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Capítulo 1: VOLTANDO PARA UMA ANTIGA VIDA.

Estava caminhando pela areia da praia, tentando clarear a minha mente e me forçando a não cair no choro. Talvez eu devesse voltar para casa e encher a cara até o meu coração ficar dormente, sem sentir nenhuma dor.

Como ela pode fazer isso? Terminar tudo dessa forma? Ela não me amava? Qual foi o problema que fez ela ir embora?

Minha cabeça procurava de todas as formas tentar achar uma explicação para ela ter me deixado e pode ter certeza que há uma lista longa de motivos para ela ter ido. Só que eu queria contra-atacar minha própria mente, listando os motivos que ela devia ter ficado, mesmo que o motivo maior e que mais faz sentido para mim fosse apenas um. Que eu a amava mais do que tudo, que isso devia ter sido o suficiente para ter feito ela ficar.

Começou a chover do nada, não havia sinal algum no céu de que ia chover antes daquela tempestade chegar, não estávamos em época de chuvas fortes. Decide por vez voltar para casa só que sem pressa, não me importava de tomar banho de chuva porque talvez as gotas d’agua lavassem toda a frustração que eu estava sentindo.

Eu estava no mundo da lua enquanto caminhava para casa, pensando no que ela estaria fazendo, se estaria bem e principalmente se estaria pensando em mim também quando ele surgiu de repente.

Não tive tempo de reagir, foi tão rápido. A faca entrou em meu corpo e senti a dor surgir se misturando com a surpresa. Algo queimou dentro de mim, se alastrando como fogo, ele torceu a faca e a dor piorou, quando olhei para o seu rosto entrei em choque, sem entender como aquilo era possível. Não aqui, como pode fazer isso comigo?!

Antes de retirar a faca, ele se aproximou do meu rosto, como se quisesse me contar algo, um segredo. Deus que dor horrível!

— O que você não vê, pode te machucar — murmurou em minha orelha, pressionou mais forte e fundo a faca em meu corpo antes de tirar. — E você nunca mais vai vê-la.

Meu corpo amoleceu, minhas pernas se dobraram e cai de joelho, olhei para o seu rosto e naquele momento senti tudo escurecer e apenas uma coisa fico em minha mente.  Mikaella.

Dizem que antes da gente morrer toda a nossa vida passa diante dos nossos olhos, a minha não foi tão longa assim e sinceramente a minha vida podia ser resumida a uma única coisa. Mikaella. Em minha mente passou todos os momentos em que a vi, desde quando eu era pequeno e a conheci pela primeira vez. Vi seu sorriso meigo ao conversar com a minha irmã quando elas tinham doze anos e achava que ele poderia brilhar mais do que as estrelas, quando vi seus lindos olhos castanhos escuros piscando repetidamente com ternura, virando o tom lilás que comecei a amar. Passou em minha mente ela em meus braços, se aconchegando para mais perto e como se fosse possível, vi o seu cheiro de lavanda com pétalas de rosas me rodear enquanto sentia a vida sair do meu corpo. Observei seu corpo deitado em minha cama, coberta pelo lençol enquanto dormia com suas pálpebras tremendo ao sonhar, recordei do seu vestido de princesa na festa da minha irmã e como ela parecia ser de verdade da realeza.

A última imagem ao passar em minha mente não foi uma lembrança dela, ela estava diferente agora, tão diferente. Seus cabelos eram loiros e meio presos, com mechas rosas e azuis caídas no ombro, estava com uma roupa branca e corpete desenhado com detalhes cinza, combinando com o bracelete de batalha de guerreiros vikings por cima de uma manga longa, ela estava com um manto de pelos brancos e com capuz, em sua testa pousava uma coroa delicada com rubis. Mikaella continuava linda daquela forma, sempre seria linda para mim.

