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Capítulo 2: DANDO TEMPO AO TEMPO POR MUITO TEMPO.

Nunca fui um cara muito religioso, acreditava em uma força maior, porém nunca realmente rezei por algo ou sequer por alguém. Por conta disso fiquei impressionado comigo mesmo quando percebi que estava sentado nos degraus de uma igreja e resolvi entrar, não sei o que aconteceu comigo para fazer isso. Apenas sentia uma grande vontade de entrar e assim o fiz.

Não era uma igreja muito grande, mas possuía seu charme com os vidrais coloridos de anjos e arcanjos que iluminava em parte os bancos enfileirados que eram usados por poucas pessoas rezando naquele momento. Andei até a primeira fileira do banco, onde não se encontrava ninguém, me sentei e olhei para o púlpito sem saber o que fazer a não ser encara-lo.

Que raios eu estou fazendo aqui? Nunca fui de orar ou de pedir ajuda a Deus, por que iria começar agora?

Uma voz em meu coração respondeu: por causa dela. Respirei fundo com a ideia, claro que eu estava ali por causa dela, minha vida parecia girar em torno dela. Era como se eu fosse apenas um pequeno mundo e ela uma galáxia inteira. Limpei minha garganta e juntei as mãos, sem saber como era o correto para começar, respirei fundo e olhei para cima para quem estivesse lá me olhando de volta.

— Hm... oi, eu sou o Gabriel — murmurei bem baixo, me sentindo um tolo por estar fazendo isso. — Mas provavelmente você já sabe disso ou vocês, não sei direito como isso funciona. Acho que eu apenas falo e aí você de cima escuta, certo? — fiz uma pausa, esperando uma resposta milagrosa. — Ótimo, está sendo realmente uma ótima conversa.

Abaixei a cabeça, olhei para o meu tênis e me senti meu emocional exausto, esgotado.

— É difícil para mim, sabe? Eu vivo pensando nela, nas coisas que eu quero contar. Perguntar como foi o dia dela, contar como foi o meu dia, como sinto saudades de nós dois juntos. Só que ela não está por perto para ouvir e tem sido um desafio andar sozinho, esperar no tempo que os nossos destinos se cruzem de novo, não ficar preso no passado. Eu encontrava paz no que é agora a ausência dos olhos dela, eles que me traziam paz. Oh meu Deus, me traz de voltar a Mikaella porque tudo que tenho e sou é o amor que tenho por ela — supliquei, sentindo as lagrimas queimarem em meus olhos. — Ou me ensina a ama-la um pouco menos. A minha vida seria mais fácil assim.

Sequei minhas lagrimas com a minha camisa, tentando parar de chorar.

— Mas acima de tudo, o que eu lhe peço é que proteja ela. Proteja a minha Mikaella — pedi com ternura. — Ela é uma mulher incrível e forte, mesmo assim cuide dela por mim, Deus. Ela é tudo para mim.

Não senti nada preencher o meu coração, uma calma no espirito depois que sai da igreja, percebi que talvez eu realmente não fosse um cara religioso ou apenas fui ignorado. De qualquer forma fui direto para casa, me entreguei a melancolia que me aguardava. Eu podia ligar para os garotos para eles virem aqui e jogarem videogame, poderia ir até a praia e tentar limpar a minha mente de qualquer drama que gostaria de se formar nela, mas achei melhor apenas ficar em casa porque não queria pessoas ao meu redor, não queria nada ao meu redor que não fosse a solidão e a Skyla.

Havia uma empregada que vinha cuidar da casa á tarde, quase nunca nos encontrávamos mais depois que comecei a trabalhar e hoje não foi diferente. Chegando em casa senti o cheiro de limpeza no ar, notei que a sala estava arrumada, já que a fina camada de pó que estava se acumulando em cima dos móveis não existia mais e a sala exalava o cheiro de pinheiro. Skyla entrou correndo pela casa indo em direção ao seu pote de ração, fui atrás dela enquanto largava minha mochila pelo caminho. Coloquei a ração e água nos devidos potes e fui para a cozinha a procura de algo para comer.

Quando cheguei na bancada da pia senti uma forte dor de cabeça surgir, algo martelava forte em minhas têmporas me obrigando a segurar na borda da bancada para me equilibrar. Fechei forte os olhos de tanta dor que fiquei. Surgiu vozes gritando alto e imagens rápidas brotaram em minha mente, não conseguia saber o que eram ou o que diziam, passavam muito rápidas e a dor era muito forte, achava que a minha cabeça iria explodir.

