Aquela já era a terceira reunião desde que haviam estacionado a frota nos arredores do planeta Terra e Henrique já estava de saco cheio de ser Imperador. Mal tivera tempo de conhecer todos os líderes e capitães das naves que lhe seguiam, mal tivera tempo de fazer a limpa nos que não pareciam fiéis a causa real dos Astraregi.
Mesmo em sua nave principal, com todas as restrições e seguranças, quase não conseguia um momento a sós: o seu círculo de proteção era acirrado e sempre atento para descobrir potenciais traidores dentre os que se curvaram a ele após a queda do antigo imperador.
Ele mesmo ainda não tinha conseguido entender muito bem, poucos cilos atrás era chamado de traidor pelo imperador em exercício. Assim que ele e o resto da resistência o haviam deposto e tomado seu lugar, os que seguiam seu tio eram os traidores.
Tudo o que Henrique queria era jamais ser comparado ao seu tio. Não desejava ser muito rígido e nem um pouco tirânico. Queria resolver os problemas mas graves do universo nos ideais que haviam lhe ensinado à vida inteira.
A Terra, porém, era um caso pessoal e ele não quis medir esforços e pessoal para conseguir resgatá-la. Quanto mais naves estivessem ali, mais radioatividade seria retirada de sua atmosfera… Não que não se preocupasse com deserções e possíveis ataques à sua figura de Imperador; ele só queria o máximo de nave e pessoal naquele momento.
— Mas como vamos saber quem lhe segue, com exatidão, Imperador? — Perguntou-lhe um dos capitães que lhe seguia desde a resistência. — Não podemos correr esse risco. Se alguém resolver trilhar esse caminho só para se aproximar e tentar um atentado?
— E se alguém se alisar hoje em qualquer planeta do Império e resolver trilhar esse caminho só para se aproximar e tentar um atentado? — Henrique questionou.
Do outro lado da mesa, na cabeceira à minha frente, Duquarto concordou com um floreio de cabeça. Passei quase todo o meu primeiro ano de sequestro na resistência trancado em um porão com visitas controladas e muitas aulas de política intergalática com Duquarto, até que minha mente de adolescente revoltado conseguisse entender como eu era uma peça importante daquele xadrez — tão importante que, se me omitisse, estaria concordando com a barbárie que meu tio fazia.
E toda aquela política intergalática tinha servido para que eu soubesse como me posicionar em reuniões de estratégia como aquela.
— Senhor, com a sua permissão — Marco falou, respeitosamente. A intimidade que tinham lhe deixava no direito de não pedir permissão para falar, mas ele o fazia em reuniões, mesmo assim, para que os outros entendessem que não haveria exceções. Henrique acenou de forma breve, permitindo-lhe a palavra. — Entendo que o senhor não queira afastar homens que podem ser bons e de confiança por qualquer motivo que acham que justificava seguir o antigo imperador. Eu mesmo tenho dois amigos na frota e entendo porque acabaram parando aqui e, como eles, sei que há outros.
Henrique encarou o restante dos homens ali e soube que todos conheciam alguém que, em algum momento, precisou entrar e trabalhar na frota do imperador. A maioria porque seus próprios planetas estavam sendo explorados e precisavam de dinheiro, segurança, procurar um lugar melhor para a família. Alguns dos oficiais generais não esboçaram qualquer reação, mas os de postos mais baixos engoliram a seco.
— Gostaria de lembrar a todos que esse planeta destruído que vocês estão vendo de suas naves é o meu — Henrique começou. — Espero que compreendam, em primeiro lugar, que esses são os primeiros ciclos do meu império e que eu irei errar. Sabemos que a Terra é primordial e que há muito o império deseja que ela seja incluída em seu território, mas acabou sendo ignorada por todos os seus problemas. Pois seus problemas são os problemas do Imperador porque ela é minha casa. Vocês todos tem suas casas e há uma lista de planetas em minha mesa aos quais já me foram solicitados a dar prioridade. Fiz o mesmo pedido a vocês. A Terra é minha prioridade. E há muito a ser feito. Quanto antes terminado, antes poderemos partir para cuidar do resto do universo e da lista em cima da minha mesa. E é por isso que precisamos de homens.
“Dito isso, minha ordem hoje é cuidadosa, mas esperançosa. A limpeza em nosso quadro irá acontecer e será chefiada por Durquato e Calabrias” os dois oficiais generais concordaram com a cabeça. “Todos os líderes de confiança serão depostos até o nível de sargento. Se encontrarem tenentes que estivessem no círculo de confiança, devem ser cortados também. Estes oficiais, se desejarem, poderão se alistar novamente em níveis abaixo de tenente, de acordo com o adequado. A partir disso, teremos pouco pessoal para os cargos elevados vagos e a ordem é promover. A resistência tem muito pessoal qualificado e eles devem ser prioridade, mas não exclusividade. Quem desejar subir de cargo do pessoal restante pode se candidatar. O ideal é que cada nave tenha uma liderança mista entre resistência e antigo império. Alguma objeção?”.
