mas não podemos correr o risco. Abdul explica.

  -Entendo. Avaliz responde.

  Os homens abriram uma grande porta e lá estava seu pai o velho árabe Hassan Zafar, suas esposas e as irmãs de Abdul. Havia também uma grande quantidade de travessas com salgados árabes, frutas e copos de chás numa mesa baixa, porém, enorme.

  Todos abraçavam Abdul que correspondia.

  “Nossa, esqueceram-se de mim.” Avaliz pensou e Abdul apontou para ela e logo todos passaram a cumprimenta-la. As mulheres cochichavam olhando para as suas roupas. O que não a incomodou. “Afinal não estou aqui para um desfile”. Pensou.

  -Onde está Hafiz? Avaliz perguntou.

  -Ele está no seu quarto. Quarto que será o local onde você passará parte de seu tempo. O quarto da frente foi preparado para você deixar seus pertences, roupas, sapatos, enfim para se banhar e trocar de roupas. Mas você como enfermeira dormirá no quarto de Hafiz. Abdul responde passando o braço nos ombros de Avaliz e completa:

  -Venha sente-se aqui vamos degustar essas maravilhas e logo eu vou levar você até Hafiz.

  Todos sentaram se no chão e todos pegavam a comida com a mão. Falavam árabe e Abdul traduzia.

  -Vamos... Eu quero conhecer o meu paciente. Avaliz pede para Abdul se levantando.

  -Claro. Abdul se levanta e os dois caminham rumo a uma escada depois de percorrer um extenso corredor com portas de um lado e outro. Abdul para e fala:

  -É aqui o quarto de Hafiz. E esse aqui em frente é onde estão os seus pertences. Abdul dá duas batidas de leve e abre a porta.

  -Hafiz! Meu irmão olha quem eu trouxe!

  -Abdul! Meu irmão! Abdul abraça o irmão que está sentado na cama, coberto até a cintura. Se não fosse os cabelos e a barba por fazer e a pele pálida por causa da insuficiência cardíaca diria que ali estava um homem jovem e muito bonito.

  -Essa jovem muito bonita aqui é Avaliz. Ela veio para cuidar de você.

  -É mesmo muito bonita. Hafiz fala estendendo a mão para Avaliz que comovida com o estado de saúde e a aparência de Hafiz caminha até ele e lhe dá beijos na face.

  -Muito prazer Hafiz. Sou Avaliz. Hafiz fitou a nos olhos enquanto Abdul com os seus olhos de coiote selvagem os observava.

  -Avaliz é nome de anjo. Como vê eu preciso e muito de cuidados. Hafiz um homem muito frágil diferente de Abdul, alto, viril com muita saúde e de olhos espertos quase implora por cuidados e parece carente.

  O quarto de Hafiz com as cortinas fechadas, com cheiro forte de medicamentos também precisa de um ‘toque’ de vida que logo Avaliz como uma fada ou anjo começou a transformá-lo.

  -Eu vou deixa-los. Estou meio cansado. Amanhã reuniremos com o doutor Faisal e apresentaremos a ele Avaliz. Abdul fala, beija a testa de Hafiz, para, pensa, levanta os olhos de coiote, caminha até Avaliz e a beija também na testa.

  Ela ficou parada e pensou: “Me senti como uma presa indefesa e fácil e eu o vi como um coiote vindo em minha direção. Gelei.”

  -Então Hafiz, vamos abrir um pouco as cortinas. E eu vou levar você até o banheiro, pois observo que precisa fazer cabelo, barba e eu não aceito ‘não’ como resposta. Avaliz fala com ternura e rápido busca uma cadeira de rodas e ajuda Hafiz a se sentar nela.

  No banheiro Avaliz enche a enorme banheira de agua e óleos perfumados enquanto corta os cabelos e faz a barba de Hafiz. Ela pega um espelho e posiciona na frente dele.

  -Nossa! Eu estava mesmo precisando. Mas... É... Você vai me dar banho? Hafiz questiona olhando para Avaliz.

  -Sim. E como enfermeira não tem nada aí que eu não conheço. Fique despreocupado. Vamos tirar essa bata...

  -Essa roupa se chama ‘thoub’. E é uma peça única... Não tenho nada por baixo. Hafiz fala enquanto Avaliz retira a bata branca dele.

