Ao ver a expressão tranquila de Bruno, senti que quase não conseguiria mais me manter firme. Era como se uma força invisível estivesse exercendo uma pressão unilateral sobre mim. Permanecer ao lado de Bruno por mais um minuto faria com que a fachada que eu lutava tanto para sustentar fosse completamente despedaçada. Segurei-me e balancei a cabeça, tentando falar com o tom mais neutro possível: — Então, Presidente Bruno, pode ir na frente. Antes das nove, estarei lá pontualmente. Bruno tragou o último resquício do cigarro, jogou a bituca no chão e a apagou com elegância, pressionando-a com a ponta do sapato, antes de finalmente dizer: — Presidente Ana, desde quando você ficou tão cheia de hesitações? A Ana que eu me lembro era tão aberta e franca. O tom dele tinha um quê de provocação que me fez, inevitavelmente, lembrar dos momentos intensamente ambíguos que compartilhamos. No entanto, ao erguer meus olhos para encará-lo, não encontrei nada além de uma expressão impecavelme
O carro seguia suavemente pela estrada. Nem eu nem Bruno parecíamos dispostos a quebrar o silêncio. Foi apenas quando o semáforo obrigou o carro a parar que algo quebrou a monotonia. Uma garotinha se desvencilhou da mão da mãe e atravessou a rua aos pulos, sozinha. Pela primeira vez, vi uma expressão mais amena no rosto rígido de Bruno, um leve calor suavizando sua feição. — Sua filha, ela é obediente? — Ele perguntou de repente. "Sua filha..." Ele disse "sua filha"...Minha filha. Ela não tinha nada a ver com ele. Minha filha herdou o autismo por causa dele, mas esse homem, como se nada tivesse acontecido, ousava perguntar se ela era obediente. Dayane era obediente, sim, obediente ao ponto de passar a maior parte do tempo em silêncio. Se um dia Bruno soubesse da real condição de Dayane, ele ainda teria a ousadia de perguntar, tão casualmente, se ela era obediente? Apertei as mãos em punho, minhas unhas pressionando a palma para conter a onda de mágoa que ameaçava me co
Desde o momento em que entrei na Mansão à beira-mar, parecia que minhas mãos e pés haviam se desconectado do meu corpo. Eles perderam completamente a consciência, e fui guiada por Bruno o tempo todo, como uma marionete. Oito anos atrás, ele também me conduziu assim para conhecer nossa casa de recém-casados. A única diferença era que, naquela época, eu sentia uma timidez doce, enquanto sonhava com a ideia de que aquele seria o lar que dividiríamos. Ele achava que eu andava devagar demais, então se virou para segurar minha mão, com uma gentileza que beirava o irreal. — A partir de agora, vamos morar aqui. Levantei os olhos para olhar Bruno de costas. Só agora percebia que, mesmo naquela época, havia certa impaciência escondida dentro dele, disfarçada com maestria. Se não fosse assim, por que agora ele faria questão de acompanhar meu ritmo, permitindo-me tempo para explorar cada detalhe do jardim? Mas hoje, esse lugar já não é mais nossa casa de recém-casados. E ele, afinal, o
Eu fiquei com medo. O ódio que brilhava nos olhos de Bruno não era falso. Mas, entre nós dois, quem deveria se sentir mais traído? A tristeza se espalhava e transbordava em meu coração, como uma tempestade violenta. No fundo, eu sabia que não estava tão tranquila quanto queria acreditar. Mesmo após três anos de separação, nunca houve um instante em que eu tivesse esquecido Bruno. Cada lágrima que derramei por causa de Dayane tinha, de certa forma, a contribuição dele. Quando se tratava de ressentimento, eu certamente não ficava atrás. Nas incontáveis noites do passado, a imagem de Bruno em pé no alto de um prédio vinha me atormentar em sonhos. Eu temia, temia profundamente, que um dia Dayane acabasse da mesma forma. No fim, parei de resistir. — Estou com trinta anos. Na sua opinião, Presidente Bruno, ainda tenho algum atrativo? — Sorri de forma provocante, deslizando o dedo indicador pelo pomo-de-adão que subia e descia em sua garganta. — Por que trazer à tona o passado?
