Capítulo III

Laila

- Está tão calada desde que voltou da entrevista na construtora. Não se saiu bem? - Perguntou minha irmã Larissa.

Eu estava deitada em minha cama, no quarto que eu dividia com minha irmã mais nova, a Larissa, de dezessete ano, enquanto estava sentada em frente a sua mesa de computador, estudando para o Enem, como sempre, pois ela estava totalmente focada em passar para cursar alguma universidade pública. O sonho dela era cursar Direito.

- Na verdade, acho que me saí muito bem.

- Então por que está com essa cara tão desanimada?

- Estou só pensando mesmo, ansiosa eu diria. - Não estava dizendo toda a verdade. É claro que eu estava ansiosa pelo resultado, mas ao mesmo tempo, o meu possível futuro chefe não saia dos meus pensamentos. Mas eu jamais diria a verdade a minha irmã. Eu não diria a verdade a ninguém.

Uma pessoa como eu, de origem humilde, com uma vida simples e sem nenhum luxo, jamais chamaria a atenção de um cara como Nicolas Alcântara. Ele estava acostumado com as socialites, atrizes e modelos, mulheres da sua mesma camada social. Eu não tinha nenhuma chance e precisava parar de pensar besteiras.

Aproveitei então que estava com meu celular na mão e fiz uma busca pelo nome "Nicolas Alcântara" no G****e. Muitas matérias e fotos, mas em sua maioria, eram matérias de negócios, mas também tinham fotos dele em alguns eventos e ao lado de belíssimas mulheres.

Sua conta, na rede social que visitei, era privada e não mandei solicitação de amizade, pois é claro que ele não me aceitaria. Vi que seguia poucas pessoas e com certeza, seriam todos realmente conhecidos dele.

Suspirei. Ele era tão lindo! Sorri e decidi que, caso eu fosse a selecionada dentre as entrevistadas para a vaga de secretaria do Nicolas Alcântara, eu iria trancar esse encantamento que se apoderou de mim dentro de sete chaves e ele jamais perceberia. Não poderia me dar ao luxo de desperdiçar uma oportunidade como essa que surgiu na minha vida.

Apesar de ser uma pessoa de muita inteligência, no que diz respeito aprender tudo sobre vários assuntos, gostava tanto de números quanto das letras, quando se tratava da minha vida, eu era um desastre ambulante. Eu estava sempre no mundo da lua, não conseguia prestar atenção as coisas que me cercavam, um perigo para mim mesma. Aí logo na minha primeira oportunidade real de um bom emprego, eu tinha que cismar com o chefe. Revirei os olhos e me repreendi mentalmente: Tira esse homem dos seus pensamentos!

Eu tinha uma casa para manter, pois eu morava com minha avó, minha mãe e minha irmã. Vovó era idosa já, tinha 75 anos e, apesar de ser aposentada, após muitos anos trabalhando em restaurantes como cozinheira, recebia apenas um salário mínimo, que mal dava para cobrir as despesas com medicamentos para ela, que sofria de vários problemas de saúde, todos decorrentes de sua idade já avançada e uma vida sem preocupações com alimentação saudável. Vovó amava um bom bife mau passado e, como boa nordestina, não dispensava uma feijoada e outras tantas comidas que não ajudavam muito a reduzir suas taxas, como hipertensão e colesterol.

Minha mãe era jovem ainda, considerando-se que eu tinha acabado de completar vinte e um anos, e ela tinha apenas trinta e oito. Ela foi mãe adolescente ainda, e eu era fruto de um namoro que não durou muito, pois o meu pai, que também era jovem, tinha apenas dezoito anos, quando soube que ela estava grávida, foi embora com sua família para outro estado. Eles tinham parentes no Rio Grande do Sul e ele não pensou nem duas vezes em como mamãe faria para me criar. Meu pai sumiu no mundo há muitos anos e eu não tinha a mínima ideia de pôr onde ele andava. Nem me preocupava em saber, afinal, ele nos abandonou e se não fosse por vovó, não sei nem o que teria sido da gente

Depois do abandono de meu pai e de ter que cuidar de uma criança tão jovem ainda, mamãe não se tornou uma mulher responsável e batalhadora. Muito pelo contrário. Mamãe nunca quis trabalhar, alegando infinitas desculpas, e sempre viveu às custas de vovó, que trabalhava enquanto minha mãe ficava em casa. Durante o dia ela cuidava de tudo e tinha as responsabilidades da casa. Porém, quando vovó chegava, ela vivia saindo para festas e casas noturnas. Nunca procurou estudar, ou se profissionalizar de alguma forma. O tempo passou e as coisas continuavam da mesma forma. Ela costumava dizer que as filhas tinham a obrigação de sustenta-la, uma vez que ela nos criou e nunca maltratou.