Não sabia quanto tempo durou aquela dor insuportável, me vi ajoelhado no chão da cozinha e coloquei minha cabeça entre meus braços apertando com força. As vozes e as imagens cessaram quando senti a Skyla com seu focinho em meu rosto, farejando o que estava errado comigo.

Me levantei com dificuldade e zonzo, minha visão ficou embaçada parecendo que eu tomei um porre de bebida e agora surgia a ressaca. Sentei e apoiei meus braços na mesa, sustentando a minha cabeça. Que merda foi isso? Parecia que eu estava sendo torturado com eletrochoque só que dez mil vezes pior. Minha cabeça ainda doía, mas não tanto quanto na hora que aquilo ocorreu. Skyla sentou nas suas patas traseiras ao lado da cadeira e me encarou preocupada.

— Acho que estou tendo um tumor cerebral, o que acha? — ri com amargura para mim mesmo enquanto massageava minha testa. Skyla grunhiu em desaprovação com a piada, encostou seu focinho mais perto de mim. — Estou bem, apenas uma dor de cabeça...forte — a tranquilizei exausto. — Nada que umas aspirinas não resolvam.

Naquela noite foi a mesma coisa, sonhei com tudo aquilo de novo. Minha mente gostava de me lembrar até dormindo de como a vida não para. Que o sofrimento não descansa nem quando queremos fugir de tudo.

Acordei atrasado para o colégio no dia seguinte, com os rapazes quase quebrando a porta da frente. Me levantei em um pulo assustado, me esquecendo por um momento o que estava acontecendo. Skyla por minha sorte e magica, conseguira deixar minhas coisas organizadas, segurando minhas roupas do colégio na boca e as vesti às pressas enquanto escovava os dentes. Meus olhos avermelhados de sono faziam parecer que eu havia fumado maconha.

Maconha, como sentia a falta de fumar uma, talvez comprasse alguns baseados hoje e fumasse no final de semana, iria me ajudar a relaxar. Dei alguns tapas no rosto para melhorar a minha aparência, desisti da tentativa quando percebi que não me importava como eu estava. Desci as escadas pulando de dois em dois os degraus, peguei minha mochila largada no chão da noite anterior e parti para porta.

— Meu deus da moda! Você foi atropelado por um caminhão?! — perguntou Erik indignado, parada na calçada.

Ajeitei a mochila no ombro e caminhei.

— Não enche — retruquei.

— Está mais para um caminhão de lixo, você tá podre, cara — observou Eduardo.

— Igual a tua mãe.

— Bem, ela já está velha, não podemos exigir muito. Mas você? Nossa, está realmente horrível.

— Eu dormi demais e me atrasei, nada demais — falei apressado. Eles sabiam de verdade pegar no meu pé.

Chegando no colégio, Kayla não estava sentada no meu lugar. Ela havia sentado na carteira que fiquei no dia anterior, por alguma razão fiquei desapontado em não ver ela em meu lugar.

— Ah resolveu fazer o certo e devolver o que roubou, garota? — provoquei com humor, me acomodando na mesa.

Kayla apenas arqueou a sobrancelha e riu por dentro.

— Eu ainda continuo não vendo o seu nome nesse lugar, garota. Só que pode ficar com ele, percebi que sempre posso achar algo melhor.

— Aí, assim você machuca os meus sentimentos antipáticos sobre você — coloquei a mão no coração fingindo dor.

— O que posso dizer? Vocês homens são tão sentimentais.

— Claro, fiquei sentado no sofá a tarde inteira esperando seu telefonema. Você prometeu ligar — brinquei gargalhando.

— Ah, eu não fui clara sobre isso? Prometi ligar o foda-se, não para você — respondeu à altura e jogou o cabelo para trás do ombro.

— Mano, casa com ela senão eu caso — se intrometeu Eduardo. Kayla sorriu para ele e deu uma piscadela.

Sua resposta havia me deixado surpreso, essa garota tem muita confiança e acabou com qualquer clima de flerte que poderíamos ter. Gostei dela.

Antes que eu pudesse formular minha resposta a professora de literatura chegou.

— Vai ter volta — sussurrei em sua direção e pisquei.

— A caixa postal irá mandar você ir pro inferno — respondeu e piscou de volta.

Balancei a cabeça indignado de como ela sabia dar respostas rápidas.

— Bom dia alunos. Na aula de hoje faremos algo diferente para o bimestre — iniciou a falar enquanto escrevia logo algo na lousa. — Iremos juntar suas notas dessa matéria com a matéria de artes. Esse bimestre iremos fazer uma peça de teatro, usando os conteúdos das duas matérias.