  -Vem a agua está ótima. Ela o ajuda a entrar na banheira e com carinho lava seus cabelos, suas costas. Ela trata Hafiz como uma criança. Depois  seca o com uma enorme toalha bordada, o veste com o ‘thoub’ ou grande bata branca e o leva todo de cabelo penteado para a cama. Avaliz cobre Hafiz até a cintura e ele só a observa, só olha o rosto de Avaliz.

  -Você está bem? Eu já vou dar uma conhecida nos seus medicamentos. Avaliz fala enquanto o acomoda nos travesseiros.

 -Estou... Estou muito bem. Hafiz responde ainda olhando para Avaliz que olha para ele e pensa: “Nossa! ele é um homem muito bonito. Preciso conseguir um tempo para pesquisar no celular ou computador um meio de inscrevê-lo em todos os programas de transplante de coração. Preciso savá-lo!

  -Não está com frio? Olhei nos seus medicamentos e vi que agora você toma esse aqui. Avaliz coloca o copo com agua como se cuidasse de um bebê.

  -Esta bem. Vou pedir comida na cozinha. Você pega o telefone para eu fazer isso. Hafiz fala e completa: - O meu cardápio é sem ‘isso’ e sem ‘aquilo’, é só verduras e frutas. E o seu?

  -eu o acompanho. Adoro verduras e frutas. Avaliz responde olhando uma pequena cama encostada na parede. “Deve ser a minha cama. Não muito confortável”.

  -Olha, a cama ao lado não é macia porque as vezes é que um serviçal ou outro dorme aqui para me fazer companhia. Você pode dormir aqui do meu lado... Hafiz fala e abaixa a cabeça triste.

  -Não... Está ótima! Não se preocupe. Avaliz fala e é interrompida.

  -Avaliz pode dormir aqui do meu lado. Eu não vou fazer nada. Não tenho forças e nem vontade de fazer algo... Com mulher nenhuma... Às vezes eu acho que Alláh esta por aplicar-me um castigo por eu ter dormido algumas vezes com varias e belas mulheres numa só noite... E na mesma cama.

  -Olhe aqui... Olhe para mim! Avaliz pega no rosto de Hafiz e completa: - Ninguém esta lhe castigando. E Deus ou Alláh vai nos ajudar a encontrar um coração bom para você. Não aceito você ficar triste assim. Avaliz fala com os lábios bem próximos dos lábios de Hafiz, olhando dentro dos olhos dele e continua: - Peça o nosso jantar, eu vou aqui no quarto da frente me trocar e após o jantar eu vou dormir aí sim, com você. Hafiz arregala os olhos e Avaliz completa: - Vou dormir junto de você como a sua enfermeira e amiga. Certo? Ela o beija na testa e caminha rumo à porta.

  Meia hora depois Avaliz estava de volta com roupa de dormir e usando um roupão por cima para cobrir a minúscula roupa de dormir. Ajudou Hafiz a fazer a sua refeição e junto dele também tomou a sua sopa de legumes.

  - Você é tão meiga, é jovem, é bonita... Por que veio cuidar de mim? Cuidar de um doente? Não tem namorado? Alguém? Hafiz faz perguntas.

  -Não tenho ninguém. Estava ocupada demais com os estudos. Sou recém-formada. Morava com uma tia no Brasil. Vou telefonar para ela amanhã. Avaliz completa: - E como aceitei o seu convite, chega um pouco para lá e aqui será o meu lugar. Avaliz fala deitando ao lado de Hafiz e o cobrindo também.

  Ela o beija no rosto, apaga o abajur e fala: - Boa noite! E se sentir alguma coisa, qualquer coisa é para me chamar.

  -Boa noite! Eu estou bem. Você esta me fazendo bem. O silencio foi quebrado.

  -Avaliz! Esta dormindo?

  -O que foi? Esta sentindo alguma coisa? Dor? Avaliz pergunta se virando para o lado de Hafiz.

  -Não estou sentindo mal. Estou com frio.  Pode me abraçar? Hafiz pergunta. Avaliz o abraça e os dois adormecem. O sono profundo impediu que ambos notassem a presença de um coiote selvagem que os observou por minutos no quarto e depois saiu com expressão de fera zangada no rosto e falando baixo pelos corredores.

