O carro se aproximou, mas quando tentei abrir a porta, ela não cedeu. Rui abaixou o vidro da janela e zombou: — Que tipo de bobinha é essa? Use mais força! ... Ele havia arranjado um carro novo de algum lugar, um veículo alto e imponente. Não importava o quanto eu tentasse, simplesmente não conseguia abrir a porta. Por um instante, parecia que havíamos voltado ao passado, como se aquele homem que havia se forçado a aguentar três anos sozinho no exterior tivesse finalmente relaxado. A rigidez de antes cedeu, e seus gestos agora lembravam aquele jovem arrogante de outrora, sem mais a necessidade de fingir maturidade excessiva. Ver essa mudança nele me trouxe alegria. Afinal, quem no mundo gostaria de viver carregando o peso de tantas pressões? — Anda logo! Vem me ajudar! — Imitei seu tom, mesclando autoridade e um charme provocador. Ele desceu do carro e caminhou até mim. Parando atrás de mim, uma das mãos se apoiou na lateral do carro enquanto a outra segurava a maçaneta
Rui já tinha trinta anos, então, mesmo que estivesse muito feliz, logo se acalmou. Ele me colocou no chão, mas não me soltou de imediato. Inclinou a cabeça com cuidado, tentando deixar um beijo em minha testa. — Rui. — Chamei seu nome. Seu movimento parou no mesmo instante. Em seguida, seus olhos transbordaram uma emoção intensa, que, ao cruzar com os meus, irrompeu de vez, sem mais disfarces. — Ana, sou um homem. Sentir desejo por você é a coisa mais natural do mundo. Eu quero te abraçar, quero te beijar, quero te ter de verdade. Esperei por você por mais de vinte anos. Não me faça esperar mais, está bem? A voz de Rui era tão suave, e o olhar que lançava para mim estava carregado de amor. Talvez fosse o efeito sutil do álcool, ou talvez fosse a dureza de tantos anos finalmente mostrando um vislumbre de luz. Em meu coração, perguntei a mim mesma: “Ana, você ainda não conseguiu superar o fracasso do seu casamento? Ana, você tem tanto medo assim de se permitir viver outra r
A aparição repentina de Bruno quebrou o delicado clima de ambiguidade que finalmente tinha se formado entre Rui e eu. O encanto se desfez no ar, impossível de ser reconstruído, e certos assuntos já não cabiam mais serem retomados. Ele me levou de volta à Antiga Mansão da família Oliveira, hesitando antes de dizer: — Não vai me convidar para entrar? — Eu também acabei de chegar. Esta casa ficou muito tempo sem ninguém. Não sei como dona Rose mandou arrumar tudo... Que tal outro dia? Por cima do largo console central, tomei a iniciativa de segurar sua mão, apertando-a levemente. Quando soltei, Rui sorriu, resignado. Ele segurou minha mão de volta, olhando para mim enquanto sorria: — Ainda tenta me enganar como se eu fosse uma criança. Ele se inclinou para perto, apoiando uma das mãos sobre minha cabeça, enquanto pressionava minha mão contra sua bochecha. Sua voz grave e baixa ressoou ao meu ouvido: — Acha que eu ainda pareço com o menino de antigamente? A palma da sua
Eu quis perguntar a Bruno o que ele estava fazendo ali, mas, ao abrir a boca, senti minha garganta arder como se estivesse pegando fogo. Bruno, por outro lado, não parecia apressado em dizer nada. Com os olhos baixos e expressão sombria, ele acendeu um cigarro. Desde que voltou ao público após sua recuperação, o terno preto e a calça preta haviam se tornado sua marca registrada. Seria que Gisele não escolhia mais as roupas dele? Ele parecia uma enorme sombra negra, projetando-se sobre mim e trazendo à tona memórias dolorosas: os momentos difíceis do passado, a impotência que senti quando Dayane nasceu prematura. Meu peito se apertou, um amargor subindo pela garganta. Discretamente, apertei os punhos atrás do corpo. Afastei qualquer sinal de hesitação do meu rosto e forcei um sorriso. — Sr. Bruno, sua empresa está enfrentando algum problema jurídico para o senhor aparecer assim na casa dos outros? Não acha que isso é um pouco invasivo? Bruno se manteve impassível, os olhos