Deitei minha cabeça na carteira com a notícia, era muito trabalho para se fazer e eu detestava isso. A professora continuou falando sobre como as coisas seriam feitas, quem ficaria com os papeis e qual peça seria interpretada. Parecia que ia ser uma obra original de algum aluno. Estava quase pegando no sono quando escuto Erik falando alto em protesto.

— Professora, é uma injustiça essa peça — constatou.

— Como seria uma injustiça, Erik?

— Há apenas personagens heterossexuais. Isso é um preconceito com o restante.

— Não, não é sr. Erik — respondeu com cansaço na voz, não querendo debater com um aluno de dezessete anos.

— Claro que é! Cadê a modernidade desse mundo nesse colégio antigo? Temos direitos iguais, deveriam acrescentar personagens homossexuais.

Erik sempre fazia isso, uma cena para os seus direitos iguais. Acreditava fielmente que ele será um ótimo advogado ou um ótimo protestante nas ruas de Wishfells. A sala toda ficou eufórica com a cena, apoiando o que ele proclamava, agora se era porque concordavam com Erik ou porque gostavam de ver um conflito, eu não sabia dizer. Porém, Erik sempre conseguia o que queria.

— Ok, Erik. Colocaremos um personagem homossexual — cedeu a professora, cansada com o debate.

— Ótimo! Fico contente — agradeceu e voltou a se sentar.

— É bom que o senhor saiba interpretar muito bem. Isso irá valer metade da nota final — alertou.

— O que? Não, não. Não quero o papel — respondeu com uma risada nervosa.  — Apenas queria colocar meu ponto de vista.

— E colocou. Agora irá colocar a interpretação em questão. Parabéns.

— Droga — queixou-se, afundando na cadeira.

— Agora vamos dividir os outros personagens — retomou a professora, me fazendo voltar a deitar a cabeça na mesa.

Ela foi passando pelas fileiras, colocando o roteiro da peça em cima das mesas com qual função cada aluno teria. Torcia para que eu tivesse pegado para trabalhar nos bastidores, no áudio ou no cenário, qualquer lugar que não fosse para ser um personagem.

Quando chegou minha vez, peguei o roteiro e li o título: Entre os cosmos. Aquilo iria ser sobre astronomia? Eu podia ser uma estrela se fosse esse o caso. Folhei as páginas e encontrei onde indicava qual personagem eu iria interpretar. Um tal de Mike.

A história parecia se passar entre espaço do tempo, em épocas diferentes com um casal desabafando cada sentimento, era uma história criativa admitia isso. As falas não eram complicadas e por fim percebi que não seria muito difícil interpretar nessa peça. Eram reflexões sobre o amor em épocas diferentes, como perspectivas diferentes.

— Ei, garoto. Parece que irei acabar com você nessa peça — comentou Kayla, segurando o seu roteiro.  — Serei o seu par, uma tal de Lucy.

— Já não basta ser ladra de mesas, detonadora no vôlei e agora irá ser meu par na peça? Garota, qual é o seu fascínio com a minha pessoa? — perguntei fingindo espanto, porém contente que ela iria fazer par comigo.

— Pessoas idiotas são sempre fascinantes — respondeu convencida. —Você parece ser o rei delas.

— Curve-se diante de mim, plebeia — retruquei com voz autoritária e empinei o nariz. — Antes que meus guardas lhe levem para a forca.

— Esses três aí? — indicou os meninos que na hora logo viraram o rosto para frente, tentando disfarçar de forma falha de que não estavam prestando atenção na conversa. — Jurava que eles eram os reis da falta de discrição, vergonha na cara e da sutileza.

— Eu fico com a falta de sutileza! — declarou Erik entusiasmado que fez todos nós cairmos na gargalhada.

— E que tal você ficar com a falta de vergonha na cara? — apontou para o Lucca.

— Eu fico com quem você quiser, gata. Principalmente você — flertou.

— Realmente o título serve direitinho para você — gargalhou e jogou a cabeça para trás. — E você fica sendo o rei da falta de discrição — anunciou por fim para o Eduardo que deu de ombros.

— Por mim tanto faz — respondeu tranquilo. — Serei rei de qualquer forma. Mas e você novata, será a rainha do que?

Kayla se inclinou para frente, se aproximando mais da rodinha de nós quatro.

— Não sou rainha. Sou uma deusa — respondeu com uma voz penetrante e até um pouco sensual, aquilo me deixou encantado.

— Amiga, eu já amo você garota — declarou Erik animado

— Me chame de Kayla — respondeu e me encarou antes de piscar para mim.

Pela primeira vez em dois meses me senti despreocupado e que o dia poderia finalmente valer a pena.  Que aquela peça de teatro seria uma coisa boa para se passar o tempo, ainda mais se fosse ao lado da Kayla.

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