Capítulo 04

Passaram-se algumas semanas desde que eu e David nos casamos, desde aquele dia que não vejo mais ninguém ou voltamos a colocar os pés na cidade.

David disse para mim que é uma regra que temos que cumprir, não me falou do porque termos que seguir essa regra absurda, mas não questionei até porque está sendo maravilhoso ficar aqui com ele.

Embora ele tenha que sair algumas vezes, para onde não me diz.

Estou deitada na cama quando ouço o barulho da porta sendo aberta, corro para baixo e vou recebê-lo. Uma das regras que eu tenho que cumprir é de sempre receber o meu marido quando chegar em casa.

Pelo menos essa vou cumprir, até porque a melhor parte de quando ele saí, é quando ele volta.

— Boa noite –  dá um beijo em minha bochecha — Como foi seu dia?

— Boa noite. Um tédio sem você, e o seu?

— Cansativo – tira o casaco e o coloca em cima do sofá — Estou morrendo de fome.

— Vamos jantar então?

— Queria jantar você primeiro – diz me arrancando um sorriso envergonhado, minhas bochechas ardem depois de ouvir suas plavras — Mas infelizmente estou morrendo de fome de comida de verdade, então  vamos – entrelaça nossas mãos, nos guia até a sala de jantar e nos sentamos para comer.

Eu preciso falar com a minha mãe e saber porque ele está me mantendo aqui esse tempo todo, tenho algumas suspeitas, mas não tenho certeza de nada. Não sei porque David não quer me falar, se ele mesmo diz que somos "amigos" acima do nosso casamento arranjado.

— David... 

— Sim Akira – responde calmo como sempre. Nunca vi ele gritar, está  sempre calmo. Nem quando se chateia ele grita.

— Posso...falar com a minha mãe?

— Não sei, acho melhor não – responde sem sequer olhar na minha cara.

Porque disso agora?

— É a minha mãe David...

— Rani está bem, não se preocupe – me interrompe. 

Ia falar alguma coisa, mas alguém b**e na porta me impedindo de começar a dizer qualquer coisa.

Fico surpresa por alguém estar batendo a porta, não é suposto alguém bater na porta já que estamos no meio do nada.

Quem será?

— Pediu alguma coisa? – David pergunta.

— Não, nem telefone tenho, como ia pedir alguma coisa? – questiono me levantando e indo em direção a porta.

Sinto o olhar do David sobre a minha bunda e aquilo me deixa um pouco envergonhada.

Quando abro a porta, meu rosto fica mais sério do que já está depois de ver quem é.

Ele passa por mim sem sequer me cumprimentar, David se levanta da mesa e sua cara de surpresa é a mesma que a minha. Fecho a porta atrás de mim me mantendo a uns passos longe deles.

— Pai...o que faz aqui? — David pergunta nervoso, olha para mim como se ordenasse que eu fosse para o seu lado. Faço o que acho que ele quer, ando até eles e paro do lado do David.

O que esse homem está fazendo aqui?

— Vocês já estão casados a quase um mês... – fala Anthony. Até a voz dele me agonia — Tenho um presente para vocês. Posso me sentar não é? — senta no sofá sem esperar uma resposta.

Eu e David não conseguimos falar nada. Anthony estende uma sacola para mim, demoro para receber, só faço  quando David toca minhas costas de leve.

Pego na sacola a abrindo de imediato. Há um teste de gravidez nela, olho para o Anthony com o cenho franzido.

— O que significa isso?  – pergunto sem perceber.

— Faça — sorri de lado.

— Porquê? Eu não estou grávida – falo seria. O sorriso do Anthony morre e David só falta lançar lazer na minha direção de tanto que me encara, parecendo irritado.

O que?

— Não está? – Anthony se levanta novamente — Acredito que estejam trabalhando para isso, não é? – olha para David que engole seco — Não estão aqui esse tempo todo para nada, ou acham que estão de férias com tanta coisa para fazer lá fora?

Então é isso. Estou esse tempo todo aqui porque eu tenho que sair daqui grávida.

Já desconfiava disso, porém precisava de confirmação.

