Ainda estava se acostumando as interfaces daquela nave ostensiva e poderosa.
Em seus tons de preto, prata e branco, lhe trazia familiaridade. A falta de cor era algo que se acostumara, dentre calabouços e espeluncas nos últimos anos.
O que ele não conseguia se acostumar era com os ambientes amplos, com boa sonoridade e o fato de que todos pareciam respeitá-lo só com um aceno de cabeça.
Ah, claro, e o poder.
Não o poder que lhe vinha como comandante principal e o título de Imperador, mas o controle. Fechou as mãos esticadas para a frente, puxou-as um pouco para si e girou-as levemente para a direita. A nave respondeu imediatamente, seguindo os seus comandos.
Estava em seu sangue.
Ele não acreditou da primeira vez que ouviu, achava que não tinha acreditado até que finalmente a viu obedecê-lo, poucos ciclos atrás.
Ainda o assombrava ter tanto poder. A nave mais poderosa do universo, a frota mais temida e respeitada de todas as galáxias, respondia ao seu sangue. E apenas o seu.
Exceto...
Suspirou.
Aquela aventura estava sendo um pouco mais complicada do que deveria. Traições e perdas. Sempre soube que seria difícil, só não entendia o quanto do seu coração teria que definhar pelo bem maior.
Agora já entendia uma parte do problema. Ainda brigava para que perdesse menos do que parecia que teria que perder, mas já doía.
Virou-se de costas para a porta de sua sala principal, imponente em tons de preto e ainda sem muitos toques pessoais. Precisava começar a se sentir bem ao menos naquele lugar, mas como fazer isso quando ainda tinha tanto de seu antigo ocupante?
Lá estava ela.
A visão lhe tirou de seus pensamentos. Já tinha visto uma parte do universo e a visão da Terra ainda lhe tirava o ar.
Era um lindo planeta quebrado.
Encostou sua mão na parece de vidro de seu escritório e a tela respondeu. A imagem da Terra, em tempo real, foi encolhida para exibir uma da Terra em seus tempos áureos ao lado.
Quase assustador. O antigo planeta azul agora era um lampejo de verde, amarelo e cinza.
Suspirou. Jogou a imagem do planeta azul por cima do planeta verde. No lugar vazio, cálculos começaram a ser feitos, cálculos terras inutilizáveis, danos, radioatividade. Anos terrestres para conserto, medidas necessárias. Um dia, talvez, aquele planeta voltasse a ser azul.
Um dia, depois de muitos anos terrestres.
Empurrou as duas imagens e os cálculos e a visão em tempo real apareceu novamente. O Imperador do universo suspirou, apaixonado. Mesmo destruída, era um dos lugares mais belos que já havia visto. Se lembrava muito bem de quando a vira da primeira vez de tão alto e parecia ainda mais bela agora.
Imaginava como seria se estivesse inteira.
A larga floresta Esmeralda era estonteante, ao contrário do resto do planeta, prosperara na adversidade. Resistira através dos anos de consequências da guerra e até mesmo multiplicara em tamanho. Brilhava, mesmo à luz do dia, com seu veneno fatal.
Tivera que ordenar que seus soldados usassem proteção e ficassem pouco tempo em terra firme. Alguns deles eram mais sensíveis e ele achava que não sobreviveriam muito tempo em contato com aquele ambiente tão hostil.
Uma luz vermelha se acendeu na parte inferior de seu painel de vidro e ele clicou sobre ela. O rosto de seu imediato apareceu por cima da imagem do planeta, sério e prático.
"Senhor, pegamos ele em uma das edificações do globo" anunciou. O Imperador acenou, aliviado. Era menos um problema. "Estava com a garota".
Sua garganta se fechou em um nó apertado e ele teve dificuldade em engolir sua saliva. Quando falou, a voz saiu saiu falhada e mais aguda que o normal, mas seu imediato teve o respeito de não esboçar nenhuma reação.
— Com a garota? — Perguntou, quase não acreditando no que estava ouvindo.
"Sim, senhor" respondeu o imediato. "Ela deu mais trabalho que ele, na verdade".
O Imperador franziu a testa para a declaração e apenas se dignou a concordar coma cabeça. Marco, o imediato, aguardou. O Imperador trincou os dentes, ainda não muito acostumado ao fato de que todos esperavam que ele ordenasse o próximo passo. Não fazia muito tempo em que ele que ouvia ordens da resistência.
— Você sabe o que fazer com ele — disse. — E ela... Traga-a para mim agora.
