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Coração de Rubi
Coração de Rubi
Por: Autora Hanna Bêlit
Meu passado amargo

Rio de Janeiro,Brasil

18 de Janeiro,2014

Lembro-me como se fosse ontem do cheiro que aquela mulher exalava quando invadiu a minha fortaleza,com planos de levar para longe tudo o que tinha me restado,logo de uma garotinha que não passaria de uma mera pedra no seu sapato. No entanto,parece que os gigantes têm esse mal,quanto mais inferior você for,mais vão querer se livrar de você,e mais tratarão de destruí-lo,sem deixar de subestimá-lo.

 Soraya Ortiz cheirava a rosas vermelhas,inconvenientemente,o mesmo cheiro da mulher que nos trouxe ao mundo,nos abandonando uma semana depois com nosso pai de partida ao exterior,em busca de riquezas e vida de luxo. Posso não conhecer a minha mãe,mas a odeio por ter nos largado como se fôssemos nada nessa vida de merda. Agora,no nosso aniversário de doze anos,em pleno a um passeio muito divertido que tivemos pelo zoológico,apesar da companhia indesejada de Soraya,papai nos revela duas caixinhas de veludo,uma vermelha para mim,e uma verde escuro para minha irmã,um presente tosco que nossa progenitora deixou antes de nos jogar ao nada.

Olho para o papai,virando o rosto em seguida.

— Eu quero ver! — Ágata pula ao meu lado,contente pelo presente daquela mulher. Minha irmã pega seu presente e o abre,animada,se deparando com um anel de ouro contendo uma enorme pedra verde. — Que lindo!

Soraya se aproximou,interesseira.

— Será que é valioso?

Encarei-a.

— Acho que é uma pedra de esmeralda… — Ágata diz. — Eu amei! — Ela olha para mim,esperando alguma reação,mas a verdade é que não tenho um pouco de curiosidade sobre o presente dela. — Abre o seu também,Sofi.

Revirei os olhos.

— Vamos,Sofia — pede meu pai.

Bufei e peguei a droga daquela caixinha vermelha,abrindo-a de uma vez,sendo tomada pela visão de uma pedra em formato de coração,um coração vermelho preso em uma correntinha de pedrinhas bem pequenas e brilhantes,também de ouro,um colar muito bonito.

— É rubi… — diz Soraya.

Bufei.

Fechei a caixinha de veludo e a levei até Ágata,entregando-a.

— Se quiser,pode ficar.

Minha irmã me encara,surpresa.

— Sofi — ela me chama — , não podemos fazer essa desfeita com a nossa mãe.

— Que mãe,Aga?! — pergunto,exaltada. — Não temos mãe. Nunca tivemos.

E o que mais odeio acontece,minha irmã faz aquela cara de choro e me sinto culpada pelas minhas palavras,mesmo que sejam boas doses de verdade,porém Ágata não merece,sei do quanto ela sempre quis ter algum tipo de modelo feminino a seguir,e eu,como oito minutos mais velha,sempre tentei preencher esse espaço,mesmo quando ela se frustrou ao descobrir que Soraya jamais poderia nos ver como filhas.

— Eu prefiro acreditar que nossa mãe teve seus motivos — ela diz,fungando. — Você vai ver,um dia,um dia vou reencontrar nossa mãe e mostrarei o quanto ela sofreu tanto quanto nós.

Bufei novamente e dei as costas,rumando para outro lugar bem afastado de meu pai,minha irmã e a golpista da esposa dele. Desci umas escadinhas logo mais a frente,ignorando os chamados,passei pelas girafas e os macacos,que até tinha os achado fofos,mas minha raiva era como uma fumaça tirando a visibilidade de tudo que poderia estar na minha frente. Sempre tivemos esse diferencial,Ágata e eu,minha irmã é doce e gentil,enquanto eu sou explosiva,raivosa e difícil de agradar. Mesmo sendo totalmente idênticas fisicamente,por dentro,somos o completo oposto uma da outra,o que sempre se resulta em nossas brigas,que têm aumentado bastante desde a chegada de Soraya,tudo porque a mulher fica insistido para a boba da minha irmã ir atrás de nossa mãe e eu sempre bato o pé. Na verdade não sei o que aquela mulher realmente planeja,ela se porta como ótima esposa quando meu pai está presente,mas quando ele vira as costas,ela nos coloca para trabalhar no seu lugar e nos b**e se não fizermos ao seu gosto,sempre aperreando para o elo mais frágil,minha irmã,cercando-a de ameaças.

Me sento em um banquinho de concreto e sinto meus olhos arderem,mesmo sustentando uma pose de durona para Ágata,eu também sou fraca,também sofro pelo abandono da nossa mãe,mas diferente de minha irmã,não procuro por uma ilusão fantasiosa,recorro aos fatos,sou muito realista,se a mulher tivesse mesmo seus motivos,depois de tanto tempo,ela já teria dado as caras. Mas ela nunca voltou.

Enxuguei a lágrima teimosa e vesti minha armadura.

Não devo chorar por quem nunca fez nada por mim,e é isso,duro e intragável,simples assim.