— É mesmo? Presidente Bruno, se você passar por algo ruim, também pode conversar com meu assistente. Por conta do que já tivemos no passado, não vou ignorar sua situação. Eu não era incapaz de entender a ironia de Bruno. Com a voz mais grave, respondi: — Trinta anos de processo também faz sentido. Tenho confiança para enfrentar isso. Bruno soltou uma risada fria, mas logo mergulhou em silêncio. Ana realmente não parecia desejar o bem dele. Trinta anos de processo... Era bem provável que ele tivesse carregado o peso de muitas vidas perdidas, uma após a outra, ao longo dessas três décadas, enquanto ele continuava a matar... Mas, pensando bem, ele sabia, tanto quanto ela, que Ana tinha plena confiança em si mesma. Contudo, ao perceber que tudo o que ela tinha agora não tinha absolutamente nenhuma ligação com ele, Bruno simplesmente não conseguia ficar em paz. Ele não conseguia desejar felicidade para ela. Não depois de tudo o que aconteceu na despedida deles, com tanta dor e
Que risível, que absurdo. Eu fui enganada por Bruno, aquele em quem já confiei tanto no passado. Naquele escritório da Mansão à beira-mar, Bruno me ajudou pela segunda vez a recuperar o Grupo Oliveira. Na ocasião, ele me perguntou: — Você não vai revisar antes de assinar? Eu neguei com a cabeça, certa de que Bruno jamais se rebaixaria a usar meios desonestos contra mim. Sempre acreditei que eu era especial para ele. Naquela época, nossos encontros eram raros, mas toda vez que nos víamos, ele parecia gostar de passar o tempo comigo. Ele se deixava envolver nos nossos abraços com uma intensidade que me fazia acreditar numa conexão profunda entre nós. Seus lábios gelados deslizavam sobre os meus até se aquecerem, e eu, tola, achei que ele sentia algo por mim, por menor que fosse. Com essa ilusão, assinei meu nome sem hesitar e ainda carimbei o documento. Agora, ao encarar este contrato, já um tanto amarelado pelo tempo, vi com clareza que ele havia sido alterado. Bruno adic
Ao ver a expressão tranquila de Bruno, senti que quase não conseguiria mais me manter firme. Era como se uma força invisível estivesse exercendo uma pressão unilateral sobre mim. Permanecer ao lado de Bruno por mais um minuto faria com que a fachada que eu lutava tanto para sustentar fosse completamente despedaçada. Segurei-me e balancei a cabeça, tentando falar com o tom mais neutro possível: — Então, Presidente Bruno, pode ir na frente. Antes das nove, estarei lá pontualmente. Bruno tragou o último resquício do cigarro, jogou a bituca no chão e a apagou com elegância, pressionando-a com a ponta do sapato, antes de finalmente dizer: — Presidente Ana, desde quando você ficou tão cheia de hesitações? A Ana que eu me lembro era tão aberta e franca. O tom dele tinha um quê de provocação que me fez, inevitavelmente, lembrar dos momentos intensamente ambíguos que compartilhamos. No entanto, ao erguer meus olhos para encará-lo, não encontrei nada além de uma expressão impecavelme
O carro seguia suavemente pela estrada. Nem eu nem Bruno parecíamos dispostos a quebrar o silêncio. Foi apenas quando o semáforo obrigou o carro a parar que algo quebrou a monotonia. Uma garotinha se desvencilhou da mão da mãe e atravessou a rua aos pulos, sozinha. Pela primeira vez, vi uma expressão mais amena no rosto rígido de Bruno, um leve calor suavizando sua feição. — Sua filha, ela é obediente? — Ele perguntou de repente. "Sua filha..." Ele disse "sua filha"...Minha filha. Ela não tinha nada a ver com ele. Minha filha herdou o autismo por causa dele, mas esse homem, como se nada tivesse acontecido, ousava perguntar se ela era obediente. Dayane era obediente, sim, obediente ao ponto de passar a maior parte do tempo em silêncio. Se um dia Bruno soubesse da real condição de Dayane, ele ainda teria a ousadia de perguntar, tão casualmente, se ela era obediente? Apertei as mãos em punho, minhas unhas pressionando a palma para conter a onda de mágoa que ameaçava me co