  -Amanhã preciso lembrar Hafiz os fins que a traz aqui. Ela é o seu anjo de sangue e nada mais. Nada mais!

  O sol de Rabat tem o brilho cor de ouro. A manhã tem cheiro de flores. Hafiz é despertado por Avaliz que mede a sua pressão.

  -Bom dia! Acordou cedo.

  -Bom dia! Já preparei o seu café da manhã e antes você vai tomar um banho revigorante, Porque senhor Hafiz vai escrever uma ordem para os serviçais em idioma árabe e eles vão me auxiliar a levá-lo para passear no jardim. Eu só preciso que me ajudem com a cadeira de rodas nas escadas.

  -Tanto tempo que eu não saio desse quarto. Não sinto vontade. Hafiz fala enquanto Avaliz retira as suas roupas e o veste com um roupão de saída de banho.

  - É uma ordem de sua enfermeira. Um pouco de sol e o ar puro fazem muito bem. Avaliz coloca Hafiz dentro da banheira e esta distraída lavando a espuma das costas de Hafiz e Abdul Zafar entra.

  -Bom dia Hafiz. Bom dia Avaliz.

  -Bom dia meu irmão Abdul.

  -Bom dia Abdul. Avaliz continua a banhar Hafiz apesar da presença de Abdul a incomodar.

  -Ora, irmão Hafiz esta com a aparência ótima! Novo corte de cabelo, barba... Bem, mas se veste, pois papai e o doutor Faisal nos aguarda. Doutor Faisal vai colher sangue de Avaliz para exames de rotina. O velho Hassan veio lhe fazer uma visita. E Avaliz o seu contrato esta no móvel ao lado de sua cama aqui no quarto de Hafiz. Assine e me devolva uma cópia, por favor. Abdul fala ajudando o irmão a se levantar da banheira.

  Avaliz meio constrangida seca o corpo de Hafiz e o ajuda a vestir com o thoub ou para ela a grande bata branca.

  Sairam do banheiro.Abdul empurrou a cadeira de rodas com o irmão e Avaliz logo atrás.

  -Bom dia doutor Faisal. Essa é Avaliz. Hafiz fala enquanto o velho Hassan beija a testa de Hafiz.

  -Bom dia! Vejo que Avaliz lhe fez muito bem. O medico fala estendendo a mão para Avaliz e os dois falam ao mesmo tempo: - Muito prazer!

  O medico examinou Hafiz colheu o sangue de Avaliz e a pediu que se retirasse uns instantes do quarto. Ela se retirou cabisbaixa e pensou: Não gostei nada desse doutor Faisal e tenho certeza que ele não gostou da minha pessoa.

  Aproveitou foi até o seu quarto e falou com a tia no Brasil. Em seguida retornou para levar Hafiz para passear no Jardim. Ele apresentava preocupação no rosto.

  -Vamos! Alegre-se! Descemos as escadas sem problemas e olhe as flores, o vento, sinta o perfume, escute os pássaros. Avaliz fala entregando para Hafiz uma pequena flor.

  Ele dá um leve sorriso e fala: - A flor é delicada e meiga como você. Ele beija a flor e devolve para Avaliz que a coloca entre os seios. Nesse instante ela sentiu que era observada, levantou os olhos e lá no segundo andar, na sacada estava Abdul Zafar com o seu habito de girar o anel no dedo os observando com os seus olhos de coiote selvagem. Ela pensou: Daria tudo para desvendar o que passa na cabeça dele. Existe um mistério por trás de seus olhos. Será que coiotes são traiçoeiros? Abanou a mão para Abdul que simplesmente não corresponde e se afasta da sacada dando lhes as costas.

  -Eu trouxe o meu celular para pesquisarmos juntos programas de inclusão e cadastros nas filas de espera para pessoas que aguardam transplante de coração. Vale tentar de tudo. Vou inscrever você em todos. Avaliz fala com brilho no olhar.

  - Sim. Claro. Alláh é grande. Hafiz responde.

    Ela empurra a cadeira de rodas de Hafiz para debaixo de uma arvore e senta-se num banco antigo ao seu lado. Enquanto ela acessa os sites Hafiz a observa com ternura nos olhos.

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