O dia começou com o som constante das máquinas no depósito, um ruído que já parecia fazer parte do ambiente. Alexander, agora acostumado a sua identidade como Alex Rocha, misturava-se à rotina com maior naturalidade, mas a tensão no ar era palpável. As conversas eram sussurradas, os olhares, furtivos. Todos sabiam que a auditoria do dia anterior poderia trazer mudanças, e mudanças raramente eram boas para os trabalhadores.
Pedro, o jovem que dividia as tarefas com Alexander, parecia mais quieto do que o habitual. Enquanto empilhavam caixas, Alexander tentou puxar conversa.
— Está tudo bem? Você parece distante.
Pedro deu de ombros, sem interromper o movimento de erguer uma caixa pesada.
— Não é nada, só estou pensando. Essa auditoria… Sempre sobra pra gente. Eles nunca vêm aqui pra melhorar as coisas, só pra cortar custos.
Alexander segurou uma caixa mais leve, mas o peso das palavras de Pedro era mais difícil de carregar. Ele sabia que, por trás de cada decisão corporativa, havia números e relatórios que não mostravam o impacto humano. Ainda assim, ouvir aquilo diretamente fazia algo dentro dele se apertar.
No fim do turno, Jorge chamou Alexander e Pedro para uma reunião breve.
— Tenho boas e más notícias — começou Jorge, cruzando os braços. — A boa é que nosso setor passou na auditoria sem grandes problemas. A má é que isso significa que a empresa vai esperar mais de nós, com menos recursos. Então, preparem-se para trabalhar dobrado.
Pedro soltou um suspiro exasperado, enquanto Alexander mantinha uma expressão neutra. Ele precisava saber mais, mas sua posição como Alex Rocha o limitava.
— Jorge, isso quer dizer que teremos cortes? — arriscou Alexander, tentando parecer apenas um funcionário preocupado.
Jorge hesitou antes de responder.
— Ainda não sabemos. Mas, pelo que ouvi, o setor de limpeza vai ser o mais afetado. Estão falando em terceirização. Alguns contratos serão encerrados.
As palavras de Jorge ecoaram na mente de Alexander. Ele imediatamente pensou em Clara e no que ela havia dito no dia anterior. A insegurança dela não era paranoia; era uma realidade iminente. Ele sabia que não poderia interferir diretamente sem comprometer sua identidade, mas a ideia de perder uma funcionária como Clara, cuja dedicação ele testemunhara, o incomodava profundamente.
Depois do expediente, Alexander viu Clara sentada sozinha na sala de descanso, os cotovelos apoiados na mesa e as mãos segurando o rosto. Ela parecia abatida, diferente da jovem determinada que ele havia conhecido.
— Oi, Clara. Posso sentar?
Ela levantou os olhos e deu um leve sorriso, sem muita convicção.
— Claro, Alex. O que houve?
— Acho que a pergunta é o que houve com você. Está tudo bem?
Clara suspirou, olhando para a mesa por alguns segundos antes de responder.
— Acho que não vai demorar para eu ser demitida. Ouvi Jorge falar sobre cortes. Eles vão terceirizar o setor de limpeza. Não sei o que vou fazer se isso acontecer.
Alexander sentiu um nó na garganta. Era uma sensação nova para ele, uma mistura de culpa e impotência. Ele queria dizer que aquilo não era verdade, que tudo ficaria bem, mas sabia que não podia fazer promessas vazias. Pelo menos, não como Alex Rocha.
— Sei que é difícil, mas você já passou por situações difíceis antes, não é? Quero dizer, pelo pouco que vi, você é muito resiliente.
Clara deu um sorriso triste.
— Obrigada por dizer isso. Eu já passei por muita coisa, mas… não é fácil recomeçar toda vez. Acho que só queria estabilidade, sabe? Algo que me desse um pouco de paz.
Alexander não respondeu imediatamente. Ele estava absorvendo as palavras dela, refletindo sobre o impacto das decisões corporativas que ele mesmo tomava, muitas vezes sem enxergar as consequências. Clara não era apenas mais uma funcionária; ela era um símbolo do que ele precisava mudar.
Depois de alguns minutos de silêncio compartilhado, Clara olhou para ele com curiosidade.
— E você, Alex? Por que começou a trabalhar aqui? Você não parece o tipo que ficaria nesse lugar por muito tempo.
Alexander sentiu o coração acelerar. Ele sabia que precisava ser cuidadoso com suas respostas.
— Digamos que estou tentando entender melhor algumas coisas. Queria ver o mundo por outro ângulo.
Clara riu, embora houvesse certa incredulidade em seu tom.
— Um filósofo carregando caixas. Nunca imaginei que ouviria isso por aqui.
Alexander sorriu, mas não respondeu. Ele sabia que suas razões iam muito além do que podia compartilhar naquele momento.
