Isabella Cavalieri
Os dias se arrastam como um balé exaustivo, e o cansaço tornou-se minha sombra mais fiel. Acordo antes do sol para ensinar pliés e piruetas, corrigir posturas e incentivar pequenos passos que, um dia, se tornarão grandes voos. À tarde, a rotina continua, e minha energia se dissolve a cada movimento repetido. À noite, as meninas mais velhas se juntam a mim para o ensaio extra de O Lago dos Cisnes—e, mesmo apaixonada pelo que faço, meu corpo suplica por descanso. Meus pés estão sempre doloridos, latejando sob o peso de tantas horas na ponta. Quando as luzes da academia finalmente se apagam e posso ir para casa, meu maior desejo é simples: uma ducha quente que lave o cansaço e me devolva ao mundo dos vivos. Só então, envolta no aconchego dos lençóis, me permito uma última indulgência—um romance clichê onde, em apenas 90 minutos, tudo encontra seu final feliz. Saio da sala de balé, tranco a porta com cuidado e caminho até a recepção para entregar a chave à Milena. Mas, ao dobrar o corredor, a cena que me espera me faz parar no mesmo instante. Kira está encolhida no banco da recepção, as pernas dobradas contra o peito, tremendo dentro da roupa fina de ensaio. Meu coração aperta. Onde está a pessoa que deveria buscá-la? — Kira, cadê quem ia te pegar? — pergunto, mantendo a voz calma, mesmo que a frustração já comece a ferver dentro de mim. Não é culpa dela, mas a irresponsabilidade dos outros me preocupa. Ela dá de ombros, os olhos piscando de sono. — Acho que o titio atrasou. Ele trabalha muito. Suspiro fundo. Não sou mãe, mas a ideia de deixá-la ali sozinha é impensável. Sei que a mãe dela está viajando e que deixou alguém encarregado, mas, com a quantidade de coisas que carrego na cabeça, não consigo lembrar quem. — Você sabe onde ele mora? Posso te levar até lá? Kira balança a cabeça negativamente. — Não sei, mas ele trabalha naquele prédio grandão no centro. É todo preto, tia. Um leve arrepio me percorre a espinha. — Como é seu sobrenome mesmo, Kira? A tia esqueceu. — Armand. Kira Armand. E, nesse instante, a ficha cai. Armand. O sobrenome que estampa manchetes e circula pelos noticiários de negócios. O poderoso CEO da Armand’s Company, um homem mais conhecido por polêmicas do que por suas conquistas. Engulo em seco. Sem mais palavras, tiro o moletom da mochila e o visto cuidadosamente em Kira antes de pegar minha bolsa. Se é ele quem deveria buscá-la, então teremos uma conversa. Meu carro desliza pelas ruas até parar diante do imponente edifício Armand. O brilho das luzes refletindo no vidro negro da construção me lembra exatamente com quem estou lidando: um homem poderoso, acostumado a ter o mundo girando ao seu redor. Mas hoje, ele vai ter que lidar comigo. Estaciono na vaga de visitantes e desligo o motor, soltando um suspiro pesado. Já tenho trabalho suficiente administrando a academia, ensinando e me desgastando todos os dias. Agora, além disso, preciso lidar com a irresponsabilidade de um homem que deveria, no mínimo, cuidar da própria família? Inaceitável. Saio do carro e seguro firme a mãozinha de Kira. Conforme entramos no prédio, os olhares ao redor deixam claro que não pertencemos ali. Meu visual descomplicado, os cabelos presos de qualquer jeito e o moletom dois números maior destoam completamente do ambiente de luxo e formalidade. Mas, sinceramente? Não dou a mínima. A recepcionista lança um olhar confuso, mas não tento me explicar. Apenas aperto o botão do elevador e espero. Assim que as portas se abrem no último andar, seguimos pelo hall silencioso. Meu estômago se revira de irritação quando noto a ausência da secretária. Ótimo. Mais uma prova da total falta de organização desse homem. Não penso duas vezes. Seguro Kira com uma mão, e com a outra, abro as portas do escritório sem cerimônia. Entro como um vendaval. E lá está ele. Sentado em sua luxuosa cadeira de CEO, o poderoso Armand, me encarando com um sorriso que eu reconheço de imediato—um daqueles que dizem tudo, menos algo bom. Bato as duas mãos