Houve um momento de silêncio enquanto toda a equipe ponderava. Calabrias, então, limpou a garganta com um sorriso de lado em seu rosto e Henrique respirou fundo.
Durquato tinha sido seu mestre durante o longo caminho de ser um adolescente bobo até se tornar o Imperador. Fora rígido, mas acreditava que ele conseguiria e que estava conseguindo. Calabrias, porém, sempre fora cético e só o aceitara por causa de seu sangue. Henrique estava acostumado ao deboche e às críticas do homem, só esperava que não o humilhasse na frente de seu pessoal.
— Tenho uma objeção — falou. Sem tom de voz era controlado e respeitoso, até. Era a primeira vez que se falavam diretamente após Henrique subir de aprendiz à imperador. — A sala de criogenia está sendo utilizada para um traidor que deveria ter recebido a pena que lhe cabe.
O assunto trazido à tona desta maneira fez a pálpebra esquerda de Henrique tremer de forma involuntária, o estresse em seu sangue causando reações esquisitas e refletindo na nave. As luzes piscaram três vezes e houve um leve tremor do chão antes que Henrique respirasse fundo e conseguisse se controlar.
— Ele ficará congelado até que eu dê outra ordem — finalizou o assunto.
A sala ficou em silêncio e até Calabrias pareceu respeitar sua decisão. Seja fosse por medo de seu temperamento e do perigo da nave perder o controle, seja fosse pela dureza de suas palavras. Henrique passou a mão por sua testa, respirando fundo.
— Isso nunca aconteceu antes — Durquato disse, chamando a atenção de outros. Henrique levantou o olhar, apavorado. Nenhum imperador tinha perdido a cabeça e o controle da nave por alguns segundos? — Um imperador ter que resolver o problema de sua própria casa. É pessoal, como você disse. E está indo muito bem.
Houve uma concordância geral na mesa e até Calabrias parecia concordar.
Henrique não concordava; não era porque a Terra era sua casa que ele acharia que um trabalho mediano era bom. A Terra seria impecável quando ele terminasse e se ficasse sem dormir por ciclos inteiros, ele ficaria.
A batida na porta o impediu de precisar responder às constatações e elogios. O oficial entrou assim que autorizado e o reverenciou.
— Ela está pronta — diz, resumidamente.
Há algumas trocas de olhares dentre seu círculo de confiança, alguns zombeteiros, alguns contentes e alguns irritados. Henrique resolveu ignorar todos. Quando se levantou, todos o seguiram. Ele acenou com a cabeça, dispensando a reunião e se retirou.
— O que é isso? — Henrique sentiu a raiva subir assim que entrou em seu escritório.A sorte era que aquele ambiente, a sala de controle e dois dos aposentos de descanso eram preparados para variações maiores de humor do Imperador ou, talvez, um acidente teria acontecido.Lívia estava sentada em uma cadeira de frente para sua mesa, de frente para a vista da Terra, de costas para a porta, onde Henrique estava. Suas mãos estavam retorcidas em uma liga de metal utilizada para conter criminosos. Não era, exatamente, compatível com humanóides, se em contato com a pele humana por muito tempo, podia causar danos permanentes e infecção da corrente sanguínea. Nunca tinha sido testada, porém, em terrestres. E Henrique não concordava com testes, muito menos em Lívia.— Esse material não é para humanóides e se vocês estã
Havia uma mística poderosa na hereditariedade imperial da família Astraregi. O poderio armamentício e a estrutura tecnológica da frota imperial eram todos oriundos dos restos do planeta Hastraleoni, de onde eram os únicos sobreviventes com sangue puro o suficiente para controlar. O sangue em seu pai e seu tio já eram diluídos o suficiente para que achassem que o império estava acabando.Henrique, tinha descoberto ter níveis mais elevados, comparáveis às primeiras gerações de imperadores. Havia um pequeno time de pesquisadores tentando identificar as semelhanças de Hastraleoni com a Terra e o DNA humanóide dos Astraregi com o DNA terráqueo. Se isso fosse comprovado, Terra seria classificada como planeta Matriz e seria prioridade total para recuperar seus recursos.Mas alguns terráqueos já tinham subido à bordo de naves menores e não
