Entre Dois Mundos

O som do relógio de parede preenchia o escritório silencioso de Alexander. A cidade se estendia além das janelas de vidro, um oceano de luzes e sombras que pareciam pulsar no ritmo de sua inquietação. Ele havia tomado uma decisão firme na reunião com a diretoria, mas sabia que sua batalha estava longe de terminar.

Ser CEO nunca foi uma questão apenas de poder. Ele sempre soube jogar o jogo corporativo, entender números, estratégias e lucros. Mas agora, depois de dias como Alex Rocha, ele começava a perceber o que nunca esteve nos relatórios. O que fazia a Moretti Jewels realmente funcionar não estava nos gráficos financeiros. Estava nas mãos calejadas dos trabalhadores que passavam despercebidos.

Victoria entrou no escritório sem bater, segurando o tablet com uma expressão indecifrável.

— A terceirização foi oficialmente suspensa. O conselho aceitou sua solicitação para revisar os custos, mas não estão felizes com isso.

Alexander soltou um suspiro, apoiando-se na mesa.

— Já esperava resistência.

— Eles vão continuar pressionando para cortes em outros setores. A impressão que tive é que só recuaram para ganhar tempo.

Ele passou a mão pelo rosto, sentindo o peso de tudo aquilo.

— Então, enquanto isso, eu vou continuar como Alex Rocha.

Victoria cruzou os braços, avaliando-o por um instante.

— Quanto tempo pretende manter esse disfarce?

Alexander olhou para a vista além do vidro, refletindo.

— Até eu entender completamente o que está errado na minha própria empresa.

Ela soltou um pequeno suspiro, mas não tentou convencê-lo do contrário.

— Só tome cuidado. Está lidando com um mundo que não é o seu.

Alexander assentiu, mas no fundo sabia que já não pertencia totalmente a nenhum dos dois mundos.


No dia seguinte, ele voltou ao depósito, vestindo novamente o uniforme azul de trabalhador. O ambiente era o mesmo, mas algo dentro dele havia mudado. Ele já não era mais um estranho ali, e os rostos antes indiferentes agora pareciam mais receptivos.

Pedro o cumprimentou com um aceno de cabeça enquanto empilhava caixas, e Jorge apenas lhe deu uma olhada breve antes de voltar para sua prancheta de anotações. O trabalho começou como de costume, mas Alexander percebeu que as conversas estavam mais animadas do que nos dias anteriores.

— Ouvi dizer que a terceirização do setor de limpeza foi suspensa — comentou um dos funcionários.

— Sério? Mas já estava decidido. O que será que aconteceu?

Alexander não disse nada, mas um leve alívio percorreu seu peito. Pelo menos, por enquanto, Clara e os outros funcionários estavam seguros.

No meio da manhã, ele a viu novamente. Clara empurrava seu carrinho de limpeza pelo corredor, mas havia algo diferente nela. Seu semblante parecia menos carregado, e quando seus olhos encontraram os dele, havia um brilho de curiosidade.

— Alex, você está sabendo dessa história da terceirização? Parece que mudou alguma coisa.

Alexander fingiu surpresa.

— Ouvi alguns comentários, mas nada concreto. Isso é bom para você, não é?

Ela suspirou, encostando-se na parede.

— É sim. Mas não sei até quando. Aqui dentro, as coisas mudam rápido.

Ele percebeu que, mesmo diante de uma boa notícia, Clara continuava cautelosa. Aquela era a realidade de quem vivia na base da empresa. Nenhuma vitória era definitiva.

Antes que pudesse responder, Jorge apareceu chamando todos os funcionários do setor para uma breve reunião no pátio. O ar carregado indicava que não era algo trivial.

— Pessoal, preciso da atenção de vocês. Tivemos um problema no sistema de estoque e algumas entregas estão atrasadas. Isso significa que o turno de hoje será estendido para compensarmos a perda de tempo.

Houve murmúrios entre os trabalhadores. Alguns trocaram olhares resignados, outros apenas assentiram.

Pedro, ao lado de Alexander, suspirou.

— Mais uma vez, a culpa não foi nossa, mas somos nós que pagamos o preço.

Alexander sentiu um incômodo crescente. Ele sabia que imprevistos aconteciam, mas o padrão era sempre o mesmo: a base da empresa arcava com as consequências dos erros administrativos.

Aquele dia foi mais longo e exaustivo do que qualquer outro. Quando finalmente puderam encerrar o expediente, Alexander sentia cada músculo protestar.

Enquanto caminhava para fora, encontrou Clara sentada na escadaria dos fundos do prédio, observando a cidade além dos portões da empresa.

— Dia difícil? — ele perguntou, sentando-se ao lado dela.

Ela soltou um riso curto.

— Como todos os outros. Mas estou acostumada.

Alexander ficou em silêncio por um momento antes de perguntar:

— E se não precisasse estar acostumada? E se houvesse outra opção?

Clara franziu a testa, olhando para ele com curiosidade.

— O que você quer dizer?

Ele hesitou, escolhendo as palavras com cuidado.

— Você já pensou em sair daqui? Fazer algo diferente?

Ela riu, mas havia algo triste na sua expressão.

— E fazer o quê? Sem estudo, sem contatos, sem tempo… Esse lugar pode não ser o melhor, mas pelo menos eu sei o que esperar.

As palavras dela ecoaram na mente de Alexander. Clara não era uma pessoa sem ambições, mas parecia ter desistido da ideia de que poderia ter algo melhor.

— Talvez existam caminhos que você ainda não viu — disse ele, observando o brilho das luzes ao longe.

Clara suspirou, apoiando os braços nos joelhos.

— Pode ser. Mas às vezes é mais fácil continuar onde se está do que tentar algo que parece impossível.

Alexander ficou em silêncio, refletindo sobre o que acabara de ouvir. Para ele, as oportunidades sempre foram abundantes. Mas para Clara, o mundo funcionava de maneira diferente.

Enquanto se levantava para ir embora, ele tomou uma decisão.

Não bastava apenas entender os problemas da Moretti Jewels. Ele precisava mudar a forma como tudo funcionava.

E isso começaria por Clara.

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