Marco concordou, arriscou uma breve reverência e encerrou o contato. A imagem da Terra quase morta estava escura, mesmo depois de encerrada a tela sobre ela e talvez tivesse algo a ver com sem humor. Com um aceno, o vidro escureceu, mas o brilho esverdeado o incomodou, então acenou novamente e a tela ficou inteiramente branca.
Letras começaram a aparecer e ele se pôs a ler o relatório da inserção à Terra, sendo escrito em tempo real por cinco mãos. Foi-se no trecho que narrava sobre o outro lado do planeta, do qual não fizera parte intimamente. Muitos criminosos presos, mais que em Esmeralda. Suspirou.
O tempo não demorou a passar enquanto estava distraído com a leitura, mas seu coração permaneceu atento, estourando de nervoso em seu peito a cada segundo a mais que aguardava.
Não faltava muito agora.
Concentrou-se. Uma lista de prisioneiros de Esmeralda começou a ser redigida em algum lugar da frota. Abriu o arquivo, percebendo que estava em ordem alfabética. Não demorou para reconhecer um nome ou outro, torcendo o nariz.
A incursão se tornava cada vez mais difícil e mais pessoal.
O aviso prévio de movimentação nos arredores do escritório do Imperador do universo apareceu em seu visor. Seu imediato tinha permissão máxima e acesso a todos os cantos da nave, mas o aviso ainda aparecia quando ele se aproximava do escritório e era um pouco mais urgente quando vinha acompanhado. Clicou no aviso e moveu a mão esquerda para que aumentasse.
Um vídeo abriu, a visão dos corredores mais próximos. Marco vinha a frente, sua posição altiva quase o fazia invejá-lo por tamanha naturalidade em posições de poder.
Atrás deles. Três guardas continham uma figura pequena e magra. Os longos cabelos negros balançavam ao protesto da garota, o que fazia o caminho ser ainda mais demorado.
O imperador sorriu. Na tela, apertou o botão verde, desativando o alarme e a visualização dos futuros visitantes. Fechou sua leitura, a tela voltou a ficar preta e a sala escureceu.
E, no breu, ele aguardou.
A porta do escritório abriu automaticamente, subindo a estrutura de metal que a separava do corredor. Marco entrou na frente e reverenciou o Imperador. Enquanto os guardas arrastavam a garota para dentro da sala com ela se debatendo, depositou uma pequena estrutura de metal sobre a mesa. Seu olhar curioso foi pego. — O que é isso? — Questionou, embora imaginasse a resposta correta.Ao ouvir sua voz, a garota pareceu se debater ainda mais. Estava vendada, para alívio do Imperador. Não sabia o quão infectada estaria com mentiras e histórias exageradas e sabia que sua nave e seu escritório não eram de muita ajuda.Os soldados que a carregavam também não eram.Os rapazes reverenciaram-no como podiam e forçaram a garota selvagem a ajoelhar ao chão para contê-la.Havia um olhar de admiração contida no Imperador. -z Arma
O manto de Imperador tinha sido deixado para trás em algum canto da nave porque aquele pedaço da Terra era sagrado em suas memórias e ele não voltaria ali em vestes caricaturescas. Não tinha, porém, muitas opções em seu guarda roupa, não quando a realeza do universo tinha uma regra de conduta rígida que se resumia à três cores: preto, da imponência, branco, da pureza e das boas intenções, e cinza ou prateado, da eterna busca pelo conhecimento.Naquela manhã, depois de tantas notícias boas e ruins, ele decidiu usar branco. Não que se sentisse puro naquele momento, mas pela criança que tinha sido naquele lugar, tão ignorante de seu passado ou futuro, tão inocente, achando que o universo se resumia à uma pequena vila destruída em um setor abastado de Esmeralda no planeta mortal Terra, na irrelevante Via Láctea.
