O manto de Imperador tinha sido deixado para trás em algum canto da nave porque aquele pedaço da Terra era sagrado em suas memórias e ele não voltaria ali em vestes caricaturescas. Não tinha, porém, muitas opções em seu guarda roupa, não quando a realeza do universo tinha uma regra de conduta rígida que se resumia à três cores: preto, da imponência, branco, da pureza e das boas intenções, e cinza ou prateado, da eterna busca pelo conhecimento.
Naquela manhã, depois de tantas notícias boas e ruins, ele decidiu usar branco. Não que se sentisse puro naquele momento, mas pela criança que tinha sido naquele lugar, tão ignorante de seu passado ou futuro, tão inocente, achando que o universo se resumia à uma pequena vila destruída em um setor abastado de Esmeralda no planeta mortal Terra, na irrelevante Via Láctea.
Enquanto seus dias se resumiam à uma rotina prazerosa e infantil com a garota para quem dera seu coração, do outro lado do universo havia todo um plano para resgatá-lo da irrelevância e colocá-lo no centro da resistência contra o poderio tirânico de seu tio.
A inocência de Henrique findou-se poucos sóis após ser sequestrado de sua vila e colocado em treinamento para assumir seu lugar. O tempo tinha lhe dado cicatrizes, internas e externas, que ele carregava sem orgulho.
Sua vida tinha sido injusta.
E, pelo que ele via, a de Lívia também.
Por tempo, achara que ser privado de tantas escolhas era um preço razoável pela libertação do universo. Acabara entendendo sua responsabilidade em algum momento e assumindo o peso que lhe cabia. Teria aceitado com tanta facilidade se soubesse o que tinha custado ao amor de sua vida?
Esfregou as mãos em sua bermuda. Tinha enviado uma carta para Lívia durante a noite, uma carta de Henrique, pedindo que ela ficasse calma porque poderiam se encontrar no dia seguinte. E lá estava ele, às margens do lago que tanto adoravam em sua adolescência, rodeado de guardas escondidos na floresta, esperando por ela.
A pequena nave se descolou da matriz e desceu rapidamente, aproximando-se pouco a pouco. Ele acompanhou com o olhar, nervoso, quando pousou há alguns metros de distância. A porta se abriu assim que a nave se estabilizou ao chão.
Henrique prendeu a respiração.
Dois guardas saíram à frente, posicionando-se um a cada lado da entrada da nave. Lívia desceu a rampa logo atrás, seus lindos olhos verdes curiosos, tentando entender o que estava acontecendo.
Eles a tinham vestido de branco em respeito à posição que ele estava lhe colocando, mesmo sem saber. O vestido moldava seu corpo de forma perfeita e Henrique deixou-se admirá-la por alguns momentos. A roupa estava curta — Lívia tinha crescido uns bons centímetros depois que se separaram e ele não fazia ideia.
Suas lembranças não faziam justiça ao explendor da beleza que ela era.
Procurou pelo seu rosto mais uma vez e ela lhe encarava. A boca estava aberta em um choque ele ele poderia estar compartilhando, mas tinha perdido o controle de suas emoções e expressões, então não sabia dizer.
Em um segundo, o rosto da mulher se desmanchou de surpresa para um sofrimento aliviado.
— Ric — murmurou e ele ouviu, mesmo com os metrôs que os distanciava.
Ela correu em sua direção, tropeçando em seus próprios pés e jogou-se contra seus lábios.
O beijo foi natural como se não tivessem se passado cinco anos de sofrimento desde aquela tarde quente em que foram separados. Ele a pegou pela cintura e a sustentou no ar com facilidade enquanto o beijo ganhava voracidade entre as línguas que se entendiam tão bem.
O susto de ser levantada, porém, fez Lívia soltar suas mãos dos ombros de Henrique e ele perder.o equilíbrio; os bons reflexos do Imperador, porém, permitiu que ele se jogasse para trás, evitando cair em cima dela.
Foi ela que caiu por cima dele, encerra do o beijo e forçando algo gelado sobre sua garganta.
— O que você fez com ele? — Rosnou.
Henrique piscou seus olhos azuis para ela, em confusão. Tudo estivera ao seu favor apenas dois segundos atrás e não conseguia entender como a roda da fortuna tinha virado de cabeça para baixo tão rápido.
— Liv? — Murmurou, em dúvida sobre o que estava acontecendo.
