Antoni Armand
Essa segunda-feira parece se arrastar sem fim. Meu escritório, luxuoso e impecavelmente decorado, mais parece uma prisão hoje. Tudo o que eu queria era largar essa gravata sufocante, encontrar um bom bar, beber algo forte e, quem sabe, terminar a noite com uma bela mulher na minha cama. Mas, é claro, não posso me dar a esse luxo agora. Cada festa que frequento, cada evento onde sou visto segurando um copo de whisky ao lado de uma mulher deslumbrante, acaba estampando os tabloides no dia seguinte. “Playboy Festeiro, Ao Ataque!” Os jornais adoram me transformar no vilão da alta sociedade. O problema? Essas manchetes custam caro—muito caro. Minha credibilidade no mercado de negócios está indo ladeira abaixo, e contratos que antes eram certos agora são cancelados antes mesmo da assinatura. Para um CEO, isso é um golpe pesado. E, claro, meu bolso não está nada feliz com isso. Minha empresa é referência em engenharia, arquitetura e paisagismo, liderando projetos ambiciosos e inovadores. Meu time é formado por profissionais excepcionais, e foi essa competência que nos trouxe notoriedade. Mas, sejamos honestos: o verdadeiro alicerce disso tudo é o legado do meu pai. Ele construiu esse império com mãos firmes, sempre reforçando que o nome da família é um patrimônio inestimável. Imagem é tudo. E agora, essa imagem está sendo ameaçada pela minha reputação. Cada flash disparado em uma festa, cada rumor espalhado por colunistas sedentos por escândalos, coloca em risco tudo o que meu pai construiu. Eu deveria me importar mais? Provavelmente. Mas, no momento, só consigo pensar em quanto eu daria para trocar essa sala abafada por um copo de whisky e uma companhia interessante para esquecer—nem que seja por uma noite—essa pressão sufocante. — Senhor Armand, a senhorita Soraya ligou umas dez vezes hoje. Ela está extremamente nervosa por causa da foto que saiu nas revistas… O senhor, com aquelas duas moças. — Cíntia, minha secretária, anuncia com um olhar cauteloso. Reviro os olhos. Ótimo. Mais um problema que eu não preciso no meio desse caos. Soraya está furiosa porque fui visto em uma social com duas acompanhantes de luxo? Sério? Eu realmente mereço isso. Soraya é minha ficante fixa. Não minha namorada. Mas, de alguma forma, ela insiste em agir como se fosse. Como se pudesse me mudar. Já deixei claro desde o início que nosso envolvimento é puramente físico. Nada de juras de amor. Nada de cobranças. Mas, pelo visto, ela ainda acredita no impossível. — Mande os bombons preferidos dela, um buquê de rosas vermelhas e um cartão assinado com meu nome. Só para deixar claro quem manda aqui. — digo, gesticulando com impaciência. Não me entenda mal, a relação é boa. Ela se diverte, eu me divirto. No fim, sou um ótimo passatempo para ela—e nada além disso. Mas se tem algo que eu não tolero, é drama desnecessário. E claro, nosso caso sempre foi discreto. Assim como com Cíntia. Mas, diferente de Soraya, minha secretária entende as regras do jogo. Ela sabe que, entre nós, tudo se resume a uma boa diversão—sem apego, sem escândalos, sem manchetes. — Tudo bem, senhor. — Cíntia confirma, anotando sem demonstrar emoção. — Ah, a senhorita Analice também disse que vai passar aqui. Ela precisa conversar urgentemente com o senhor. Me recosto na cadeira, tentando aliviar a tensão que paira no ambiente. — Ok, estou esperando por ela. A porta do meu escritório se escancara de repente, e uma pequena criatura surge correndo, vestida com uma roupinha de balé cor-de-rosa. — Titioooo! Que saudade! — Kira grita, com um sorriso radiante, lançando-se nos meus braços. Solto um suspiro, mas não consigo evitar um sorriso enquanto a ergo no ar e beijo o topo de sua cabeça. — Titio também estava com saudades, pequena. — digo, abraçando-a com força. — Onde está sua mãe? Antes que ela possa responder, Analice entra no escritório, esbanjando elegância como sempre. Vestido preto impecável, salto de 15 cm, postura digna de uma