Capítulo 06

Como uma criança é morta para agradar seres que nem sequer existem?

Onde que está o sentido de humanidade dessas pessoas? Como as pessoas têm coragem de tirar a vida de um ser que nem sequer conheceu o mundo? Um ser que merece viver tanto quanto qualquer outra pessoa?

— Sim querida. É algo que acontece há muitos anos, não foi sempre assim, mas por motivo de força maior tiveram que adotar essa regra no Líbano.

— Pare de falar como se isso fosse algo normal, porque não é! — Levantei da cama irritada. — Eu não vou aceitar isso do mesmo jeito que você aceitou, nenhum motivo de força maior é desculpa para tamanhas barbaridades.

— Vê como fala com a sua mãe Akira! — Meu pai entrou no quarto. — Há regras no Líbano que estão muito acima de qualquer desejo nosso e mesmo que isso seja cruel, é assim que deve ser. — Completou cruzando os braços.

Edward nos olhava com cara de perdido, não sabia em que momento intervir.

— Não há nada que possamos fazer. — disse minha mãe.

Sempre pensei que ela fosse contra isso, mas vejo que estou sozinha nisso tudo. Não há nada que eles possam fazer, mas eu nunca vou permitir que minha filha seja morta por motivos tão banais como esses, primeiro vão ter que me matar, só assim alguém poderá tocar na minha filha.

— Seu casamento precisa dar certo filha. — Foi a vez do meu pai falar, sua voz saiu tão calma que me fez franzir o cenho. — Deve obedecer às regras.

— E quem disse que eu quero que esse casamento dê certo? — Questionei irritada. — Vocês imaginam a pressão que é ser casada com o  David? O Anthony nunca vai nos deixar em paz, seremos seus brinquedos!

— Cuidado com o que fala! — Apontou o dedo na minha cara. — Se continuar desse jeito vai acabar morrendo nas mãos do Anthony ou do próprio David.

— Gente ficar discutindo não vai resolver nada. — Interviu Edward pela primeira vez. — Temos que entender a situação da Akira, ela está sofrendo agora que sabe que vai ter um filho e que pode perder ele.

— Ela tem que obedecer se não morre, porra! — Gritou meu pai. — E Edward não se meta nesse assunto, a culpa da Akira ser assim é totalmente sua e de Rani, se não tivessem sempre passando pano nas borradas dela, nada disso estaria acontecendo!

Edward calou imediatamente.

— Prefiro morrer, a ter que permitir que matem minha filha. E não vem aqui dar uma de preocupado agora, porque foi você que me entregou de bandeja para aquela família.

Nunca falei desse jeito com meu pai, mas eu estou farta de toda essa merda.

— Akira por favor, você não tem que se rebelar perante ao Líbano e precisa aceitar seu destino. — Disse minha mãe.

Meu destino? É sério que Rani está me dizendo isso? Isso é um destino que eles mesmo escolheram para mim, eu nunca quis nada disso.

— Infelizmente, eu sou filha de um ancião do Líbano e nem por isso fui morta.

— Seu caso é diferente porque... Eu tive... Gêmeos. — Rani baixou a cara, me fazendo ficar  boquiaberta. — Além disso, seu pai é ancião, não um líder do Líbano e essa regra só se aplica aos líderes.

Meu pai saiu do quarto batendo o pé.

— Robert fica muito abalado com esse assunto. — Completou Rani. — A morte prematura do seu irmão foi muito dolorosa.

Ai algo que eu nunca imaginei presenciar, meu pai abalado. Mas como assim ela teve gêmeos e eu nunca soube disso? O que mais falta eu saber?

— Gêmeos? — Eu e Edward, perguntamos ao mesmo tempo.

— Sim, mas seu irmão gêmeo teve uma parada cardíaca quando tinha 2 anos e morreu. — Limpou as lágrimas que tentaram cair. — Seu pai ficou transtornado e mandou que fossem retiradas todas as fotos, ou qualquer vestígio de que ele alguma vez existiu.

— Porque não me contaram nada? Eu não me lembro de ter tido um irmão.

— Para que? Você era muito pequena e nem se lembraria dele.

— O que está acontecendo com você mãe? — Perguntei tentando entender suas atitudes. — Não estou te reconhecendo.

— Filha, existem coisas que necessitam do nosso sacrifício e a única coisa que eu e seu pai aconselhamos, é que tente obedecer o David, além disso, você é muito jovem e pode ter outros filhos.

O que ela está dizendo? Como ela me diz isso?

— Vocês são piores do que eu imaginei. — Peguei minha bolsa e sai correndo dali.

Onde é que eu vou me colocar? Quem eu devo confiar? Minha própria mãe está me dizendo coisas que jamais pensei ouvir dela. Eu pensava que ela também fosse contra sobre as maldades do Líbano, mas é evidente que meu pai tem o pleno domínio sobre ela. Se algum dia tiver que fugir, é fato que ela não vai aceitar ir comigo e é bem capaz de me denunciar alegando que está salvando a minha vida.

— Akira espera! — Edward veio correndo atrás de mim. — Espera menina! —  Segurou meu braço e eu o encarei.

— O que posso fazer? Eu preciso sair dessa casa se não vou enlouquecer. — O abracei chorando. — Eu achava que Rani estava do meu lado, mas de repente ela começou a concordar com tudo que o papai fala.

— Vamos até o café da esquina? — Minha barriga logo roncou, me fazendo lembrar que não havia comido nada desde manhã. 

— Tá. — Limpei minhas lágrimas e saímos de casa.

David havia me dito para esperar ele me buscar, então ainda terei tempo de comer alguma coisa. Edward estacionou o carro de frente ao café que não ficava muito distante de casa, mas eu tinha preguiça de andar, então fomos de carro mesmo.