Sua voz era doce e chamava pelo meu nome, cantarolava por mim. Queria ir até ela, abraça-la e não deixar nunca mais ela se afastar de mim, não poderia ficar longe dela nem por mais um segundo. Quando nos aproximando e finalmente tomei ela em meus braços, eu acordei.

Voltei para a minha miserável realidade. Estava em meu quarto e ainda não tinha amanhecido, minha respiração estava acelerada e meu travesseiro molhado, se era por conta das lagrimas que escorriam dos meus olhos ou do meu suor, não sabia dizer. Continuava tendo esses sonhos desde que fui esfaqueado e quase morto, o sonho sempre terminava com a Mikaella dessa forma tão diferente.

Me sentei na cama e passei a mão no rosto, secando as lagrimas. Skyla levantou a cabeça quando percebeu que eu já estava acordado, havia ficado com ela após que Mikaella foi embora, não tive outra escolha pra ser sincero. Assim que foi me dado alta no hospital e voltei para casa, lá estava Skyla me esperando do lado de fora, achei que era para a minha irmã, Natasha, cuidar dela e por conta disso deixei ela entrar só que ela foi direto para o meu quarto e começou a me seguir. Mia uma vez explicou como Skyla era e como existia a ligação das duas, fiquei feliz em saber que ela queria ficar como, era uma boa companhia que me lembrava o lado doce da minha Mia.

 — Você acha que alguma hora eles acabam? — perguntei cansado para Skyla que por sua vez uivou baixinho e voltou a deitar a cabeça entre as patas. — É, também acho que não.

Virei meu travesseiro e voltei a me deitar, virei de lado e encarei a fotografia que estava eu e a Mia juntos, eu beijava seu rosto enquanto ela ria, desejei mais uma vez que ela não tivesse partido.

— Você não devia ter escolhido ele — confessei ressentindo.

Acordei com o relógio tocando, consegui dormi apenas algumas horas a mais após o meu sonho e mesmo assim me sentia exausto, como se um caminhão tivesse passado por cima de mim dez vezes seguidas.

As aulas já haviam voltado fazia quase dois meses e mesmo assim parecia estranho ir para o colégio. Tudo em minha vida parecia estranho depois do meu acidente, como se eu estivesse voltando para uma antiga vida na qual eu não pertencia mais. Mesmo que agora a única coisa antiga que restasse fosse isso, porque agora minha vida estava diferente. Ia de manhã para o colégio, passava a tarde cuidando do Fatia Doce e a noite ia para academia, tentando ganhar mais força para não ser surpreendido de novo, não queria e nem iria ficar indefeso novamente caso algo daquilo acontecesse mais uma vez. Sempre fui bom de briga, porém depois de ser esfaqueado com veneno, isso me fez ver que na verdade eu estava fora de forma total.

Tentava me manter ao máximo ocupado, deixar minha mente sempre focada em algo, só que não dava certo na maioria das vezes, me pegava sempre pensando na Mia e como sentia sua falta. Quando isso acontecia eu recorria ao que era familiar em minha vida desde que ela havia partido para morar na Itália e eu não fazia ideia se ela iria voltar ou não, eu enchia a cara até minha mente ficar tão desfocada que eu nem saberia como pronunciar o nome Mikaella sem soluçar.

Entretanto antes de eu conhecer e optar por bebidas, eu tentava tirar ela da minha cabeça me relacionando com outras garotas, na época da Itália isso funcionou, o amor que eu senti por ela ficou adormecido, mas agora, depois de termos namorado e eu ter sido o cara mais feliz do universo por algumas semanas, nenhuma garota chegava sequer me fazer esquecer um fio de cabelo da minha Mia.

Sai da cama arrastando os pés pelo chão até o banheiro, ainda estava um pouco escuro no dia lá fora, porém conseguia já ouvir os barulhos dos pássaros nas árvores. Lavei meu rosto com água fria para me despertar completamente, não estava com pressa para me arruma, afinal era sempre a mesma roupa o uniforme, não precisava ter preocupação de saber qual camisa usar ou não, só precisava estar limpa e mesmo senão estivesse, dane-se, eu colocaria um casaco por cima.

