Estamos andando a uma hora e meia, David não para de reclamar, porém eu estou adorando sentir a natureza. Estou me sentindo livre de um jeito que nunca me senti.
Esse lugar é muito lindo. A casa onde estamos é no meio da floresta, um lugar que com certeza pertence ao Líbano ou a família do David, mas isso não me impede de aproveitar a paz que esse lugar está me proporcionando.Minha barriga ronca me trazendo a lembrança de que saímos de casa sem comer alguma coisa.O barulho da minha barriga é tão alto que David para no meio do caminho e me encara com as mãos na cintura.— O que foi? – questiono sem entender seu olhar sobre mim.— Se lembrou de trazer alguma coisa para comer?Faço que não com a cabeça, ele revira os olhos e vejo sua expressão mudar de irritado, para mais irritado ainda.— Vamos voltar para casa – diz parecendo aborrecido — Lembrou da caminhada, mas não lembrou que a gente não come nada desde ontem?Verdade, mas eu estava tão empolgada que me esqueci disso.— Tem um rio próximo por aqui? – pergunto depois de ouvir o som de águas colidindo, ignorando tudo o que ele disse.— Sim, mas... – sem esperar ele terminar de falar, corro na direção do som das águas.O rio não é muito distante de onde nós estamos, por isso não tive que correr por mais de dois minutos, é só alguns segundos, ultrapasso algumas árvores e ali está o rio. Lindo!Sem pensar tiro os meus sapatos e deixo que os meus pés toquem a água da beira do rio, que está fresca e convidativa.Me sinto muito bem, a sensação de estar livre é ótima, tanto que me apetece ficar nesse lugar para sempre.— Akira! – ouço a voz grave do David. Por pouco me esqueço que ele está comigo.— Vem David, a água está...— Só vou dizer uma vez, saí daí agora!— Mas...— Agora!O sorriso em meu rosto morre na hora que ouço o Tom de voz que David usa, acompanhado da sua expressão nada agradável. Aquela expressão é do David que vi no nosso casamento, é a expressão do David que vi a vida toda. Saio imediatamente da água, coloco os meus sapatos e caminho até ele.David não se aproxima muito de onde está o rio, fica a uma distância considerável, uma que não vê nem metade da vista do rio.Quando chego perto dele, percebo que seu peito desce e sobe freneticamente como se tivesse corrido durante horas.— David o que...— Vamos!Sem olhar para mim virou de costas para dar seguimento ao caminho de volta para casa. Não percebo o que o irritou tanto, porém não pergunto nada e só sigo atrás dele. Ele parece muito chateado, talvez seja porque o obriguei a vir até aqui e ele cansou, ou porque saí correndo sem deixar que ele terminasse de falar, sei lá, a única coisa que sei é que nunca vi David desse jeito. Contando que estamos casados a 1 dia.O trajeto para casa é em puro silêncio, David não olha para mim e nem para nenhum outro lado.Chegamos em casa pouco tempo depois, ele não falou nada até agora, chegou e se trancou no banheiro. Estou sentada na cama esperando ele sair do banho para perguntar o que fiz de errado.Demora uma eternidade, mas por fim ele saí ainda com seu rosto emburrado.Me levanto ficando na sua frente.— Eu fiz alguma coisa de errado? Porque ficou desse jeito?— Vá tomar banho e desça para tomar o café ou almoço, sei lá que horas são agora – passa por mim indo pegar qualquer coisa para vestir no guarda roupa.A voz dele soou fria e grossa, sinceramente nem parece o David de antes de eu entrar naquela água.— Se fiz alguma coisa, me diga! – minha voz sai mais alta do que prevejo. David se vira para mim imediatamente esboçando uma expressão ameaçadora em seu rosto.Me encolho quando vejo ele se aproximar e sem que eu preveja pega o meu braço com alguma força. Seus olhos azuis se tornam cinza no momento, sinto um medo dele que nunca senti antes, até meu coração está errando as batidas.— Se ousar gritar comigo mais uma vez, você não vai gostar muito do que vai ver – suas palavras congelam meu fígado na hora, sinto vontade de chorar, porém não faço. Encaro David tentando achar o homem carinhoso que ele demonstrou ser, mas só vejo escuridão em seus olhos.