rainha. Seus olhos afiados analisam cada detalhe ao redor antes de se fixarem em mim. — Estou aqui, seu desnaturado. Se eu não venho até você, simplesmente esquece que tem uma irmã e uma sobrinha. — dispara com seu habitual sarcasmo. Reviro os olhos. — Andei ocupado ultimamente. — respondo, vago, sem paciência para justificativas. — Sim, eu vi sua “ocupação” estampada no jornal. — cruza os braços, erguendo uma sobrancelha. — Papai está furioso com você. Quando ele resolver vir até aqui, posso garantir que não gostaria de estar na sua pele. Dou um sorriso de lado, despreocupado. — Com o velho, eu me resolvo. — desvio do assunto. — O que você quer? Ela suspira, ajeitando os cabelos antes de ir direto ao ponto: — Semana de moda em Milão. Vou precisar passar um tempo fora. Não posso levar a Kira, ela não pode mais faltar às aulas, nem do colégio, nem do balé. Vai ser exaustivo para ela, e eu estarei atolada de trabalho. Então, ela me olha daquele jeito. Daquele jeito que já me condena antes mesmo de eu abrir a boca. Mas eu abro. E rio. Alto. — Você tá maluca? Acha mesmo que eu sou uma boa opção para cuidar de uma criança? — balanço a cabeça, achando a ideia completamente absurda. Analice mantém a expressão séria. — Toni, eu só tenho você. — Sua voz é um pedido. — Eu preciso que faça isso por mim. Cruzo os braços, impaciente. — Analice, eu não sei cuidar de crianças. Até onde eu sei, não tenho filhos! Ela ignora minha indignação e começa a listar as tarefas como se estivesse falando com um assistente. — A Kira já é bem independente. Você só precisa levá-la para a escola de manhã, buscá-la no horário do almoço, dar comida para ela, depois levá-la para a aula de reforço. Sei que você não tem muito tempo, mas é o que dá para fazer. — E depois? — pergunto, já prevendo o desastre. — Depois, você a leva para o balé. Vou conversar com a professora para ajudar a arrumá-la antes da aula. Sinto um leve pânico se instaurar em mim. A escola, o almoço, o reforço, o balé… O que mais? — E depois do balé? O que diabos eu faço com ela? — Ela passa um tempo com você, depois você a leva para casa, dá banho, prepara o jantar, ela lê, assiste a desenhos ou brinca, e depois dorme. — Isso vai ser um completo desastre. — murmuro, mais para mim mesmo do que para ela. — Por favor, irmãozão… me ajuda. — O olhar dela suaviza, e pela primeira vez desde que entrou, vejo preocupação genuína. A parte racional da minha mente grita para eu recusar, mas ao olhar para Kira, tão pequena, tão alheia a essa negociação, eu sei que não posso simplesmente jogá-la na mão de um estranho. Solto um longo suspiro. — Tá bom. Quando você vai? — Segunda à tarde. Vou deixar a Kira no balé e você precisa buscá-la às 17h, ok? Respiro fundo, sentindo o peso da decisão cair sobre mim. — Ok. — digo, tentando esconder meu nervosismo. Isso vai ser um inferno. Mas, droga, eu não poderia dizer não. Ela me abraça forte, agradecida, e logo leva a pequena com ela. Fico ali, parado, processando tudo o que acabei de aceitar. Que diabos eu fiz? Eu não sei cozinhar. Mal sei fritar um ovo sem incendiar a cozinha. Não sou o tipo de cara que tem paciência para crianças. Meu dia a dia envolve reuniões de alto nível, festas luxuosas e negócios milionários, não desenhos animados e bonecas espalhadas pelo chão da sala. O pior é que entrei nessa por livre e espontânea pressão, e a única coisa que realmente quero agora é me esconder em uma garrafa de whisky até essa loucura passar. Mas então, um pensamento atravessa minha mente como um raio: quantas notícias já vi sobre crianças maltratadas, negligenciadas, sequestradas? Só de pensar nisso, um arrepio gela minha espinha. Não importa o quanto eu seja um desastre em tarefas domésticas ou o quão desesperado eu esteja para sair dessa enrascada… Não posso permitir que nada aconteça com minha sobrinha. Mesmo sem saber exatamente o que estou fazendo, vou garantir que ela esteja segura.Isabella Cavalieri Mais um dia, mais