Lívia estava demorando, em sua opinião, mas Henrique continuava a aguardar pacientemente, tamborilando os dedos na mesa de seu escritório. Agora, havia uma caixinha velha de madeira enfeitando uma das estantes, uma das vizinhas de sua mãe havia pedido que lhe entregassem — era uma pequena coleção de pedras coloridas que sua mãe mantinha em sua cabeceira. Também tinham miniaturas do planeta Reflexivo e da Terra, planetas resgatados em seu império. Durquato disse, antes de partir, que era uma coisa boa para se colecionar e em menos de 10 anos teriam tantas miniaturas que suas estantes não comportariam — teria que arrumar um quarto só para suas miniaturas.
A ideia parecia um sopro fresco em seu coração apertado.
Parou de tamborilar os dedos quando ouviu uma batida fraca em sua porta e a maçaneta girar antes que ele pudesse autorizar a entrada. Marco não com
O silêncio durou um pouco mais enquanto Lívia chorava de costas para Henrique e ele respeitava o seu momento a uma distância agradável. Já tinham passado silêncios maiores — chegava um momento do relacionamento em que os silêncios diziam mais que as palavras e, apesar da frágil segurança que eles mantinham entre eles, Henrique soube que aquele era um dos momentos em que permanecer em silêncio era a melhor opção.Lívia deu alguns passos em círculo no escritório antes de encarar Henrique com seus olhos verdes límpidos pelas lágrimas que estava derramando.— Se fosse eu — disse, com a voz falhada. Limpou a garganta e continuou. — Se fosse eu, você teria me prendido?Henrique tinha se feito essa pergunta várias vezes. O que teria feito se Lívia tivesse chegado a saber do que acontecia na Terra e tomado uma deci
— Ninguém aguenta mais ver você brincando de casinha. Ser Imperador tem seus privilégios e você está gozando de todos eles, mas as responsabilidades você não quer?Henrique estava sem saída. Sabia que Marco estava sendo duro porque ele merecia. Todo o universo estava aguardando para que ele resolvesse seus problemas e ele permanecia tentando se resolver com Lívia, com a esperança de poder, pelo menos, ter um pouco de si mesmo.A reunião da manhã tinha sido um fisco total. Todos os oficiais restantes já estavam perdendo a paciência e o respeito com a permanência de Henrique na Terra. Pelos corredores, os soldados de cargos mais inferiores sussurravam mentiras para justificar a demora: que ele jamais queria sair de casa, que ele era igual ao tio e só pensava em si e outras coisas ridículas.E todos tinham razão, ele sabia.Par
— Cinco minutos, senhor — o cientista designado pela criogenia o avisou, assim que adentraram a sala. Dois funcionários se aproximaram com casacos de tecidos resistentes a temperaturas mais frias e entregaram a Henrique e Lívia. — Pode estar frio lá dentro. Preparamos a sala, na medida do possível, para aguentar as alterações de vocês. O comandante está realizando um pouso de emergência, também.Lívia tinha os olhos arregalados enquanto vestia o seu casaco, observando Henrique e o cientista, sem compreender muito bem a conversa, mas entendendo o geral. Ela era inteligente o suficiente para perceber o uso do plural nas alterações. Será que ela também conseguiria controlar a nave? Por quê?— Só posso recomendar cautela, senhor — ele continuou explicando. — O sujeito estará contido à cama de criogenia e h&aac
— Você está bem? — Henrique perguntou, voltando-se à mulher. — Liv? — Chamou, quando percebeu que ela não tinha lhe dado a devida atenção, perdida em pensamentos.Ela levantou o olhar e tinham lágrimas brilhando, mas sem derramar. Seus sentimentos dançavam à sua frente: raiva, frustração, medo, nojo, decepção, tristeza… Henrique entendia o que ela se sentia, tinha analisado a traição de Jefferson diversas vezes no meio daquela confusão.— Pareço bem? — Perguntou.Henrique negou com a cabeça e caminhou até ela, ajoelhando-se à sua frente. Ela desviou o olhar dele e encarou a câmara, onde Jefferson estava congelado. Parecia estar segurando a respiração porque sequer se mexia. Se não fosse aquela nova e melhorada Lívia, ela estaria rolando ao chã
— Sua segunda lua foi ontem e vocês nem estão se vendo mais — Marco lhe lembrou, enquanto caminhavam pelos corredores. — Quando vamos partir?Henrique e Lívia não se viam desde sua conversa na sessão de criogenia da nave. A voz dela continuava ecoando na mente dele, seus questionamentos sobre se tornar seu tio, sobre Jefferson, sobre tudo.Queria poder ter mais tempo, tinha certeza que ele poderia resolver seus problemas, mas os dias passaram-se rápido demais e agora ele não tinha mais o que fazer.— No próximo levantar da estrela — Henrique disse. — Amanhã de manhã.Marco estava consternado, porém aceitou suas ordens. Era uma partida num momento próximo e os oficiais iriam aceitar sua decisão. Também justificava caso Henrique precisasse passar o dia fora — aproveitando seus últimos momentos em casa.&mda
— Meu tempo para a Terra está se esgotando, Liv — ele disse.Henrique percebe as mudanças imediatas na postura de Lívia, o desconforto claro em seu gestual. Observa enquanto ela congela, parte por parte, primeiro seu olhar, que perde uma parte do brilho quando suas pálpebras se abrem um pouco mais em choque pela informação. Depois, as maçãs do rosto que se movem para esconder o sorriso leve que antes ela exibia. Sua mão para de se mover, a seguir, encerrando a leve carícia que ele recebia em seu pulso ao mesmo tempo em que toda sua coluna enrijece à informação.— A ideia de ir embora e te deixar está… — Henrique estava com a voz falhada de dor e buscou a palavra certa para exemplificar como se sentia. — Me devorando por dentro. Eu… Eu sei que você não confia em mim ainda. Sei que fez suas concessões para&helli
— O que você acha? — Henrique perguntou para Lívia.Estavam em trajes de gala, sentados à mesa de seu escritório, enquanto Henrique lhe apresentava, finalmente, uma pena alternativa para Jefferson, um mês terráqueo após deixarem seu planeta natal. Lívia não aceitava que penas de morte existissem em um império pacífico e, apesar de Henrique não ser a favor da pena de morte, entendia que Jefferson vivo era um risco que não poderiam correr.O hemisfério norte da Terra era inabitado e não seria capaz de dar suporte à vida por mais algumas dezenas de rotações, mas havia uma faixa de Terra em que a radioatividade tinha caído o suficiente; uma região fria e inóspita, onde já era possível tirar alimento através de pesca de peixes de água salgada.Lívia estava encarando os dados que
Ainda estava se acostumando as interfaces daquela nave ostensiva e poderosa.Em seus tons de preto, prata e branco, lhe trazia familiaridade. A falta de cor era algo que se acostumara, dentre calabouços e espeluncas nos últimos anos.O que ele não conseguia se acostumar era com os ambientes amplos, com boa sonoridade e o fato de que todos pareciam respeitá-lo só com um aceno de cabeça.Ah, claro, e o poder.Não o poder que lhe vinha como comandante principal e o título de Imperador, mas o controle. Fechou as mãos esticadas para a frente, puxou-as um pouco para si e girou-as levemente para a direita. A nave respondeu imediatamente, seguindo os seus comandos.Estava em seu sangue.Ele não acreditou da primeira vez que ouviu, achava que não tinha acreditado até que finalmente a viu obedecê-lo, poucos ciclos atrás.Ainda o assombrava ter tanto