— Me...desculpe – digo. Ele me solta e vai novamente em direção ao guarda roupas sem olhar para mim uma única vez. Só quando ele se afasta completamente consigo respirar em condições. Solto um suspiro tão alto que me faz saber que enquanto David estava perto de mim eu estava prendendo a respiração.Não entendo nada do que se passa, agora só consigo ficar com medo dele e mais nada.Corro até ao banheiro trancando a porta de seguida. Uma lágrima que tanto segurei cai assim que me vi sozinha naquele recinto.Por um segundo pensei que David bateria em mim, por uma ação sem explicação ele fez com que toda confiança que me passou morresse.Entro no box e deixo que água gelada caia sobre o meu corpo quente pelo medo que David me fez sentir.— Os homens do Líbano são todos iguais – falo para mim mesma — Fui burra em não perceber que David estava só encenado.Por mais que tente não consigo entender porque ele ficou transtornado daquele jeito, o que foi que eu fiz de tão errado?Termino meu banho, pego uma toalha e saio do banheiro, não encontro David no quarto e agradeço mentalmente por ele não estar lá.●●●Já é outro dia, e o clima não está diferente. David não fala absolutamente nada, dormimos na mesma cama, mas parecia que estava sozinha porque David não fez nada para que eu notasse sua presença. Nossa primeira noite numa cama juntos foi um autêntico fiasco.Tinha me esquecido que estou dentro do Líbano, que devo ser submissa ao meu marido e nunca na minha vida gritar com ele. Deve ser por isso que David está fingindo que não existo, por eu ter gritado com ele. Em outras circunstâncias eu estaria cheia de hematomas só por gritar com ele.— Eu não queria assustar você – diz pela primeira vez, sua voz parece mais calma e leve.Mas assustou!— Mas assustou!– era para ser um pensamento.Eu e essa minha boca que não sabe ficar calada...— Akira, eu odeio esse lugar – diz largando o garfo em sua mão, olhando de seguida para o meu rosto — Você não tem noção...estou aqui porque é uma regra...eu odeio esse lugar, odeio aquele rio com toda a minha alma!David fica tenso, sua testa se enche de rugas e não sei se é impressão minha, mas percebo que ele está segurando o choro.Fico curiosa para entender porque ele odeia tanto esse lugar. Não parece ter nada de errado aqui.— Porque disso?— Não importa, só não quero voltar para lá. Ficar dentro da casa é uma coisa, sair dela e ficar andando por todos os lugares daqui já é demais. Tudo aqui me trás lembranças, coisas que não gosto de lembrar.— Devia ter me dito, teríamos evitado toda essa situação.— Faz anos que não venho aqui, muitos anos. A última vez que estive aqui era uma criança, mas a única coisa que não sai da minha cabeça é aquele rio, ele está desenhado na minha mente...— Me diz porque disso, você...— Me desculpe por ter apertado seu braço – me interrompe — Akira a última coisa que quero nessa vida é te magoar, você é pura demais.Estamos na sala enquanto almoçamos, é David que preparou a comida e colocou uma mesa bonita para a gente. Nunca pensei que ele soubesse fazer algum tipo de comida.Ouvindo suas palavras, sinto uma vontade de o abraçar porque sinto que ele precisa e é mesmo isso o que faço. Levanto da cadeira, puxo sua mão para que ele se levante e assim que seu corpo fica reto na frente do meu que é duas vezes menor que o dele, o abraço forte, demora um pouco, mas logo ele retribui.— Não sei nada do que se passou aqui, mas sinto muito – digo tentando o confortar. Ele nada diz, suas mãos sobem da minha cintura para o meu rosto.David e eu nos encaramos muito próximos pela primeira vez, consigo sentir sua respiração travando uma batalha com meu rosto, sua respiração quente abrange meu rosto me causanso arrepios, uma sensação que nunca senti antes.David cheira meu pescoço e deposita um beijo leve nele, e faz isso com a minha orelha e cabelos também.Era como se ele pedisse permissão para me beijar ou algo assim, portanto não êxito, pois sinto que ele quer me beijar tanto quanto eu quero que ele me beije.