— Era para ser mais fácil — Henrique deixou-se desabafar.Estavam almoçando em seus aposentos, algo incomum em suas rotinas. Henrique, porém, andava evitando as salas comuns; primeiro porque seu emocional não estava estável e ele preferia manter suas naves no ar, segundo porque sabia que Lívia andara aceitando sua sugestão e tinha sido vista andando pela nave e conversando com os encarregados e funcionários.Já tinham dias de seu confronto, mas Henrique prometera-lhe tempo. Ele achava que não teria muito, mas lhe daria o benefício de algum. Enquanto isso, estava o mais retroativo possível — quanto menos ela visse o Imperador em ação, mais veria o homem. Ou não?Marco comia uma mistura cor de laranja comum dos humanóides de Amerpã, mas que nunca tinha descido muito bem no paladar de Henrique. Ele estava muito satisfeito em poder
Tempo.Henrique tinha aprendido varias formas de medi-lo nos últimos anos, mas continuava a pensar em como media na Terra.Cinco anos tinham se passado desde que a inocência e a felicidade tinham sido arrancadas com brutalidade da sua vida e, agora, ele via que Lívia tivera seu próprio pequeno pesadelo.Não demorou muito para encontrá-la, era a verdade. Ele estava na primeira equipe que desembarcou na sua antiga vila. Apesar do susto dos moradores, não demoraram a dizer que Lívia tinha sido selecionada.Esse foi seu primeiro choque.Lívia não tinha chance alguma de ser selecionada quando eles se separaram. Era desengonçada, não sabia mirar a arma direito e ficava chateada com toda competição que participava.Uma segunda equipe tinha ido direto à central de ataque de Esmeralda para desmontá-la e prender todos que compactuaram com aqu
— Fiz o que era necessário — ela se defendeu.— Eu também — Henrique se justificou.Lívia abaixou o olhar e pareceu envergonhada por um momento. As mãos soltaram-se dos braços da cadeira e se entrelaçaram em seu colo, mostrando que ela estava disposta a lhe dar o benefício da dúvida.— Eu fiquei sozinha — contou. — Queria ajudar nossos pais. Ninguém acreditou em mim sobre você ter sido levado por uma nave, rodo mundo achava que eu era maluca… Eu só tinha uma opção — Respirou fundo. — Precisava ser escolhida, precisava ir para Globo do Mar. Eu queria… Queria encontrar você.Henrique conhecia Lívia por uma eternidade e não eram cinco anos de afastamentos e mudanças que o impediam de ler suas nuances como quem lê as palavras em um livro. Por mais que ela tentasse se esco
Henrique desligou a opacidade da sua mesa e uma tela de interatividade igual ao do painel de visualização da tela se abriu. Haviam alguns arquivos que ele precisava dar uma olhada, assim como decidir qual planeta seria o próximo a receber a frota. Ou se, talvez, fosse melhor dividir a frota em alguns grupos para resolverem mais problemas de uma vez, tudo com a supervisão dele de algum ponto.Poderia ficar um pouco mais na Terra se enviasse um grupo ou dois para planetas que estivessem com problemas menos acentuados. Assim conseguiria tempo.Mandou um recado com a sugestão para Marco e Durquato. Saberia em breve se seria plausível.Por enquanto, resolveu abrir um relatório da equipe de cientistas que estava em campo, estudando os terráqueos e a radioatividade. Uma amostra de planta tinha ganhado espaço em seu escritório, além de alguns presentes que ganhara de antigos colegas. O espa&cce
Aguardou com o coração saltando no peito em batidas frenéticas. Não sentia sua pele desde que ela tentara lhe atentar contra a vida logo após lhe beijar — e não achava que essa era uma experiência relevante. Antes disso, foram cinco anos de afastamento.Será que sua pele ainda tinha a mesma maciez? Será que seu cabelo tinha o mesmo cheiro?Lívia abaixou o olhar para a mão de Henrique e refletiu por um breve momento, antes de estender a mão em sua direção, parecendo insegura, mas disposta a tentar confiar. Apertaram a mão um do outro, o anseio claro de conseguirem se resolver se exteriorizando através daquele toque, daquele gesto.Henrique começou a passar o polegar nas costas da mão da mulher, um carinho doce e saudoso, satisfeito que pudesse fazer ao menos isso.— Eu lhe contei sobre meu pai — disse. — Quand
— Isso é…Ela não completou a fala, mas seus pensamentos eram claros pela expressão de confusão que exibia em seu rosto e sobrou a Henrique apenas sorrir e concordar, compreendendo o dilema.— Informação demais? — Perguntou. Em resposta, Lívia suspirou. — Eu concordo. — Oferece a mão a ela, se levantando da mesa. Ela aceita e ele a guia para ficar de frente para o painel. Liga, deixando que vejam a imagem da Terra por cima. Estavam por sobre a costa. Lívia segura a respiração. — Foi difícil pra mim, também. Não conseguia entender. Eu tinha as provas nas minhas mãos e mesmo assim foi complicado.Lívia estava apertando a mão de Henrique com força, fosse por reflexo ou pelo deslumbre da imagem da Terra que admirava, Henrique não se importava e só queria curtir aquele momento.&m