Passo cerca de uma boa hora encarando uma m*****a flor vermelha em meio a todo esse ambiente verdejante. Alguém me disse uma vez que se eu fosse uma cor,seria vermelho, pessoas ousadas e que sabem o que quer emanam uma espécie de aura com essa tonalidade de seus corpos. Sei que é uma conversa sem pé e sem cabeça,mas penso bastante nisso. Talvez eu seja como o vermelho. Mas minha irmã seria como o verde da grama,das árvores,do caule da flor vermelha… Eu e ela nos completamos,no fim.

— Eu quero esse! — Olho para o lado,mais longe,era Ágata de mãos dadas com nosso pai. Ela pulava em frente ao carrinho de sorvete,e sei qual seria sua escolha: o de framboesa. O nosso preferido.

Suspirei e desviei o olhar.

— Olha,parece que alguém da família tem sua gêmea preferida. — Soraya surge ao meu lado,sentando-se. — Ágata é mesmo perfeita,diferente de você.

Encarei-a.

— Francamente,acha que vou mesmo cair nesse seu joguinho sujo? — pergunto. — Sei muito bem que pretende me jogar contra minha irmã,já que o meu pai come na palma da sua mão,mas isso tudo é questão de tempo.

— Tempo de quê,hein,sua pirralha dos infernos? — Ela rosna ao agarrar meu braço com força,rasgando minha pele com suas unhas postiças. Uma falsa,nem as próprias unhas daquela vaca são dela.

Rio.

— Eu sei o tipo de vadia que você é,Soraya — digo. — Sei do seu caso com o carinha do bar na esquina de casa,e também sei que está tramando algo,não sei o que quer com a nossa família,mas vou descobrir,vou desmascarar você,m*****a.

Soraya crava suas unhas com mais força,afundando-se,e eu suporto aquela dor,suporto pelo sorriso de Ágata,não quero estragar seu dia por perder a cabeça e agredir essa mulher,recebendo a negação de nosso pai. Cerro os dentes,sentindo o líquido quente escorrendo pelo meu braço.

Avisto Ágata se aproximando com papai e minha madrasta rapidamente puxa um lenço da bolsa e tenta estancar o sangue,fingindo a santa do pau oco e preocupada. Meu pai acredita sem desconfiança,segundo a história absurda que me machuquei correndo,que Soraya inventou,mas Ágata me olha e entende tudo. Seus olhos se enchem de lágrimas,contudo,nosso pai não percebe,enfeitiçado naqueles malditos olhos verdes,naquele corpo banhado por curvas,no seu sorriso traiçoeiro e nas suas mentiras. Se não já tínhamos uma mãe,agora não temos um pai.

Entramos no carro,saindo do zoológico,pegando o trânsito caótico da cidade em seguida,observamos uma estranha inquietação em Soraya que não parava de mexer no celular e olhar para a janela,mordendo os lábios. Nesse momento minha mão recorre até o bolso da minha calça retirando a presilha vermelha da Turma da Mônica com o "M" bem exposto na ponta do acessório, indicando a inicial do nome da protagonista da história em quadrinhos. Sorri e afastei o medo para longe.

Chegamos em casa e corri para o quarto com Ágata atrás de mim, espero entrar de uma vez e tranco a porta. Ela caminha até a penteadeira e guarda a caixinha de veludo destinada a mim sobre,juntamente com a sua,porém retira o anel de esmeralda de dentro e coloca no dedo magrelo. O anel fica dançando.

— Talvez sirva quando eu crescer — diz ela. Aga olha para mim depois,caminhando para perto e tomando meu braço,vendo as marcas das unhas de Soraya. Ela leva a mão até a boca. — Está doendo?

Me afastei.

— Isso não é nada comparado a como seus joelhos e quadris ficaram depois que a desgraçada te empurrou da escada — relembrei-a.

Ela engole a seco.

— E o que a gente faz?

— Não fazemos nada. Papai não acredita na gente,está louco,louco pela víbora. — Caminho até a janela e observo a rua,com os braços cruzados,então vejo papai sair no carro,certamente para ir fazer as compras no supermercado para o jantar. Pouco tempo depois vejo Soraya atravessar a rua,puxando as pontas do seu vestido colado e curto,com estampa de oncinha,para baixo,depois solta seus cabelos loiros e remexe neles. Ela pega a rua do lado da casa de Marcos e desce nela. A cachorra está indo se encontrar com o amante! — Ágata!

Ela se espanta.

Pego nos ombros da garota e sacudo-os,feliz. Depois corro até nossa cômoda e tiro da gaveta uma câmera fotográfica que papai nos deu no nosso último dia das crianças.

— Vamos atrás de provas! — aviso,eufórica,mostrando o aparelho.

— Isso vai mesmo dar certo,Sofi? — Ela abraça o corpo,indecisa. — Não quero apanhar de novo da Soraya…

Cerrei os punhos e olhei nos olhos de minha irmã,pegando em suas mãos.

— Eu juro pra você,que,qualquer coisa que aquela vagabunda faça com a gente,ela vai pagar caro por isso,nem que eu tenha que correr até o inferno para pegá-la.