— Me beija Dav...Sem que eu termine de falar o seu nome, seus lábios vão de encontro aos meus pela primeira vez depois do casamento. Um beijo suave e delicado que no início é estranho, que no início é calmo e que depois se torna em algo rápido e cheio de paixão, não só vinda dele, mas também de mim.Num segundo estamos de pé no meio da sala, e no outro estámos deitados no sofá, ele em cima de mim me beijando com vontade e eu passando minhas mãos em suas costas.Eu sei o que vai a acontecer, mas não posso parar porque já estamos totalmente entregues um ao outro.Não digo que foi um dos melhores momentos da minha vida, até porque era virgem e aquilo não foi pouco doloroso. Mas a forma carinhosa que David fez tudo, com certeza não fez a dor diminuir, mas me deixou um pouco relaxada nos primeiros momentos.Com certeza foi desse jeito que sempre sonhei em perder a minha virgindade.[•••]Passaram-se algumas semanas desde que eu e David nos casamos, desde aquele dia que não vejo mais ninguém ou voltamos a colocar os pés na cidade. David disse para mim que é uma regra que temos que cumprir, não me falou do porque termos que seguir essa regra absurda, mas não questionei até porque está sendo maravilhoso ficar aqui com ele. Embora ele tenha que sair algumas vezes, para onde não me diz.Estou deitada na cama quando ouço o barulho da porta sendo aberta, corro para baixo e vou recebê-lo. Uma das regras que eu tenho que cumprir é de sempre receber o meu marido quando chegar em casa.Pelo menos essa vou cumprir, até porque a melhor parte de quando ele saí, é quando ele volta.— Boa noite – dá um beijo em minha bochecha — Como foi seu dia?— Boa noite. Um tédio sem você, e o seu?— Cansativo – tira o casaco e o coloca em cima do sofá — Estou morrendo de fome.— Vamos jantar então? — Queria jantar você primeiro – diz me arrancando um sorriso envergonhado, minhas bochechas ar
Eu gostaria tanto que tudo fosse diferente, que tivesse tendo um filho por vontade própria, mas não, estou tendo um filho porque terceiros querem isso.Isso não entra na minha cabeça. Olho para o teste a minha frente com o coração na mão, eu já sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, mas preferia que fosse mais tarde, muito tarde. É o quinto que faço e todos dizem a mesma coisa.Estou grávida! Saio do banheiro, levando todos os testes para David que me espera no quarto, acredito que tão ansioso quanto eu estava quando fiz o primeiro e o segundo teste.— E então? – Pergunta eufórico. Não respondo, somente entrego os testes para ele. — Achei que isso nunca aconteceria – sorri satisfeito — Ainda bem que engravidou logo. Não estava aguentando mais meu pai e nem meu avô com essa história de herdeiro o tempo todo – me abraça por longos segundos e deposita um beijo em minha testa — Obrigada – sussurra.Quero estar feliz como ele, mas não consigo.É só isso o que interessa par
Como uma criança é morta para agradar seres que nem sequer existem?Onde que está o sentido de humanidade dessas pessoas? Como as pessoas têm coragem de tirar a vida de um ser que nem sequer conheceu o mundo? Um ser que merece viver tanto quanto qualquer outra pessoa?— Sim querida. É algo que acontece há muitos anos, não foi sempre assim, mas por motivo de força maior tiveram que adotar essa regra no Líbano.— Pare de falar como se isso fosse algo normal, porque não é! — Levantei da cama irritada. — Eu não vou aceitar isso do mesmo jeito que você aceitou, nenhum motivo de força maior é desculpa para tamanhas barbaridades. — Vê como fala com a sua mãe Akira! — Meu pai entrou no quarto. — Há regras no Líbano que estão muito acima de qualquer desejo nosso e mesmo que isso seja cruel, é assim que deve ser. — Completou cruzando os braços. Edward nos olhava com cara de perdido, não sabia em que momento intervir. — Não há nada que possamos fazer. — disse minha mãe.Sempre pensei que ela
— Anda Akira!— Não aguento mais. — Me joguei na grama totalmente ofegante.— Deixa de ser preguiçosa.— Já nem sei se isso é uma casa ou um quartel general, que mal eu fiz para você? Porque me odeia tanto?— O doutor disse que precisa fazer exercícios.— Não me interessa o que o imbecil desse doutor falou. David me fez acordar seis horas da manhã, seis horas da manhã, já disse seis horas da manhã? Ainda mais para ficar correndo pelo quintal feito louco, sem esquecer que estou grávida e tenho uma barriga que me impossibilita até de fazer tudo.— Para de fazer drama porque você nem está correndo, a gente está andando.— Me deixa quieta aqui.— Você precisa fazer pequenos exercícios para não ter complicações no parto. — Se jogou do meu lado. — Eu tinha que trabalhar, mas estou aqui com você.— Vá trabalhar, eu não pedi para ficar me vigiando.— Não estou te vigiando, estou te protegendo de você mesma. — Como vai chamar ele? — Mudei de assunto para ver se ele parava de me obrigar a faz