Seria engraçado a forma como minha mãe via a vida, se a gente não tivesse que enfrentar tantos problemas decorrentes de suas escolhas erradas e que acabavam por nos afetar, em alguns momentos. Muitas vezes nossa mãe mentia, inventando que estava precisando de dinheiro para algum remédio ou consulta médica, quando na verdade era para que pudesse comprar roupas novas para ir a alguma festinha. Quando ela não gastava o dinheiro das contas de casa com suas loucuras consumistas.

Nós não erámos ricas, muito pelo contrário. Tínhamos o básico e a despesa era alta diante do que minha vó ganhava e só a renda dela era um dinheiro certo todos os meses. Eu era estagiária de uma empresa de logística até três meses atrás, mas não tinha conseguido nada ainda depois que terminei o estágio. Larissa estava estudando para o Enem e as vezes fazia um extra na padaria na esquina de nossa casa, quando o dono a chamava para substituir alguma das meninas ou quando aumentava um pouco o movimento.

A Larissa era fruto de caso que ela teve com um homem casado e os mesmo ainda pagava a pensão dela, mas já havia deixado claro que somente enquanto ela era menor de idade. Fora essa pensão da Larissa, a minha mãe não tinha mais nenhuma outra renda, uma vez que ela nunca trabalhou, e acredito que não seria agora que ela iria começar. Quando era mais nova alegava que ficava em casa cuidando da casa e de nós, suas filhas, enquanto vovó trabalhava. Quando crescemos mais, a justificativa passou a ser seus problemas de saúde que a impossibilitavam. Só não impossibilitava de ela sair e beber com seus muitos "amigos".

Enfim, ela era minha mãe, e eu não podia deixar de ajudar em casa, pois pensava muito na minha avó, no que seria dela com apenas seu salário para bancar seus medicamentos e toda a responsabilidade de uma casa. Ela jamais abandonaria mamãe a própria sorte.

Então, só me restava conseguir um bom emprego, que pagasse bem e que eu pudesse, dessa forma, melhorar a nossa condição financeira. Deveria me conformar e esquecer aquele homem em especial. Tinham tantos outros por aí, pensei comigo mesma.

No dia seguinte, voltei a minha rotina de ir entregar currículos em todos os locais possíveis, pois eu não poderia esperar por uma resposta até o final da semana em casa, arriscando-me a receber um não e ter perdido tempo e assim fiz durante todos os dias que se seguiram.

A sexta-feira chegou e com ela o prazo máximo para a resposta sobre a entrevista que fiz com a Esmeralda, da Construtora Alcântara, e até agora nada. Minha ansiedade diminuiu bastante com os dias e agora eu já tinha a certeza que não havia sido a selecionada para o cargo. Fazia já quatro dias que estava distribuindo currículos pelo centro da cidade. Eu trabalharia em qualquer função minimamente compatível com o meu perfil, pois estava preocupada com as contas chegando cada vez mais e o dinheiro cada vez menos.

Hoje consegui um lugar sentada no trem, graças aos céus, pois iria aproveitar para ler mais um pouco do meu romance. Estava muito empolgante a minha leitura, mais uma história clichê para me fazer esquecer um certo alguém que não saia da minha cabeça sonhadora.

A minha vida não andava muito emocionante e os romances dos livros me ajudam a passar o tempo, afinal, nada melhor que um clichê romântico para nos fazer sonhar com dias melhores.

Cheguei em casa por volta das dezesseis horas, com as pernas doendo e um pouco de dor de cabeça. Minhas esperanças em relação a vaga da construtora Alcântara tinham evaporado completamente, pois tinha certeza que não receberia mais nenhuma ligação por parte deles. No máximo, um e-mail amanhã com um agradecimento por ter participado do processo.

- Não fica assim, Laila. – Larissa falou, percebendo que eu estava triste. – Eles ainda podem ligar.

Eu já ia falar que não acreditava nisto, quando meu celular tocou com uma chamada de um número que reconheci como o mesmo que ligou para agendar a entrevista. Fiquei tão feliz, que deixei até cair o telefone das minhas mãos atrapalhadas.

