A porta do escritório abriu automaticamente, subindo a estrutura de metal que a separava do corredor. Marco entrou na frente e reverenciou o Imperador. Enquanto os guardas arrastavam a garota para dentro da sala com ela se debatendo, depositou uma pequena estrutura de metal sobre a mesa. Seu olhar curioso foi pego.
— O que é isso? — Questionou, embora imaginasse a resposta correta.
Ao ouvir sua voz, a garota pareceu se debater ainda mais. Estava vendada, para alívio do Imperador. Não sabia o quão infectada estaria com mentiras e histórias exageradas e sabia que sua nave e seu escritório não eram de muita ajuda.
Os soldados que a carregavam também não eram.
Os rapazes reverenciaram-no como podiam e forçaram a garota selvagem a ajoelhar ao chão para contê-la.
Havia um olhar de admiração contida no Imperador.
-z Arma de fogo, estava em posse dela. Jefferson também tinha uma, mas se rendeu assim que os encontramos — Marco relatou. A garota voltou a se debater com ainda mais força ao ouvir o nome do companheiro. O Imperador a olhou, dividido entre a curiosidade e o pavor. — Ela é louca — Marco acompanhou o olhar de seu supervisor e suspirou. — derrubou uns cinco recrutas. Atirou em alguns deles, mandei dois feridos para a enfermeira.
A garota rosnou um xingamento e tentou se soltar dos recrutas que a seguravam. Com uma certa brutalidade, eles a empurraram de volta ao chão, curvando-a ainda mais à presença do Imperador, que arregalou os olhos e levantou a mão direita, pedindo calma.
— Temos uma lutadora, então? — o Imperador perguntou, com um sorriso breve em seu rosto.
— Uma selvagem, Imperador — um dos recrutas respondeu, sob as risadas dos demais.
A garota parou de se debater por uns instantes, parecendo congelar ao ouvir seu título. Ele esperou que ela começasse a chorar de medo, mas, para sua surpresa e apreciação, cuspiu em sua direção, aos seus pés.
— O planeta vai matar vocês — ela profanou, raivosa, a voz trêmula, mas decidida. — Não sei o que querem aqui, mas não vão conseguir. Vão morrer todos.
A ameaça dançou na sala pelo silêncio que se seguiu. Eles sabiam que era verdade. Havia um pouco de radioatividade aqui e ali por todo o universo, mas a Terra era mortal para a maioria dos extraterrenos com suas taxas de radioatividade no topo do termômetro de Hutchinson.
Mesmo assim, o Imperador sorriu. Aquela garota não sabia de suas reais intenções e ele compreendia que estivesse tão equivocada com sua visita. O destino não tinha sido gentil à garota e ao seu planeta. Houveram muitos equívocos e ela não tivera acesso aos fatos. Não culpava sua raiva, tinha visto o que restava do planeta e sabia muito bem o que diziam sobre a dominação do Imperador...
Não que fossem de todo mentiras: seu tio tinha sido um tirano em seu tempo. Porém, muito exagero foi passado pelas histórias. Ele tinha certeza que era o primeiro Imperador a ter coragem o suficiente para se aproximar daquele pequeno planeta perigoso e de seus seres autodestrutivos.
Mesmo aquela garota selvagem e corajosa
... Cuspir aos pés do Imperador do universo poderia lhe custar a vida. Os soldados a apertaram e seguraram com ainda mais força, temendo que ela se soltasse e, mesmo vendada, atacasse seus superiores. Ela realmente deveria tê-los dado um mal momento para que temessem tanto uma pequena garota.
O Imperador não tinha medo, porém. Passara pelo seu próprio pesadelo e moldado seus músculos em ferro e fogo. Não era qualquer pessoa que conseguia lhe derrubar. Talvez a garota lhe desse um mal momento, também, mas achava que a venceria por ter sido treinado em um ambiente de maior gravidade que ela.
Ele se aproximou da figura zangada e contida que arfava de raiva a cada puxão frustrado para que se soltasse. Ele podia tirar a venda e terminar com seu sofrimento naquele momento, mas não queria que ela lhe visse vestindo o manto do título que ela tanto odiava. Precisava que ela lhe desse o benefício da dúvida.
Não pôde se conter, porém. Ajoelhou-se na frente dela e encarou suas feições. Sua mão foi instintivamente ao queixo da mulher à sua frente e ergueu seu rosto para a sua admiração.
Durou apenas um segundo antes que seus dentes fincassem em seu indicador.
— Pelo Universo! — ele rosnou, afastando a mão dela e a sacudindo para amenizar a dor da mordida.
A garota gargalhou. Marco, em pé ao seu lado, tossiu duas vezes para disfarçar o riso. O Imperador acabou por soltar duas pequenas risadas com a situação.