— Claro que sim pai – David responde sem exitar — O que Akira quer dizer, é que não sabe se está grávida. Ela vai fazer o teste agora mesmo.

Não sei se estou grávida, pelo menos não sinto nada que me faça suspeitar de uma possível gravidez.

Tenho a certeza que não estou grávida.

— Mas... – tento falar, porém Anthony me interrompe imediatamente.

— Como ousa contestar uma ordem do seu marido? — Anthony me olha com raiva, desprezo, sei lá. A sensação que tenho é que ele não me suporta – Com quem acha que está falando vadia?

David parece nem saber o que dizer, seu semblante parece de alguém com medo assim como eu.

— Anda logo – diz David por fim parecendo retomar o controle de si mesmo — Faça o teste antes que eu perca a paciência com você!

Começo a andar em direção ao banheiro imediatamente. O David que vi agora, não é nem sombra do David que conheci nessas semanas que ficamos aqui. Entendo sua posição perante o pai dele, mas não consigo deixar de ficar com raiva com ele me olhando com frieza igual o imbecil do Anthony me olha.

Odeio o Anthony com toda a minha alma!

Faço o teste mesmo sabendo que o resultado será negativo. Os minutos de espera são infinitos já que nem eu sei realmente se estou grávida. Meu coração b**e freneticamente a medida que as linhas daquele objeto de plástico se formam.

E  se eu estiver grávida, o que vai acontecer? O que vai acontecer com essa criança?  Sinceramente, nunca pensei em ter um filho. Sabia que um dia teria um, mas não pensei que seria nessas circunstâncias. Sabia que ia casar com David e tudo mais, mas em nenhum momento pensei em filhos.

Nunca ouvi nada sobre engravidar na lua de mel, tenho certeza que nunca ouvi, mas porque Anthony tem tanto interesse nisso ao ponto de vir até aqui? São horas de carro para vir aqui por um motivo tão bobo.

Olho para o teste minutos depois  com o coração na mão, há um risco vermelho nele, não sei se é positivo ou negativo. Nunca fiz teste de gravidez na minha vida.

Será que é positivo? O risco está vermelho demais.

Meu Deus!

Eu estou grávida!

Uma lágrima cai de meus olhos sem que eu possa controlar, minha mão começa a suar na hora.

Porque eu estou chorando?

Droga!

Não sei quanto tempo fiquei girando no banheiro chorando de tanto que estava nervosa, só sei que David apareceu no banheiro e me encontrou chorando sentada no vaso.

Logo que pus meus olhos nele o abracei com força.

— David... – choro desesperada em seu peito.

— Ei, o que foi? Porque está chorando desse jeito? – acaricia meus cabelos. Há preocupação em seu tom de voz e pude sentir que o seu tom de voz também mudou desde a hora que estavamos na sala com seu pai.

— Eu estou grávida – o solto e bato em seu peito duas vezes depois de inalar seu cheiro inebriante — Você me engravidou!

— Tem certeza? Cadé o teste?  – indaga surpreso procurando o teste pelo cômodo. O acha no chão ao lado do vaso, pega nele o observa por alguns segundos e me olha estranho — E porque está chorando feito uma condenada?

Não sei.

— Eu estou grávida David, você ouviu isso?

— Você não está grávida Akira, de onde tirou isso? – agora seu semblante parece nervoso.

— O teste...o risco vermelho...ele está vermelho demais...

David parece conter o riso, suspira e pega na caixa do teste de gravidez e mostra para mim.

Olho para a caixa vendo claramente que um risco é negativo e dois riscos positivo.

Me sinto ridiculamente ridícula, sinto vontade de rir da minha cara, mas a expressão seria do David fez com que a vontade de rir passe. A única coisa que consigo é limpar minhas lágrimas ridículas iguais a mim.

— Me entenda, nunca vi um teste de gravidez na minha vida...

— Lave o rosto e  me encontre na sala, não quero deixar o meu pai irritado.

Sai sem antes me permitir dizer qualquer coisa.

Idiota.

Lavo meu rosto, pego o teste, a caixa e volto para sala. David fala qualquer coisa com Anthony, notando a minha presença os dois se calam para me olhar. O rosto de David  está tão sério que não consigo o reconhecer, parece aquele David que todos falam que é um monstro.