Naquela noite, ao voltar para casa, Alexander sentou-se no sofá e olhou para o teto por longos minutos. A conversa com Clara havia despertado algo nele, uma urgência que não podia ignorar. Ele estava começando a entender que o problema não era apenas estrutural; era humano. E, como líder, era sua responsabilidade fazer algo a respeito.
Ele pegou o celular e ligou para Victoria. Ela atendeu no terceiro toque.
— Boa noite, senhor. Alguma novidade?
— Quero todos os relatórios sobre o setor de limpeza na minha mesa amanhã cedo. Contratos, custos, desempenho, tudo.
Victoria ficou em silêncio por um momento antes de responder.
— Entendido. Mais alguma coisa?
— Sim. Quero também uma análise completa sobre o impacto de uma possível terceirização. E não quero números apenas; quero entender as implicações para os funcionários.
— Isso vai gerar perguntas, senhor. Tenho certeza de que o conselho vai querer saber por que você está tão interessado nesse assunto.
Alexander apertou o telefone com mais força.
— Deixe que eles perguntem. Apenas faça o que eu pedi.
Victoria concordou, e a ligação foi encerrada. Alexander sabia que estava começando a cruzar uma linha invisível, mas necessária. Ele não podia mais ser apenas um observador. Era hora de começar a agir.
O brilho das luzes da cidade se espalhava pelas janelas amplas do escritório de Alexander Moretti, lançando reflexos cintilantes sobre sua mesa de mogno polido. De onde estava, no topo do arranha-céu da Moretti Jewels, Alexander tinha a cidade inteira a seus pés. Mas, naquela noite, a vista não lhe trazia satisfação. Ele estava inquieto.Sua vida era um reflexo do sucesso absoluto: poder, riqueza, influência. Aos trinta e dois anos, comandava uma das maiores multinacionais de joias de luxo, admirado e invejado por muitos. Porém, enquanto desabotoava o paletó e afrouxava a gravata, ele não conseguia afastar uma sensação incômoda que vinha crescendo nas últimas semanas.Ele passou os dedos pela superfície lisa de sua mesa e olhou para o pedestal de vidro no canto do escritório. Ali, repousava o símbolo do início de tudo: um diamante impecavelmente lapidado, a primeira joia criada por seu avô, fundador da empresa. Alexander caminhou até o pedestal, observando a pedra como se buscasse res
O segundo dia de Alexander como Alex Rocha começou antes do amanhecer. Ele acordou com o corpo dolorido da rotina exaustiva no depósito. O trabalho pesado e o ambiente abafado haviam deixado marcas que ele não esperava. Enquanto vestia o uniforme simples fornecido por Victoria, não pôde deixar de refletir sobre como seus funcionários enfrentavam aquilo diariamente. Para ele, era uma experiência temporária, mas para muitos, era a realidade.Quando chegou ao depósito, o movimento já estava em pleno andamento. Jorge, seu supervisor, fazia anotações em uma prancheta enquanto dava instruções a outros funcionários. O som das empilhadeiras e o arrastar de caixas ecoavam pelo ambiente. Alexander respirou fundo antes de se juntar ao grupo.— Alex, bom dia! Espero que esteja pronto para mais um dia cheio. Precisamos agilizar o envio de um lote prioritário antes do almoço.Alexander assentiu, mantendo sua identidade fictícia. Cada passo que dava naquele ambiente o aproximava de uma realidade que
Alexander Moretti olhava fixamente para o reflexo no espelho de seu banheiro. Os traços bem definidos de seu rosto, que tantas vezes estamparam capas de revistas de negócios, agora pareciam marcados por uma tensão que ele não conseguia explicar. A ideia que surgira na noite anterior não o deixava em paz.O vapor da água quente envolvia o ambiente, mas não afastava o frio em seu peito. Ele sabia que tomar aquela decisão significava mais do que se disfarçar. Era um risco. Não apenas para sua reputação, mas também para o controle que ele sempre mantivera sobre a empresa.Enquanto se vestia para o dia, Alexander ponderava os detalhes. Como poderia se infiltrar sem que fosse descoberto? Ele precisaria adotar uma identidade nova, convencer as pessoas ao seu redor de que era apenas mais um trabalhador. Seria difícil, mas não impossível.No entanto, a maior dúvida era outra: e se ele não gostasse do que encontrasse?No andar superior da Moretti Jewels, Victoria o esperava com uma expressão co