A mulher fechou a cara ao ouvir seu riso, a mordida tendo o efeito contrário ao que ela queria. Tentou aproveitar o momento para se soltar mais uma vez, mas não conseguiu.
O Imperador percebeu que estava pedindo demais de seus recrutas e a qualquer momento ela poderia se soltar e fazer uma confusão.
— Levem-na para o setor dois — ordenou.
— Senhor? — Um dos soldados perguntou, questionando a ordem. O setor dois era reservado para o Imperador e suas visitas mais importantes, além de funcionários diretos e de confiança, como Marco e sua esposa.
Uma prisioneira no setor dois? Era algo para se questionar.
— Setor dois — repetiu, em um tom que não restou dúvida alguma aos subalternos.
Os três recrutas reverenciaram-no e começaram a retirada da mulher de seu escritório. Demorou um bom minuto até que ele e Marco ficassem sozinhos.
— Essa parte até que correu tudo bem — Marco debochou.
Era por isso que o Imperador gostava de Marco. Depois de muitos anos em porões e naves caindo aos pedaços, a amizade tinha sido inevitável. E mesmo que ele respeitasse a autoridade de seu superior, não o temia como a maior parte da frota e, se necessário, dizia-lhe umas verdades na cara.
O Imperador apenas concordou com a cabeça, perdido em pensamentos. Voltou a a olhar para a tela de vidro, que mostrava a visão do planeta abaixo de si. Marco acompanhou seu olhar.
— Como funciona o tempo nesse planeta seu? — Perguntou.
O homem suspirou.
— Irá anoitecer em breve nessa parte da Terra — disse. O céu começava a mudar de cor ao horizonte. — E você vai ver um espetáculo em verde néon.
Marco não duvidou. Os dois ficaram em silêncio por longos minutos enquanto o Imperador pensava em qual seria o seu próximo passo.
— Amanhã, na vila — disse a Marco. Logo ao nascer do Sol.
Marco concordou com a cabeça.
— Sim, senhor — e começou a se retirar.
— Marco? — Chamou-o. Seu amigo parou à porta e lhe deu atenção. — Não precisa disso quando estamos só a gente...
Marco riu e sua pose altiva desmontou um pouco para a versão relaxada dele.
— Ah, sim, claro, senhor Imperador, grande divindade do universo e dominador de mundos — debochou. O Imperador sorriu, revirando os olhos com a brincadeira. — Fica na boa, Ric. Eu vou resolver uns problemas imperiais enquanto você brinca de casinha.
O manto de Imperador tinha sido deixado para trás em algum canto da nave porque aquele pedaço da Terra era sagrado em suas memórias e ele não voltaria ali em vestes caricaturescas. Não tinha, porém, muitas opções em seu guarda roupa, não quando a realeza do universo tinha uma regra de conduta rígida que se resumia à três cores: preto, da imponência, branco, da pureza e das boas intenções, e cinza ou prateado, da eterna busca pelo conhecimento.Naquela manhã, depois de tantas notícias boas e ruins, ele decidiu usar branco. Não que se sentisse puro naquele momento, mas pela criança que tinha sido naquele lugar, tão ignorante de seu passado ou futuro, tão inocente, achando que o universo se resumia à uma pequena vila destruída em um setor abastado de Esmeralda no planeta mortal Terra, na irrelevante Via Láctea.