Quando voltei para o quarto, Skyla já estava de prontidão ao lado da cadeira da mesa de estudo com um olhar que dizia: mais um dia, vamos lá campeão, sei que você consegue, não me faça lamber a sua cara! Sorri para ela quando uivou para mim, me apressando.

— Ok, ok. Já estou indo — cedi, passei a mão por cima da sua cabeça e fui em direção ao guarda roupa. — Hoje é segunda feira, me dê um desconto.

Fiquei conversando coisas aleatórias com a Skyla enquanto me trocava, quando terminei me olhei no espelho para saber como estava. Calça preta de linha, camisa social branca um pouco amassada com os últimos botões abertos, gravata azul listrada frouxa no pescoço, também tinha o paletó do colégio que era azul marinho, que deve estar em algum lugar. Olhei em volta procurando, aonde está?

— Ei garota, viu meu paletó do colégio por aí? — perguntei a Skyla enquanto vasculhava na pilha de roupas que estavam jogadas na poltrona.

Olhei para a Skyla e ela estava com ele na boca, segurando pelo colarinho, sorri em agradecimento e peguei, sacudi e o vesti. Pronto, agora estava socialmente aniquilado para o colégio. Odiava esse uniforme.

— Valeu, Skyla, mas o que foi que a gente tinha combinado? Ao ver o paletó, destrua-o, não o busque — a lembrei, segurando seu rosto e apertando com carinho. — Ele é horroroso, não percebe?

Ela lambeu minha mão em resposta. Como convivi tantos anos com a minha irmã que era louca por modo e com dois melhores amigos que são gays que também entendi disso, infelizmente desenvolvi um certo desgosto para algumas roupas e o uniforme do colégio era uma delas.

Peguei minha mochila e desci as escadas correndo, não havia ninguém em casa. Meus pais voltaram a viajar sabe se lá para onde, talvez para a África, quem sabe? Natasha foi com Athelas e os outros dois gêmeos atrás da Mikaella já fazia um mês. Brigamos sobre eu ir junto e no final das contas já sabemos quem ganhou, acabei ficando sozinho e para trás. Todo mundo estava com a grande mania de me abandonar, isso já estava enchendo a minha paciência, não era justo fazerem isso, primeiro Mikaella indo atras do Troy. A dor de saber que ela escolheu ele era cem mil vezes pior do que a dor que senti quando fui atacado.

Pode ser drama adolescente, mas acredito que no meu caso, quando você se apaixona por uma garota que é a rainha do universo, o famoso clichê dos corações quebrados dos adolescentes não se aplica a você, acho eu. Porque mesmo sabendo que amores joviais podem acabar, que você esquece a pessoa depois de alguns meses, esse nunca poderia ser o meu caso, quem me dera fosse assim tão fácil, comigo nunca poderá ser assim. Eu a amo e sempre vou ama-la, com cada pedacinho quebrado do meu coração, eu a amo desde dos meus oito anos de idade e continuei amando até o dia de hoje, não tem como isso sumir. Não enquanto cada parte do dia me lembra dela, tudo nesse mundo me lembra da minha Mia, o mundo inteiro me lembra ela, como poderia não pensar dessa forma? Ainda mais depois do que passamos juntos, do que eu passei e carrego agora comigo, sempre que me olho no espelho vejo em meu olho esquerdo a cor dos seus olhos, o castanho escuro que a Mikaella tinha, agora estavam em mim, fazia uma divisão com o verde na parte de cima.

No começo as pessoas que me conheciam me perguntaram como aquilo foi acontecer comigo, não podia dizer como até porque de forma sincera nem eu mesmo sabia direito como aquilo surgiu. Então dava de ombros e dizia que foi apenas surgindo aos poucos, como uma pequena manchinha que foi crescendo.