uma aula, e aqui estou eu, em minha posição habitual, observando a sala antes que minhas pequenas alunas cheguem. O chão de madeira polida reflete suavemente a luz suave dos espelhos que cobrem a parede inteira. O cheiro característico de resina e tecido das sapatilhas de ponta preenche o ambiente, misturado com um leve toque de lavanda do aromatizador que sempre deixo ali.A porta se abre, e meu olhar se volta para a recepção. Como sempre, Analice entra com sua presença impecável. Seu vestido preto abraça sua silhueta com perfeição, e seus saltos agulha ressoam no piso de mármore. Ela não anda, ela desfila. Seu porte de supermodelo mundialmente famosa faz com que todos ao redor parem por um instante, como se ela estivesse prestes a entrar em uma passarela.Mas, apesar de toda essa imponência, há uma doçura nela que poucos enxergam. E essa doçura se reflete completamente em sua filha.Kira não poderia ser mais diferente da mãe. Seu cabelo castanho
Antoni ArmandA chamada telefônica me puxa de volta à realidade, interrompendo o turbilhão de pensamentos que me consome. Com o celular na mão, respiro fundo antes de atender, sabendo que o peso da conversa será inevitável.— Pai, eu vou dar um jeito nessa situação, ok? — tento controlar minha voz, tentando parecer mais calmo do que realmente me sinto, já antecipando o tom pesado que virá do outro lado da linha.— Antoni, eu confiei a empresa nas suas mãos. Você me prometeu que ia cuidar de tudo. — A voz dele é grave, saturada de frustração e preocupação. Sinto o peso das palavras, como se cada uma delas fosse um açoite. — Sua irresponsabilidade está colocando tudo o que construímos em risco. Estamos perdendo contratos importantes e, o pior, estamos minando a credibilidade de clientes fiéis que confiaram na gente por anos.Ouço o suspiro pesado do meu pai, como se cada palavra tivesse sido um esforço físico. A tensão que ele carrega na voz é palpável, e consigo sentir a dor de cada de
Isabella Cavalieri Os dias se arrastam como um balé exaustivo, e o cansaço tornou-se minha sombra mais fiel. Acordo antes do sol para ensinar pliés e piruetas, corrigir posturas e incentivar pequenos passos que, um dia, se tornarão grandes voos. À tarde, a rotina continua, e minha energia se dissolve a cada movimento repetido. À noite, as meninas mais velhas se juntam a mim para o ensaio extra de O Lago dos Cisnes—e, mesmo apaixonada pelo que faço, meu corpo suplica por descanso. Meus pés estão sempre doloridos, latejando sob o peso de tantas horas na ponta. Quando as luzes da academia finalmente se apagam e posso ir para casa, meu maior desejo é simples: uma ducha quente que lave o cansaço e me devolva ao mundo dos vivos. Só então, envolta no aconchego dos lençóis, me permito uma última indulgência—um romance clichê onde, em apenas 90 minutos, tudo encontra seu final feliz. Saio da sala de balé, tranco a porta com cuidado e caminho até a recepção para entregar a chave à Milena. Ma
Antoni Armand Fico parado diante da porta, atordoado. Meu olhar ainda está fixo no espaço vazio por onde aquela… tempestade passou. Uma bailarina em miniatura, mal maior que um tremor, berrando na minha cara como se fosse minha mãe. E eu? Eu, Antoni Armand, CEO da Armand’s Company, acostumado a enfrentar acionistas hostis, repórteres sensacionalistas e concorrentes de sangue frio… fiquei sentado, sem conseguir abrir a boca.O eco das palavras dela ainda reverbera na minha mente, junto com a imagem de seus olhos faiscando de fúria. Quem diabos era aquela mulher? Melhor ainda… quem ela pensa que é para entrar no meu escritório, me desafiar e sair como se tivesse vencido?Me recosto na cadeira, esfregando a mão no rosto, tentando absorver o que acabou de acontecer. Mas antes que eu possa colocar meus pensamentos em ordem, um par de passinhos ecoa pelo chão de mármore.Kira surge na minha frente, completamente alheia à guerra que aconteceu aqui dentro. Seu sorriso doce contrasta absurdam