Aquela já era a terceira reunião desde que haviam estacionado a frota nos arredores do planeta Terra e Henrique já estava de saco cheio de ser Imperador. Mal tivera tempo de conhecer todos os líderes e capitães das naves que lhe seguiam, mal tivera tempo de fazer a limpa nos que não pareciam fiéis a causa real dos Astraregi.Mesmo em sua nave principal, com todas as restrições e seguranças, quase não conseguia um momento a sós: o seu círculo de proteção era acirrado e sempre atento para descobrir potenciais traidores dentre os que se curvaram a ele após a queda do antigo imperador.Ele mesmo ainda não tinha conseguido entender muito bem, poucos cilos atrás era chamado de traidor pelo imperador em exercício. Assim que ele e o resto da resistência o haviam deposto e tomado seu lugar, os que seguiam seu tio eram os traidores.Tu
— O que é isso? — Henrique sentiu a raiva subir assim que entrou em seu escritório.A sorte era que aquele ambiente, a sala de controle e dois dos aposentos de descanso eram preparados para variações maiores de humor do Imperador ou, talvez, um acidente teria acontecido.Lívia estava sentada em uma cadeira de frente para sua mesa, de frente para a vista da Terra, de costas para a porta, onde Henrique estava. Suas mãos estavam retorcidas em uma liga de metal utilizada para conter criminosos. Não era, exatamente, compatível com humanóides, se em contato com a pele humana por muito tempo, podia causar danos permanentes e infecção da corrente sanguínea. Nunca tinha sido testada, porém, em terrestres. E Henrique não concordava com testes, muito menos em Lívia.— Esse material não é para humanóides e se vocês estã
Havia uma mística poderosa na hereditariedade imperial da família Astraregi. O poderio armamentício e a estrutura tecnológica da frota imperial eram todos oriundos dos restos do planeta Hastraleoni, de onde eram os únicos sobreviventes com sangue puro o suficiente para controlar. O sangue em seu pai e seu tio já eram diluídos o suficiente para que achassem que o império estava acabando.Henrique, tinha descoberto ter níveis mais elevados, comparáveis às primeiras gerações de imperadores. Havia um pequeno time de pesquisadores tentando identificar as semelhanças de Hastraleoni com a Terra e o DNA humanóide dos Astraregi com o DNA terráqueo. Se isso fosse comprovado, Terra seria classificada como planeta Matriz e seria prioridade total para recuperar seus recursos.Mas alguns terráqueos já tinham subido à bordo de naves menores e não
— Era para ser mais fácil — Henrique deixou-se desabafar.Estavam almoçando em seus aposentos, algo incomum em suas rotinas. Henrique, porém, andava evitando as salas comuns; primeiro porque seu emocional não estava estável e ele preferia manter suas naves no ar, segundo porque sabia que Lívia andara aceitando sua sugestão e tinha sido vista andando pela nave e conversando com os encarregados e funcionários.Já tinham dias de seu confronto, mas Henrique prometera-lhe tempo. Ele achava que não teria muito, mas lhe daria o benefício de algum. Enquanto isso, estava o mais retroativo possível — quanto menos ela visse o Imperador em ação, mais veria o homem. Ou não?Marco comia uma mistura cor de laranja comum dos humanóides de Amerpã, mas que nunca tinha descido muito bem no paladar de Henrique. Ele estava muito satisfeito em poder
Tempo.Henrique tinha aprendido varias formas de medi-lo nos últimos anos, mas continuava a pensar em como media na Terra.Cinco anos tinham se passado desde que a inocência e a felicidade tinham sido arrancadas com brutalidade da sua vida e, agora, ele via que Lívia tivera seu próprio pequeno pesadelo.Não demorou muito para encontrá-la, era a verdade. Ele estava na primeira equipe que desembarcou na sua antiga vila. Apesar do susto dos moradores, não demoraram a dizer que Lívia tinha sido selecionada.Esse foi seu primeiro choque.Lívia não tinha chance alguma de ser selecionada quando eles se separaram. Era desengonçada, não sabia mirar a arma direito e ficava chateada com toda competição que participava.Uma segunda equipe tinha ido direto à central de ataque de Esmeralda para desmontá-la e prender todos que compactuaram com aqu
— Fiz o que era necessário — ela se defendeu.— Eu também — Henrique se justificou.Lívia abaixou o olhar e pareceu envergonhada por um momento. As mãos soltaram-se dos braços da cadeira e se entrelaçaram em seu colo, mostrando que ela estava disposta a lhe dar o benefício da dúvida.— Eu fiquei sozinha — contou. — Queria ajudar nossos pais. Ninguém acreditou em mim sobre você ter sido levado por uma nave, rodo mundo achava que eu era maluca… Eu só tinha uma opção — Respirou fundo. — Precisava ser escolhida, precisava ir para Globo do Mar. Eu queria… Queria encontrar você.Henrique conhecia Lívia por uma eternidade e não eram cinco anos de afastamentos e mudanças que o impediam de ler suas nuances como quem lê as palavras em um livro. Por mais que ela tentasse se esco
Henrique desligou a opacidade da sua mesa e uma tela de interatividade igual ao do painel de visualização da tela se abriu. Haviam alguns arquivos que ele precisava dar uma olhada, assim como decidir qual planeta seria o próximo a receber a frota. Ou se, talvez, fosse melhor dividir a frota em alguns grupos para resolverem mais problemas de uma vez, tudo com a supervisão dele de algum ponto.Poderia ficar um pouco mais na Terra se enviasse um grupo ou dois para planetas que estivessem com problemas menos acentuados. Assim conseguiria tempo.Mandou um recado com a sugestão para Marco e Durquato. Saberia em breve se seria plausível.Por enquanto, resolveu abrir um relatório da equipe de cientistas que estava em campo, estudando os terráqueos e a radioatividade. Uma amostra de planta tinha ganhado espaço em seu escritório, além de alguns presentes que ganhara de antigos colegas. O espa&cce