Em algum momento ela teria acreditado nele ou só fingiu para conseguir pegar o Imperador de guarda baixa.
O que aconteceu com você, Liv? Se perguntou.
— Por que está com a aparência dele? — Gritou. — O que fez com ele?
Ela apertou ainda mais a faca em seu pescoço, a ameaça clara em sua posição e em sua voz. Ela era uma mulher desesperada que não tinha nada a perder e não se importaria de sofrer as consequências de matar o homem mais importante do Universo.
O único com linhagem direta dos grandes líderes de outrora.
— Liv, sou eu — disse, baixinho.
Não sabia como ela tinha conseguido sua arma, mas não importava. Nada doía mais do que vê-la sofrer: e ela sofria. Tinha a expressão dura, os olhos trêmulos de pavor e as mãos firmes de quem não pestanejaria. O tempo tinha quebrado sua Lívia, tanto quanto tinha quebrado a si mesmo.
— Por favor — ele pediu. Sob o olhar cuidadoso dela, ele mostrou-se seu cordão que estivera escondido por dentro da blusa. Ele tinha dado um igual a ela quando foi o momento certo. Em sua cabeça simples de tempos passados, era o símbolo de sua ligação, um símbolo de aliança e casamento. Ele nunca tirara. E, pelo que via balançando entre eles, Lívia também não.
A expressão dela se anunviou no mesmo instante, mostrando incerteza e confusão a firmeza na mão que segurava a faca cedeu o suficiente para Henrique afastá-la de seu pescoço. No mesmo segundo, e antes que ele pudesse impedir, um grupo de recrutas a tirou de cima de si e a arrastou de volta para a nave.
Lívia encarou-o por um momento, dor e confusão exibidas com clareza em seus olhos verdes. A porta da nave se fechou, então, cortando o contato.
Henrique se levantou do chão lamacento com muito menos dignidade que antes. Sua roupa, também, não tinha ficado incólume: cinzas cobriam a metade direita da sua veste.
Bom... Pelo menos ele ainda vestia as cores imperiais.
Aquela já era a terceira reunião desde que haviam estacionado a frota nos arredores do planeta Terra e Henrique já estava de saco cheio de ser Imperador. Mal tivera tempo de conhecer todos os líderes e capitães das naves que lhe seguiam, mal tivera tempo de fazer a limpa nos que não pareciam fiéis a causa real dos Astraregi.Mesmo em sua nave principal, com todas as restrições e seguranças, quase não conseguia um momento a sós: o seu círculo de proteção era acirrado e sempre atento para descobrir potenciais traidores dentre os que se curvaram a ele após a queda do antigo imperador.Ele mesmo ainda não tinha conseguido entender muito bem, poucos cilos atrás era chamado de traidor pelo imperador em exercício. Assim que ele e o resto da resistência o haviam deposto e tomado seu lugar, os que seguiam seu tio eram os traidores.Tu
— O que é isso? — Henrique sentiu a raiva subir assim que entrou em seu escritório.A sorte era que aquele ambiente, a sala de controle e dois dos aposentos de descanso eram preparados para variações maiores de humor do Imperador ou, talvez, um acidente teria acontecido.Lívia estava sentada em uma cadeira de frente para sua mesa, de frente para a vista da Terra, de costas para a porta, onde Henrique estava. Suas mãos estavam retorcidas em uma liga de metal utilizada para conter criminosos. Não era, exatamente, compatível com humanóides, se em contato com a pele humana por muito tempo, podia causar danos permanentes e infecção da corrente sanguínea. Nunca tinha sido testada, porém, em terrestres. E Henrique não concordava com testes, muito menos em Lívia.— Esse material não é para humanóides e se vocês estã
Havia uma mística poderosa na hereditariedade imperial da família Astraregi. O poderio armamentício e a estrutura tecnológica da frota imperial eram todos oriundos dos restos do planeta Hastraleoni, de onde eram os únicos sobreviventes com sangue puro o suficiente para controlar. O sangue em seu pai e seu tio já eram diluídos o suficiente para que achassem que o império estava acabando.Henrique, tinha descoberto ter níveis mais elevados, comparáveis às primeiras gerações de imperadores. Havia um pequeno time de pesquisadores tentando identificar as semelhanças de Hastraleoni com a Terra e o DNA humanóide dos Astraregi com o DNA terráqueo. Se isso fosse comprovado, Terra seria classificada como planeta Matriz e seria prioridade total para recuperar seus recursos.Mas alguns terráqueos já tinham subido à bordo de naves menores e não