Daqui consigo notar o quanto Anthony é tóxico e o quanto ele faz mal para o David.

Esse homem exala maldade!

— E então? – pergunta David assim que me aproximo — Está grávida?

Ele só pode estar brincando comigo.

— Não – respondo sem rodeios.

— Como ainda não está grávida? Não é possível que ainda não esteja grávida – disse parecendo nervoso, ou fingindo estar...sei lá.

— E...eu não sei David... – ponho a maior cara de coitada que consigo.

Anthony parece não gostar de nada do que ouve.

— Tem certeza que ela não está tomando alguma coisa para não engravidar? – Anthony fala para o David, que logo me encara mais uma vez.

— Você anda tomando alguma coisa... para evitar a gravidez?

— Sabe que não – reviro os olhos e isto é o suficiente para mim sentir meu rosto arder.

Olho incrédula para a mão que bateu em meu rosto, tenho esperança que seja o Anthony.

Porém não é.

É David que tem o seu peito subindo e descendo freneticamente.

Como se não bastasse o tapa, ele ainda diz:

— Se eu descobrir que está evitando engravidar, você vai se arrepender! – aponta o dedo na minha cara — E revira os olhos para mim mais uma vez, para ver se não vai lamentar o resto da sua vida.

Aquilo me doeu mais do que uma facada.

— Eu vou voltar para a cidade, e você trate de resolver esse pequeno detalhe ou já sabe — Anthony fala parecendo satisfeito pelo tapa que recebi. Aperta o ombro de David e caminha até a saida desaparecendo das nossas vistas instantes depois.

Minha mão ainda continua no meu rosto, não acreditando que ele teve coragem de bater em mim.

— Akira...

— Não toque em mim! – me afasto dele imediatamente quando vi sua mão tentando tocar meu braço.

— Eu juro que não quis fazer isso, eu juro – não consigo olhar em seu rosto.

— Mas você fez!

Um silêncio domina a sala em que estamos. David parece nem saber o que dizer.

— Akira, você precisa ver a maneira que fala comigo na frente do meu pai, se não fosse eu, com certeza seria ele batendo em você com mais força – suspira pesadamente reprimindo os lábios.

— Preferia que fosse ele – derramo uma lágrima — Então vai ser assim? Sempre que o seu pai vier aqui você vai bater na minha cara? Eu achei que fosse diferente...

— Claro que não – se aproxima de mim, e dessa vez não me afasto — Sabe como é a minha família, eu preciso ser alguém que não sou na frente deles, preciso fingir que quero algo que não quero. Por isso, eu peço que não faça nada que possa me fazer tomar decisões pela qual vou me arrepender.

Toca o lugar onde bateu e deposita um beijo nele.

— Me desculpa, eu não tive opção – beija o outro lado da minha bochecha — Se eu não tomasse nenhuma atitude, ele com certeza faria pior com você – dá um longo suspiro se sentando no sofá em seguida — Vivi minha vida toda vendo meu pai maltratando a minha mãe. O...meu avó...ele matou a minha avô sem pudor nenhum, sem remorso...eu não quero te magoar. Não quero que me odeie como minha mãe odeia o meu pai e como a minha avó odiava o meu pai.

Fez-se um longo silêncio. Eu não quero falar nada, estou ainda sentida com a bofetada que recebi dele. Independentemente das circunstâncias este acontecimento me fez achar que ele está só fingindo para mim ser uma boa pessoa e que ele vai me humilhar na frente da família dele sempre que achar que fiz alguma coisa de mal.

Eu não quero criar esperanças e pintar um David que não existe.

— Eu também cresci vendo meu pai fazendo inferno na vida da minha mãe, isso é a realidade de todas as crianças do Líbano. Crescemos vendo maltratos e sendo maltratados.

— Infelizmente ninguém pode mudar isso – levanta novamente ficando na minha frente — Me desculpe, isso nunca mais vai acontecer.

Olho para ele com frieza, seus pedidos de desculpa não me comovem, porém meu corpo me conduz a abraça-lo.

...

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