Isabella Cavalieri Acordo com um sono péssimo. Ontem, ao chegar em casa mais tarde do que de costume, acabei me atrasando para tudo. Meu corpo, acostumado à rotina, parece que não sabe funcionar sem ela, e, como resultado, acordo completamente perdida. Me levanto, passo um pouco de água fria no rosto para tentar espantar o cansaço e me recompor. Coloco a roupa de balé, jogo tudo na mochila e desço para tomar café. Na mesa, encaro minha mãe com uma expressão de quem não está nada bem. Não sei se já mencionei isso antes, mas mamãe é… controladora, para dizer o mínimo. Ela está me observando com atenção, como se estivesse esperando algo de mim. O olhar de minha mãe é afiado como uma lâmina quando me sento à mesa. Sei exatamente o que está por vir antes mesmo de ela abrir a boca. — Onde esteve ontem, que chegou mais tarde que o usual? — A pergunta vem seca, sem rodeios, carregada de julgamento. Eu seguro um suspiro, mantendo a expressão neutra. Não adianta demonstrar irritação, iss
Isabella Cavalieri Estava no final do meu alongamento quando uma voz doce me tirou dos pensamentos. — Titia, cheguei! — Kira anunciou com sua mochila rosa balançando nas costas enquanto corria até mim. Sorrio, encantada com a energia que ela sempre trazia ao estúdio. — Oi, pequena! Vem cá, a titia vai te arrumar para a aula. — Estendi os braços, chamando-a, e ela veio correndo, um sorriso enorme no rosto. Kira é uma criança encantadora, com cabelos longos e escuros que sempre me lembram a mãe dela. Seus olhos levemente puxados lhe dão uma doçura especial, e seu entusiasmo pela dança ilumina qualquer ambiente. Ajudei-a a trocar de roupa, colocando seu collant preto e, por cima, uma sainha leve que balançava conforme ela se mexia. Como estava calor, optamos por não usar meia-calça. Nem eu estava usando naquele dia, já que o sol parecia derreter o asfalto lá fora. — Pronto, agora vamos para a parte mais importante — digo, pegando a escova de cabelo e me sentando no chão. Puxe
Isabella Cavalieri Era sexta-feira, e o cansaço me dominava como um manto pesado. Depois de uma semana exaustiva de ensaios, enfim havia um raro momento de respiro. Da beira da sala, observava as meninas na barra — seus movimentos precisos, a sincronia quase hipnótica, as expressões concentradas que denunciavam a disciplina de cada uma.Mas foi impossível não notar Kira.A pequena bailarina tinha algo diferente no olhar — um brilho sempre presente, mas hoje misturado ao opaco das lágrimas silenciosas que deslizavam por seu rosto. Ainda assim, ela seguia, impecável, executando seus pliés com uma delicadeza que partia o coração.Engoli em seco. Era impossível não lembrar de mim mesma, na mesma idade. Quantas vezes dancei sufocando dores físicas e emocionais, repetindo os passos como minha mãe exigia, porque, segundo ela, a excelência não dava espaço ao conforto.Aproximei-me de Kira e me abaixei ao seu lado, suavizando o tom da voz.— Ei, está tudo bem, querida?Ela balançou a cabeça d
Antoni Armand O médico apareceu pouco antes da meia-noite e confirmou que Kira estava com uma infecção estomacal. Ela precisava passar a noite em observação. Assim que ele terminou de falar, Kira desabou em lágrimas. Ela tinha um pavor visceral de hospitais e só se acalmou quando Isabella subiu na cama estreita e a envolveu em um abraço apertado. Eu nunca tinha visto minha sobrinha confiar tão rápido em alguém. Bella era um porto seguro para Kira, e algo nela a fazia sentir-se protegida. Talvez fosse o jeito carinhoso, a paciência infinita, ou até mesmo aquela doçura que parecia contagiar qualquer um que cruzasse seu caminho. Passei a noite sentado na poltrona do quarto, observando as duas dormirem juntas. Bella mantinha os braços firmes em volta da pequena, como se dissesse que nada no mundo a machucaria enquanto ela estivesse ali. Suas palavras mais cedo continuavam ecoando na minha mente: “Você está criando uma criança, Antoni.” E ela estava certa. Olha onde estávamos. Quand