Aquela já era a terceira reunião desde que haviam estacionado a frota nos arredores do planeta Terra e Henrique já estava de saco cheio de ser Imperador. Mal tivera tempo de conhecer todos os líderes e capitães das naves que lhe seguiam, mal tivera tempo de fazer a limpa nos que não pareciam fiéis a causa real dos Astraregi.Mesmo em sua nave principal, com todas as restrições e seguranças, quase não conseguia um momento a sós: o seu círculo de proteção era acirrado e sempre atento para descobrir potenciais traidores dentre os que se curvaram a ele após a queda do antigo imperador.Ele mesmo ainda não tinha conseguido entender muito bem, poucos cilos atrás era chamado de traidor pelo imperador em exercício. Assim que ele e o resto da resistência o haviam deposto e tomado seu lugar, os que seguiam seu tio eram os traidores.Tu
— O que é isso? — Henrique sentiu a raiva subir assim que entrou em seu escritório.A sorte era que aquele ambiente, a sala de controle e dois dos aposentos de descanso eram preparados para variações maiores de humor do Imperador ou, talvez, um acidente teria acontecido.Lívia estava sentada em uma cadeira de frente para sua mesa, de frente para a vista da Terra, de costas para a porta, onde Henrique estava. Suas mãos estavam retorcidas em uma liga de metal utilizada para conter criminosos. Não era, exatamente, compatível com humanóides, se em contato com a pele humana por muito tempo, podia causar danos permanentes e infecção da corrente sanguínea. Nunca tinha sido testada, porém, em terrestres. E Henrique não concordava com testes, muito menos em Lívia.— Esse material não é para humanóides e se vocês estã
Havia uma mística poderosa na hereditariedade imperial da família Astraregi. O poderio armamentício e a estrutura tecnológica da frota imperial eram todos oriundos dos restos do planeta Hastraleoni, de onde eram os únicos sobreviventes com sangue puro o suficiente para controlar. O sangue em seu pai e seu tio já eram diluídos o suficiente para que achassem que o império estava acabando.Henrique, tinha descoberto ter níveis mais elevados, comparáveis às primeiras gerações de imperadores. Havia um pequeno time de pesquisadores tentando identificar as semelhanças de Hastraleoni com a Terra e o DNA humanóide dos Astraregi com o DNA terráqueo. Se isso fosse comprovado, Terra seria classificada como planeta Matriz e seria prioridade total para recuperar seus recursos.Mas alguns terráqueos já tinham subido à bordo de naves menores e não
— Era para ser mais fácil — Henrique deixou-se desabafar.Estavam almoçando em seus aposentos, algo incomum em suas rotinas. Henrique, porém, andava evitando as salas comuns; primeiro porque seu emocional não estava estável e ele preferia manter suas naves no ar, segundo porque sabia que Lívia andara aceitando sua sugestão e tinha sido vista andando pela nave e conversando com os encarregados e funcionários.Já tinham dias de seu confronto, mas Henrique prometera-lhe tempo. Ele achava que não teria muito, mas lhe daria o benefício de algum. Enquanto isso, estava o mais retroativo possível — quanto menos ela visse o Imperador em ação, mais veria o homem. Ou não?Marco comia uma mistura cor de laranja comum dos humanóides de Amerpã, mas que nunca tinha descido muito bem no paladar de Henrique. Ele estava muito satisfeito em poder
Tempo.Henrique tinha aprendido varias formas de medi-lo nos últimos anos, mas continuava a pensar em como media na Terra.Cinco anos tinham se passado desde que a inocência e a felicidade tinham sido arrancadas com brutalidade da sua vida e, agora, ele via que Lívia tivera seu próprio pequeno pesadelo.Não demorou muito para encontrá-la, era a verdade. Ele estava na primeira equipe que desembarcou na sua antiga vila. Apesar do susto dos moradores, não demoraram a dizer que Lívia tinha sido selecionada.Esse foi seu primeiro choque.Lívia não tinha chance alguma de ser selecionada quando eles se separaram. Era desengonçada, não sabia mirar a arma direito e ficava chateada com toda competição que participava.Uma segunda equipe tinha ido direto à central de ataque de Esmeralda para desmontá-la e prender todos que compactuaram com aqu
— Fiz o que era necessário — ela se defendeu.— Eu também — Henrique se justificou.Lívia abaixou o olhar e pareceu envergonhada por um momento. As mãos soltaram-se dos braços da cadeira e se entrelaçaram em seu colo, mostrando que ela estava disposta a lhe dar o benefício da dúvida.— Eu fiquei sozinha — contou. — Queria ajudar nossos pais. Ninguém acreditou em mim sobre você ter sido levado por uma nave, rodo mundo achava que eu era maluca… Eu só tinha uma opção — Respirou fundo. — Precisava ser escolhida, precisava ir para Globo do Mar. Eu queria… Queria encontrar você.Henrique conhecia Lívia por uma eternidade e não eram cinco anos de afastamentos e mudanças que o impediam de ler suas nuances como quem lê as palavras em um livro. Por mais que ela tentasse se esco