— Era para ser mais fácil — Henrique deixou-se desabafar.Estavam almoçando em seus aposentos, algo incomum em suas rotinas. Henrique, porém, andava evitando as salas comuns; primeiro porque seu emocional não estava estável e ele preferia manter suas naves no ar, segundo porque sabia que Lívia andara aceitando sua sugestão e tinha sido vista andando pela nave e conversando com os encarregados e funcionários.Já tinham dias de seu confronto, mas Henrique prometera-lhe tempo. Ele achava que não teria muito, mas lhe daria o benefício de algum. Enquanto isso, estava o mais retroativo possível — quanto menos ela visse o Imperador em ação, mais veria o homem. Ou não?Marco comia uma mistura cor de laranja comum dos humanóides de Amerpã, mas que nunca tinha descido muito bem no paladar de Henrique. Ele estava muito satisfeito em poder
Tempo.Henrique tinha aprendido varias formas de medi-lo nos últimos anos, mas continuava a pensar em como media na Terra.Cinco anos tinham se passado desde que a inocência e a felicidade tinham sido arrancadas com brutalidade da sua vida e, agora, ele via que Lívia tivera seu próprio pequeno pesadelo.Não demorou muito para encontrá-la, era a verdade. Ele estava na primeira equipe que desembarcou na sua antiga vila. Apesar do susto dos moradores, não demoraram a dizer que Lívia tinha sido selecionada.Esse foi seu primeiro choque.Lívia não tinha chance alguma de ser selecionada quando eles se separaram. Era desengonçada, não sabia mirar a arma direito e ficava chateada com toda competição que participava.Uma segunda equipe tinha ido direto à central de ataque de Esmeralda para desmontá-la e prender todos que compactuaram com aqu
— Fiz o que era necessário — ela se defendeu.— Eu também — Henrique se justificou.Lívia abaixou o olhar e pareceu envergonhada por um momento. As mãos soltaram-se dos braços da cadeira e se entrelaçaram em seu colo, mostrando que ela estava disposta a lhe dar o benefício da dúvida.— Eu fiquei sozinha — contou. — Queria ajudar nossos pais. Ninguém acreditou em mim sobre você ter sido levado por uma nave, rodo mundo achava que eu era maluca… Eu só tinha uma opção — Respirou fundo. — Precisava ser escolhida, precisava ir para Globo do Mar. Eu queria… Queria encontrar você.Henrique conhecia Lívia por uma eternidade e não eram cinco anos de afastamentos e mudanças que o impediam de ler suas nuances como quem lê as palavras em um livro. Por mais que ela tentasse se esco
Henrique desligou a opacidade da sua mesa e uma tela de interatividade igual ao do painel de visualização da tela se abriu. Haviam alguns arquivos que ele precisava dar uma olhada, assim como decidir qual planeta seria o próximo a receber a frota. Ou se, talvez, fosse melhor dividir a frota em alguns grupos para resolverem mais problemas de uma vez, tudo com a supervisão dele de algum ponto.Poderia ficar um pouco mais na Terra se enviasse um grupo ou dois para planetas que estivessem com problemas menos acentuados. Assim conseguiria tempo.Mandou um recado com a sugestão para Marco e Durquato. Saberia em breve se seria plausível.Por enquanto, resolveu abrir um relatório da equipe de cientistas que estava em campo, estudando os terráqueos e a radioatividade. Uma amostra de planta tinha ganhado espaço em seu escritório, além de alguns presentes que ganhara de antigos colegas. O espa&cce
Aguardou com o coração saltando no peito em batidas frenéticas. Não sentia sua pele desde que ela tentara lhe atentar contra a vida logo após lhe beijar — e não achava que essa era uma experiência relevante. Antes disso, foram cinco anos de afastamento.Será que sua pele ainda tinha a mesma maciez? Será que seu cabelo tinha o mesmo cheiro?Lívia abaixou o olhar para a mão de Henrique e refletiu por um breve momento, antes de estender a mão em sua direção, parecendo insegura, mas disposta a tentar confiar. Apertaram a mão um do outro, o anseio claro de conseguirem se resolver se exteriorizando através daquele toque, daquele gesto.Henrique começou a passar o polegar nas costas da mão da mulher, um carinho doce e saudoso, satisfeito que pudesse fazer ao menos isso.— Eu lhe contei sobre meu pai — disse. — Quand