As palavras de Bruno me deixaram perplexa. Por que ele dizia isso? E por que fazia tais coisas? Olhei para ele, tentando entender, mas seus olhos negros também estavam fixos em mim, como se esperasse algo. — Não tem nada a dizer? — Perguntou ele, aguardando minha reação. Balancei a cabeça. — Não. Ele curvou os lábios em um sorriso cheio de sarcasmo e desviou o olhar, rompendo o contato visual. Ele sabia que havia falado demais. Na verdade, sabia que nem deveria ter a trazido até aqui. Hoje, ele já havia cometido erros demais. Disse coisas que deveria ter guardado para si. Mas o que ele esperava, afinal? Ela já tinha outro homem, e ainda assim... Por que ele continuava esperando algo? Seu olhar se abaixou, perdido, enquanto ele dizia friamente: — Vai embora. ... Me mandar embora só porque fiquei em silêncio? Que idiota instável e imprevisível! Por outro lado, era melhor assim. Olhei para o relógio. Ainda dava tempo de levar Dayane para a escola. — Então e
Eu mordi os lábios e sacudi a cabeça, tentando afastar as lágrimas que escorriam pelo meu rosto. Eu tinha trinta anos. Como uma mulher de trinta anos ainda poderia chorar só porque foi insultada? Tão ridículo! Eu não daria mais a ele a chance de me humilhar. — Bruno, faça o que quiser. Não vou mais me intrometer na sua vida. Porém, assim que terminei de falar, seus braços ao meu redor quase se apertaram, segurando-me com tanta força que a dor atravessou minha pele e chegou aos ossos. Até respirar doía. Eu comecei a me debater, desesperada, perdendo completamente minha máscara. Naquele momento, parecia que eu havia regredido a uma garota inexperiente, sentindo pela primeira vez o sabor amargo do amor. — Não me toque! Enquanto lutava para manter a calma, algo dentro de mim parecia prestes a explodir, impossível de ser contido. Desde o momento em que voltei e vi Bruno novamente, ele me olhava com aquele mesmo olhar desdenhoso e provocador. Era como se, aos olhos dele,
Meus olhos se arregalaram, tingidos por um vermelho intenso. Minhas mãos apertaram os pulsos dele com força, enquanto meu olhar permanecia fixo em seu braço esquerdo. — Por quê? Respirei fundo, tentando afastar os pensamentos. Não conseguia imaginar a dor de ter uma área tão grande tatuada, a agulha perfurando incessantemente a pele. E por que era a minha imagem? Na minha mente, fazia mais sentido ser Gisele, isso tornaria tudo mais crível, mais lógico para mim. As cicatrizes complexas estavam unidas por linhas negras, formando traços tão detalhados que pareciam uma obra de arte. Consegui distinguir até fios de cabelo delicadamente desenhados. A única parte intacta de sua pele formava o contorno do meu rosto. A área ligeiramente avermelhada coincidia com os lábios, e eu, ingenuamente, pensei que fosse resultado de queimadura recente. Mas as palavras seguintes de Bruno demoliram por completo as minhas suposições. — A tatuagem que você está vendo levou três anos para ser con
— Bruno, seu desgraçado! Minha voz tremia junto com minha respiração, e meus dentes batiam involuntariamente enquanto eu falava. Bruno se aproximou, segurando a gola da minha roupa com a mão esquerda e me puxando do chão com força. Ele me trouxe tão perto de seu corpo que era impossível não sentir a respiração dele roçando meu pescoço, fria como o gelo. Seus olhos negros e estreitos estavam cobertos por uma camada fina de algo que parecia gelo derretendo lentamente. Mesmo ouvindo meus xingamentos, ele apenas me lançou um sorriso despreocupado. Mas aquele sorriso... Por mais que eu tentasse interpretar, só conseguia sentir uma ameaça sutil e carregada de significado. ... Bruno estendeu a mão e afastou com delicadeza os fios de cabelo que caíam sobre meu rosto, ajeitando-os atrás da minha orelha. Em seguida, endireitou as roupas que ele próprio tinha desarrumado, com movimentos cuidadosos e uma expressão que lembrava alguém arrumando sua boneca favorita. Tentei me esquivar,