Os meses passavam rapidamente e cada vez mais, o nascimento do meu filho se aproximava. Estava agora com cinco meses de gravidez. Eu e David estavamos a caminho do hospital a fim de fazer ecografia para sabermos o sexo do bebê. Estou com o coração na mão, não quero nem pensar o que vai acontecer caso seja uma menina. É fato que não quero ter esse filho nessas condições, essa gravidez está me fazendo muito mal, meu psicológico está fodido com a ideia de que alguém possa tirar minha bebé de mim.— Prontos para saber o sexo? — A doutora perguntou sorridente. — Claro doutora Merlin. — Respondeu David. David exigiu que fosse uma mulher a fazer minhas ecografias, segundo ele, o único homem que pode me tocar é ele, é uma regra.Estou cansada dessas regras, cansada de tudo.E para piorar David está mudando, seu humor muda a toda hora. Uma hora está sorridente e na outra com a cara fechada, eu é que estou grávida e as mudanças de humor está todas com ela.— Então aqui vamos. — Passou um g
4 meses depois.Nunca imaginei que colocar um ser no mundo fosse tão doloroso, doloroso é pouco, é mortífero. Agora mais do que nunca eu respeito as mães, é preciso ser muito forte para colocar um ser no mundo.- Se acalme por favor, tudo vai ficar bem. - David segurou minha mão tentando me confortar. Me acalmar? Estou quase tirando todos os meus órgãos fora do corpo e ele me pede para ter calma?! Estávamos no hospital a duas horas, estou prestes a ter o bebê, minhas contrações estavam no vai e vem, mas nada do bebê sair, estou quase desmaiando de tanta dor. - Sei que essa dor é muito grande, mas calma por favor. - Sabe? Por acaso já ficou grávida alguma vez? Não me fode o juízo! Se eu falasse assim com ele em uma situação normal, era capaz dele me bater tanto que nem sentiria minhas pernas. Me deitei na cama novamente e deixei que as lágrimas caíssem, não aguento mais essa dor. David está ao meu lado, mas eu estou com tanta raiva dele que nem quero que ele chegue perto de mim.
3 meses depois. Desçi do carro, logo corri para dentro de casa por conta do frio. Já anoiteceu e eu preciso me apressar porque David já deve estar irritado de tanto que demorei no salão de beleza. Assim que entrei David estava sentado no sofá, mexendo no celular. Ele estava vestido com um terno preto, camisa social branca e uma gravata de laço azul marinho. Olhou para mim de relance e logo voltou a atenção no celular. — Tem 30 minutos para se arrumar. — Disse curto e seco como sempre. — Não demore. Passei por ele revirando os olhos e subi as escadas. Passei bem rápido no quarto do Kamil para ver como ele estava e dar um beijo nele antes de sair. Ele já tem 6 meses, está crescendo muito rápido e lindo como o pai dele, meu filho é uma pequena cópia do David, a cor azul dos olhos, o cabelo preto, o nariz, a boca, tudo. Parece mais filho dele do que meu. Encontrei a babá sentada na poltrona lendo um livro, enquanto Kamil dormia no berço. Ela não é uma babá fixa, ela vem somente quan
Busquei forças do além e tentei ficar o mais normal possível. David parou do meu lado e Lionel do lado de Rubi que endireitou a postura logo que Lionel chegou perto dela. É agora que ele me mata! Como eu vou levantar daqui sendo que estou bêbada? Bêbada? Nunca pensei que ficaria bêbada, ainda mais numa festa onde estão todos os líderes do Líbano. — Eu e Rubi vamos cumprimentar outros convidados. — Lionel disse e imediatamente Rubi se pôs em pé me pedindo desculpas com os olhos. — Foi bom conhecer você Akira. — Rubi disse e logo foram embora.David sentou na minha frente e me encarou confuso. — O que houve? — Está bebendo? — Olhou para o copo vazio do meu lado. Meu corpo gelou na hora. — Eu?... claro que não... eu... eu nem gosto de beber, esse copo é da... Rubi. — Da Rubi? E esse copo que está aqui? — Levantou o copo que Rubi estava bebendo. — Os dois são da Rubi? Que burra Akira! — Sim! — Falei alto. — Ela estava bebendo os dois, aí como o garçom não veio pegar...ela...ela