Aga recuou um passo para trás,espantada pelas minhas palavras sombrias.

— Está me assustando…

Revirei os olhos,pegando por fim no braço da menina,nos carregando para fora. Por pouco perderíamos a m*****a de vista,e tudo porque minha irmã não tem sangue nos olhos. Ela devia odiar aquela mulher e querer ela longe da gente tanto quanto eu,mas é boazinha demais,o que me dá mais vontade de protegê-la de tudo e todos.

Passamos pela casa de Marcos e olho rapidamente para sua janela fechada e espio pela cerca o quintal abandonado,vazio,sem sinal dele e seu cachorro Logan. Ergo a cabeça novamente e aperto o passo,nos escondemos atrás de algumas latas de lixo quando ela olha para trás. Soraya seguiu até uma casinha velha no fim da rua e tirou a chave do lugar de dentro do decote e destrancou a porta,passando para dentro em seguida. Nos aproximamos da casa e estudamos o terreno,um lugar bem pobre e decadente,despertando a possível pergunta: o que uma mulher metida a fresca como ela faria em um lugar desses? Ágata aponta para um beco e a sigo,nos abaixando prontamente quando vemos uma janela aberta e vozes vindas de dentro.

— Então,já passou a mão na grana das gêmeas bastardas ou eu terei que mandar meus homens fazerem o trabalho por vocês? — Um homem de sotaque estranho,acho que ele deve ser um estrangeiro não fluente no nosso idioma,fala com uma pose autoritária,como se fosse o chefe. Embora a voz estranha,me era familiar, talvez seja porque assisto muito vídeo no YouTube com estrangeiros tentando falar nosso idioma,e eu consumo muito esse tipo de conteúdo. Estico o pescoço um pouco e vejo o homem de relance,sentado em uma poltrona de costas para a janela aberta,cabelos escuros recém-tingidos e de terno preto. Um magnata,sem dúvidas. Aga me puxa rapidamente para continuar agachada. 

Soraya pigarreia.

— Não vai ser preciso — disse a víbora. — Logo roubarei aquele tosco do meu marido e matarei suas filhinhas queridas,rapidinho,sem nem mesmo ele ter ciência do valor que elas têm. 

— Excelente… — o homem/chefe parece contente com a notícia. Aga aperta minha mão,trêmula. Escuto passos pela sala. — Você citou que a rapariga da mãe das gêmeas deixou para elas duas pedras preciosas,seriam partes do império Armstrong?

Aga e eu nos entreolhamos.

Quem seria Armstrong?

— Talvez — Soraya proferiu com um pouco de incerteza no timbre de sua voz. — Sandra Ortiz nunca passou de uma dançarina barata que faria de tudo por dinheiro,não duvido que tenha roubado o império de pedras preciosas e deixado-os para as duas filhas,como um meio de sustento. Acho que minha irmã teve pena no fim de deixar para trás as duas bastardas que nunca desejou trazer ao mundo.

Risadas ecoam pela sala e os olhos de Ágata se enchem de lágrimas. Não poderia acreditar,também sentia vontade de chorar com tantas verdades que nem sei se são reais ou não,sendo jogadas com tanta crueldade e naturalidade que faz meu estômago revirar. Como se já não bastasse ter uma mãe ladra que nunca nos desejou,agora descobrimos que a madrasta que nos odeia e nos maltrata,nada mais é,que estupidamente,nossa tia. Que desgosto… Espero que não seja verdade. Que ultraje compartilhar do mesmo sangue que essa desgraçada. 

Cerrei os punhos com ódio.

— Odeia mesmo sua irmã? — o chefe pergunta.

— Nós a odiamos — ouço a voz do amante de Soraya. — Aquela m*****a traiu a todos nós,eu,Soraya,o senhor e até o maldito do seu amigo. Queremos vingança e tomar tudo que seja dela.

O chefe sorri,satisfeito. 

— Mas sinto-lhes em dizer a verdade — o chefe anuncia,calmo — , mas,Sandra Ortiz está morta.

Um impacto.

Uma coisa é saber toda a verdade sobre a sua mãe desnaturada,outra coisa é descobrir no mesmo dia que ela está morta.

Soraya parece surpresa e seu amante também.

— Meus homens encontraram seu corpo nos destroços há três semanas na divisa da Argentina,ela transportava sacos de dinheiro contendo em torno de 25 milhões de dólares,em cédulas americanas. Estava sendo perseguida em meio a uma missão a mando de seu novo chefe,que até então desconheço,quando perdeu o controle do veículo e derrapou,colidindo o carro contra uma rocha,causando a explosão do automóvel em poucos minutos.

Fez-se um silêncio temporário.

— Sinto muito,Soraya — o chefe dá suas condolências.

— Não sinta. — Ouço o salto da loira pelo piso. — O problema é que a desgraçada morreu antes de nos entregar a m*****a chave.

Juntei minhas sobrancelhas.

— Que chave? — Olhei para minha irmã logo atrás de mim e entendi tudo. Os malditos presentes podem ter algo a ver. — Seja quem for nossa mãe,ela é esperta.

Ágata fungou e pegou na manga da minha blusa.

— Ela era,Sofi.

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