A Larissa, vendo o meu nervosismo pegou o celular do chão e me entregou, pedindo para eu me acalmar.

A ligação era realmente do RH da Construtora Alcântara, me convidando a estar na empresa na segunda-feira, às oito horas da manhã. Eu havia sido selecionada para a vaga de assistente do diretor financeiro, o senhor Henrique Alcântara.

Após encerrar a chamada, fiquei confusa com a informação que me passaram por ligação.

- Não foi selecionada? – Larissa me perguntou, a expressão apreensiva.

- Tenho que estar na construtora na segunda-feira.

- E não era isso que você queria?

- Eu estou feliz, se é o que quer saber. Mas o que não estou entendendo é que a vaga para a qual eu fui entrevistada era para secretaria do diretor jurídico, mas eu fui selecionada para a vaga de assistente do diretor financeiro, que eu nem sabia que estava aberta.

Acabei sorrindo da situação toda e a minha irmã me acompanhou no gesto. A Vovó apareceu em nosso quarto, perguntando o que nós tínhamos para estar rindo igual duas doidas. A vovó era assim mesmo, tudo queria saber.

Contei a ela o que tinha acontecido e ela respondeu que não tinha entendido ainda o que era engraçado.

- Vovó, o mais importante é que eu consegui um emprego e que as coisas vão melhorar bastante aqui em casa, pois o salário é excelente.

- Então está ótimo. Vou voltar para sala, vai já começar o jornal.

Vovó e seus jornais sensacionalistas.

Já estava pegando o celular novamente, dessa vez para falar com a Helen e contar para ela que haviam me ligado, quando recebo uma mensagem sua, falando a mesma coisa.

Fiquei ainda mais feliz quando ela me contou que também foi selecionada para o cargo que de fato estava sendo pleiteado quando fizemos a entrevista, que era para secretaria do diretor jurídico.

Passei todo o fim de semana me preparando para me apresentar na construtora na segunda-feira. O meu cargo exigia isso. Estava ansiosa, mas muito feliz. E no fim das contas, foi melhor para mim não ter que trabalhar diretamente com o Nicolas Alcântara. Eu havia ficado bastante impressionada com ele e isso poderia acabar comprometendo o meu desempenho na função.

Ele era um homem belíssimo, mas era inalcançável para mim e quanto mais longe eu estivesse dele, menos problemas eu teria com esse sentimento que havia sido despertado por alguém tão fora da minha realidade.

A segunda-feira chegou mais rápido do que eu esperava e eu estava muito ansiosa para esse primeiro dia. Eu e a Helen combinamos de nos encontrar no metrô próximo ao prédio da Alcântara e no horário combinado, estávamos lá as duas. Chegamos juntas à construtora e a Esmeralda nos recebeu, assim como havia acontecido no dia da entrevista.

O processo de contratação foi todo feito naquele mesmo dia, pois até consultório existia dentro do prédio da Construtora e já poderíamos começar o trabalho no dia seguinte.

A Esmeralda nos explicou que a entrevista inicialmente seria apenas para a vaga especificada no processo, porém, diante da necessidade de mais uma contratação, aproveitaram para escolher para as duas funções, uma vez que as candidatas eram bem qualificadas.

Conheci meu chefe no dia seguinte, o Henrique Alcântara, que era irmão mais novo do Nicolas e tão lindo quanto ele. Apesar disso, não senti atração alguma por ele, como havia acontecido com o Nicolas. O que era muito bom na verdade, uma vez que eu poderia trabalhar sem preocupações tão mundanas, como ter uma queda pelo chefe, o que só poderia me trazer problemas.

O Henrique parecia ser bem extrovertido e sem formalidades. A Luciana, que era sua atual secretaria, me falou muito bem dele e disse que a imagem de garoto irresponsável que ele passava era apenas isso, pois ele era totalmente comprometido com o trabalho e muito focado.

Ela estava treinando a mim e a uma outra garota, seu nome era Barbara e ela já trabalhava na construtora, em uma outra função. Ela iria me auxiliar na realização do trabalho, pois somente uma pessoa, como era o caso da Luciana, não estava conseguindo atender toda a demanda gerada pelo nosso diretor financeiro.  

O primeiro dia de trabalho passou voando e cheguei em casa bastante cansada, mas me sentindo feliz por ter conseguido chegar até ali. 

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