— O que vão querer? — Perguntou o atendente simpático.

— Duas roscas, uma fatia de pizza, uma tosta mista, dois croissants e um sumo de laranja. — Fiz meu pedido, Edward riu com a cara que o atendente fez.

Que?

— Ela está grávida. — Justificou Ed rindo e o atendente sorriu de lado assentindo. — Eu quero um suco de laranja e uma tosta mista.

— É para já. — Saiu em busca dos nossos pedidos.

Esperamos uns dois minutos e ele apareceu com os nossos lanches.

— Estava morrendo de fome. — Disse assim que terminei de comer tudo que havia pedido.

— Realmente, até parece que não come há semanas. 

Só ele consegue me fazer sorrir verdadeiramente, só nele eu confio minha vida, já que minha mãe decidiu ser adepta do meu pai.

— O que queria me contar?

— Akira, não fique com raiva da mamãe, ela te ama muito e se ela está agindo assim é por um motivo.

— Qual motivo? Ela era minha tábua de salvação e agora está falando que nem o papai.

— Eu não sei. — Coçou a cabeça e eu soube na hora que ele estava mentindo.

— Fala a verdade para mim!

— Eu juro que não sei, o papai nunca deixa eu ouvir alguma conversa dele com a sociedade demoníaca. — Suspirou. — Mas sei que tem algo muito grave acontecendo, porque Rani está muito estranha e Robert mais manso que nunca.

Meu pai manso? Preciso ver para crer.

— Seja o que for que eles estão escondendo, eu vou descobrir. — Falei determinada olhando para o relógio em meu pulso. — Me leva para casa, David já deve ter chegado para me buscar.

— Não tens noção do quanto eu te amo, você é a coisa mais pura que existe em minha vida. — Apertou minhas bochechas e eu revirei os olhos. — Amo ver você sorrindo. — Me abraçou e eu retribui. — E é assim que sempre quero te ver, rindo.

— O que é isso!? — Uma voz grave soou atrás de mim, olhei para trás e David estava lá com os braços cruzados e me lançando um olhar de reprovação.

— David querido! — Soltei Edward e andei até ele. — Como me achou aqui?

— Vamos para casa. — Deu as costas e saiu do café.

O que deu nele?

— Já vi que hoje não é o meu dia. — Suspirei pesadamente.

— Não disse que ele era boa pessoa?

— É, talvez.

Peguei minha bolsa, sai do café e avistei o carro de David estacionado a poucos metros, andei até ele e entrei.

— O Ed é meu primo, já deve conhecer ele. — Falei assim que ele deu partida.

— O que as pessoas vão pensar vendo aquela cena?

Ham? Porque ele está falando assim comigo?

— Ele é meu primo, as pessoas não têm que dizer nada.

— Eu já disse que deve repensar suas atitudes perante as pessoas, só isso o que eu te peço.

Não falou mais nada. Percorremos todo o caminho em silêncio e assim que chegamos em casa ele se trancou no banheiro.

[•••]

Acordei sentindo muita dor no corpo todo e a minha cabeça latejava, olhei ao redor procurando ele, mas a única coisa que vi foi a garota que seria minha acompanhante sentada na poltrona do meu lado.

Senti uma dor forte em meu baixo ventre assim que tentei sentar.

— A senhora acordou, vou chamar o senhor Baker. — Levantou indo até a porta.

— Não. — Sussurrei, ela parou no meio do caminho. — Venha aqui.

— O senhor Baker está no seu escritório, a senhora não parece bem... — Andou até ao meu lado.

— Qual o seu nome mesmo?

— Emma, mas eu prefiro que me chamem Emily.

— Eu posso confiar em você?

— Claro que sim.

— Ainda bem, agora pode chamar o David.

Ela assentiu e saiu do quarto, minutos depois David entrou.

— O que está sentindo? Quer ir ao médico? Emma me disse que está passando mal.

— Não, eu estou bem. 

— Você não está bem, está muito pálida, vou ligar para o doutor.

Levantou e pegou o seu celular.

Estou sentindo algumas dores, dores fortes. Ele tem razão, eu não estou bem. David terminou de falar com o médico e ficou me perguntando de segundo a segundo se estava bem.

Algum tempo depois o doutor apareceu e me examinou.

— A senhora tem pouco tempo de gravidez e parece que está se alterando muito. Sua gravidez é de risco, então terá que ter muito cuidado com tudo o que faz.

— Ela terá. — Respondeu David.  

— Se não tiverem cuidado, é bem provável o descolamento da placenta. Deve ter muito cuidado com ela senhor Baker, vou deixar a receita e a senhora não poderá comer alimentos muito pesados, uma dieta agora faria muito bem para o bebê, dieta e exercícios físicos bem leves durante a manhã.

— Tudo bem doutor, nós vamos seguir com tudo o que o senhor mandar.

David foi acompanhar o doutor até a porta e eu fiquei no quarto. Já não basta estar grávida e ainda tem que ser de risco? Que merda!

— Ouviu o doutor? Nada de esforços e nem estresse.

— Porque não me contou? — O encarei seria.

— Contar o que? — Fez uma cara de confuso.

— Que se eu estiver grávida de uma menina eles vão mata-la?

— Não pensa nisso agora Akira — Sentou do meu lado na cama. — Eu não queria te deixar nervosa.

— Como não vou pensar nisso? Eu vou carregar uma criança nove meses para que ela seja morta? É isso?

— Você não pode se estressar, por favor, eu vou falar sobre isso com você, mas não agora, por favor.

Decidi me calar, ele não quer me falar sobre isso. O jeito como ele foge da conversa já diz tudo, mas eu não vou permitir que minha filha seja morta por nada, isso se estiver grávida de uma menina.

[•••]

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