Não era apenas isso que crescia dentro de mim, comecei a ter ataques de raiva, me estressando por coisas que não deviam me importar, meu temperamento estava mais explosivo do que antes e eu não conseguia controlar e não sabia o que estava acontecendo. Apenas sentia raiva quase o tempo todo, raiva da Mikaella por ter me deixado, da Natasha por ter feito o mesmo, de ter sido esfaqueado por alguém que eu pensei que era impossível ter feito aquilo. Raiva de ficar nesse mundo sem poder fazer nada para ajudar, apenas tendo que viver a minha como se fosse fácil fazer isso.

Meu coração começou a bater mais rápido, sentia a adrenalina subir e a vontade de socar alguma coisa, fechei minhas mãos em punho e tentei respirar pela boca, voltando a ficar calmo. Às vezes funcionava e outra vezes não, parecia que havia uma voz dentro da minha cabeça me atiçando a quebrar algo, a explodir, dizendo que era isso que eu precisava, que eu precisava destruir algo, quebrar tudo e todos e que só assim eu conseguiria ficar bem de novo, deve ser assim que as pessoas com temperamento explosivo devem se sentir, sei lá.

Tomei meu café da manhã sem fome alguma, apenas para ter algo no estomago até o horário do intervalo. Estava terminando de arrumas as coisas para sair quando meu celular vibrou dentro do meu bolso. Era o Eduardo.

— Qual é, cachinhos dourados, anda logo. Já estamos te esperando aqui fora — gritou no telefone antes mesmo que eu dissesse algo.

— Já estou indo — resmunguei e desliguei na sua cara. — Vem, vamos garota está na hora de irmos em rumo ao matadouro.

Skyla jogou a cabeça para trás e uivou como se estivesse em sofrimento, ela entendia meu humor e ultimamente parecia que era a única. Saindo de casa já estavam parados os meus melhores amigos, Lucca, Eduardo e Erik. Estávamos todos vestidos iguais, menos Erik que por si próprio gostava de ser o mais extravagante, usando a gravata na cintura como se fosse um cinto, calçava um tênis vermelho que chamava bem a atenção e claro, seu cabelo azul com topete saído pela toca preta.

Olhei aquilo e sorri sozinho, o nosso quarteto era muito complexo. Erik e Eduardo tinham um lance, poderia ser chamado de namoro se eles não terminassem a cada duas semanas e voltassem só quase um mês seguinte, os dois passaram as férias juntos em um cruzeiro, acompanhei tudo pelas redes sociais o divertimento dos dois. Erik era a alegria do grupo, quase como se fosse a cola que mantinha tudo junto e bem equilibrado que deveria existir entre nós, tinha dezessete anos como Lucca e Eduardo, os três faziam aniversário no começo do ano, enquanto eu apenas fazia em dezembro, me tornando o “bebê” do grupo, apenas por causa de alguns meses de diferença e esses caras se achavam os “responsáveis”. Erik sempre inovava o uniforme de alguma forma, já tomou cada advertência por não seguir as normas do colégio que ele só não foi expulso porque seus pais sempre davam uma boa doação pro colégio em compensação, ele brincava e tirava sarro de tudo e criticava ao mesmo tempo, porém era aquele amigo que você sabia que podia contar para desabafar e procurar por conselhos, virou meu segundo melhor amigo na época que estudávamos no oitavo ano, quando me disse que se que quisesse ficar com mais garotas devia usar mais camisas azuis porque destacava os meus olhos verdes, na hora olhei para ele como se ele estivesse falando a língua esquisita da minha mãe, que no caro era a moda. Porém horas depois ele apareceu de novo, me apresentando uma garota que eu estava interessado fazia algumas semanas só que ela não me dava bola, eles eram amigos e Erik apenas foi me enchendo de elogios na frente dela, não lembro qual era o nome da garota ou sequer lembro se ficamos juntos, apenas recordo de como ele entrou na minha vida e parecia que não iria mais sair dela tão cedo.

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