O dia amanheceu com uma leve garoa que escorria pelas janelas do prédio da Moretti Jewels. Alexander chegou cedo ao depósito, vestindo novamente seu uniforme simples e assumindo sua identidade como Alex Rocha. As dores no corpo ainda eram evidentes, um lembrete constante do trabalho exaustivo que seus funcionários realizavam diariamente. Ele estava começando a entender o peso daquela rotina.Ao entrar, encontrou Jorge, o supervisor, conversando com dois homens de terno. Eles seguravam pastas e pareciam analisar papéis com cuidado. A auditoria havia começado. Alexander notou a tensão no ar. Funcionários se moviam com mais cuidado, e as conversas eram murmuradas.— Alex, venha aqui! — chamou Jorge, gesticulando para ele se aproximar. Alexander apressou o passo e parou ao lado do supervisor.— Esses são os auditores responsáveis pela inspeção. Eles vão revisar o estoque, e precisamos ajudá-los com o que for necessário. Pegue essas caixas e organize-as nas prateleiras, começando pelas q
O som dos alarmes de segurança ecoava pelos corredores quando Alexander chegou à sede da Moretti Jewels na manhã seguinte. Ele não estava vestido como Alex Rocha, o trabalhador do depósito, mas sim como Alexander Moretti, o CEO que todos conheciam. O terno bem cortado, os sapatos impecáveis e a postura firme indicavam que ele estava ali para tomar decisões.Victoria já o esperava na entrada do prédio. Ela segurava uma pasta com os relatórios que ele havia pedido na noite anterior. Seu rosto mantinha a mesma expressão impassível de sempre, mas havia um leve brilho de curiosidade em seus olhos.— Trouxe tudo o que me pediu, senhor — disse, entregando a pasta. — Mas preciso alertá-lo de que o conselho pode não gostar do que pretende fazer.Alexander folheou rapidamente os papéis, absorvendo os números e informações. Os relatórios confirmavam o que ele temia. O setor de limpeza era visto como um “gasto desnecessário”, e a terceirização já estava sendo discutida havia meses. Se ele não int
O som do relógio de parede preenchia o escritório silencioso de Alexander. A cidade se estendia além das janelas de vidro, um oceano de luzes e sombras que pareciam pulsar no ritmo de sua inquietação. Ele havia tomado uma decisão firme na reunião com a diretoria, mas sabia que sua batalha estava longe de terminar.Ser CEO nunca foi uma questão apenas de poder. Ele sempre soube jogar o jogo corporativo, entender números, estratégias e lucros. Mas agora, depois de dias como Alex Rocha, ele começava a perceber o que nunca esteve nos relatórios. O que fazia a Moretti Jewels realmente funcionar não estava nos gráficos financeiros. Estava nas mãos calejadas dos trabalhadores que passavam despercebidos.Victoria entrou no escritório sem bater, segurando o tablet com uma expressão indecifrável.— A terceirização foi oficialmente suspensa. O conselho aceitou sua solicitação para revisar os custos, mas não estão felizes com isso.Alexander soltou um suspiro, apoiando-se na mesa.— Já esperava r
Alexander sentia o peso da noite anterior enquanto voltava para o depósito. A conversa com Clara permanecia em sua mente, ecoando como um lembrete incômodo de tudo o que ele estava descobrindo. Pela primeira vez, ele via sua empresa de uma perspectiva que nunca havia considerado.O dia começou como qualquer outro. Jorge distribuía tarefas, funcionários carregavam caixas, e o calor abafado do depósito fazia com que todos se movessem mais lentamente. Mas havia algo diferente no ar.Pedro se aproximou de Alexander, segurando uma prancheta cheia de anotações rabiscadas.— Algo grande está para acontecer — sussurrou ele.Alexander ergueu uma sobrancelha, interessado.— O que você ouviu?Pedro olhou discretamente ao redor antes de continuar.— Ouvi Jorge conversando com um dos gerentes. Parece que alguém denunciou irregularidades no setor de produção.Alexander sentiu um frio percorrer sua espinha.— Que tipo de irregularidade?— Problemas de segurança, cortes de custo que comprometeram as
Alexander chegou à sede da Moretti Jewels sentindo que o tempo estava contra ele. Desde que assumira sua identidade como Alex Rocha, sua percepção sobre a empresa havia mudado completamente. Ele entrou no depósito como fazia todos os dias, misturando-se aos trabalhadores, mas desta vez carregava um peso maior. A auditoria no setor de produção não era apenas um evento rotineiro – algo muito maior estava acontecendo nos bastidores, e ele precisava entender o que estava por trás de tudo.Os corredores pareciam mais silenciosos do que o normal, e os funcionários trocavam olhares desconfiados. Ele percebeu que a tensão era quase palpável. As engrenagens da empresa estavam se movendo, mas ninguém sabia ao certo para onde.Pedro, sempre atento ao que acontecia ao redor, aproximou-se assim que viu Alexander.— Você ouviu? Parece que alguns funcionários foram chamados para uma conversa particular com a diretoria.Alexander franziu a testa.— Alguma ideia de quem?Pedro coçou a cabeça, olhando