sobre a mesa dele, inclinando-me levemente para frente. — Você é um irresponsável! Minha voz corta o silêncio do escritório como um chicote, mas ele nem pisca. Apenas me observa com um sorriso torto e irritantemente despreocupado, como se eu fosse algum tipo de entretenimento da noite. — Querida, se te magoei de alguma forma, vou compensar. Flores, bombons… e quando eu tiver um tempinho, um jantar — diz ele, a voz carregada de charme ensaiado, como se estivesse lidando com uma fã histérica, e não com uma mulher furiosa. Solto uma risada curta e sem humor, cruzando os braços. — Você é um perfeito idiota. Já olhou no relógio, senhor conquistador? O sarcasmo pinga de cada sílaba. Ele finalmente abaixa os olhos para o relógio e solta um palavrão baixo, como se só agora a realidade tivesse batido na porta. — Pois é. Se você não consegue cumprir um simples horário para buscar sua sobrinha, como é que essa empresa ainda não desabou? Ou será que seus funcionários passam o dia inteiro cobrindo sua incompetência? Ele estreita os olhos, visivelmente irritado. Ótimo. — Eu estava ocupado. Reviro os olhos tão forte que quase vejo meu cérebro. — Ah, claro! Ocupado! O termo mais vago e conveniente do mundo. O que foi desta vez? Uma reunião importantíssima que, coincidentemente, aconteceu em um restaurante badalado? Ou um evento beneficente para arrecadar fundos para as suas amantes? Ele aperta os lábios, mas o brilho travesso nos olhos sugere que ele está se divertindo mais do que deveria. — Interessante o quanto você parece saber da minha vida, querida — ele provoca, apoiando os cotovelos sobre a mesa. — Está me perseguindo? Isso seria um pouco assustador… e ao mesmo tempo lisonjeiro. Dou um passo à frente, apoiando as mãos no encosto da cadeira dele, diminuindo ainda mais a distância. — Escuta bem, querido — minha voz sai doce, mas cada palavra tem a nitidez de uma lâmina. — Você pode bancar o CEO irresistível para as colunistas sociais, mas pra mim, você não passa de um babaca que esqueceu uma criança esperando no frio. Então, por favor, economize seu charme barato e vá resolver o que realmente importa. Ele me encara por um longo momento, como se estivesse decidindo entre me xingar ou me aplaudir. No fim, apenas solta um suspiro frustrado e passa a mão pelo cabelo. — Eu me distraí — ele admite, a voz mais baixa, quase genuína. — E eu me irritei. Acho que estamos quites. Sem esperar resposta, viro nos calcanhares e caminho até a porta. Kira me espera do lado de fora, balançando os pés no banco da recepção, completamente alheia à tensão que acabara de ferver naquela sala. — tchau querida, a titia já vai Jogo um “tchau” por cima do ombro, sem sequer olhar para trás. Ele não merece nem mais uma palavra minha.Antoni Armand Fico parado diante da porta, atordoado. Meu olhar ainda está fixo no espaço vazio por onde aquela… tempestade passou. Uma bailarina em miniatura, mal maior que um tremor, berrando na minha cara como se fosse minha mãe. E eu? Eu, Antoni Armand, CEO da Armand’s Company, acostumado a enfrentar acionistas hostis, repórteres sensacionalistas e concorrentes de sangue frio… fiquei sentado, sem conseguir abrir a boca.O eco das palavras dela ainda reverbera na minha mente, junto com a imagem de seus olhos faiscando de fúria. Quem diabos era aquela mulher? Melhor ainda… quem ela pensa que é para entrar no meu escritório, me desafiar e sair como se tivesse vencido?Me recosto na cadeira, esfregando a mão no rosto, tentando absorver o que acabou de acontecer. Mas antes que eu possa colocar meus pensamentos em ordem, um par de passinhos ecoa pelo chão de mármore.Kira surge na minha frente, completamente alheia à guerra que aconteceu aqui dentro. Seu sorriso doce contrasta absurdam
Isabella Cavalieri Acordo com um sono péssimo. Ontem, ao chegar em casa mais tarde do que de costume, acabei me atrasando para tudo. Meu corpo, acostumado à rotina, parece que não sabe funcionar sem ela, e, como resultado, acordo completamente perdida. Me levanto, passo um pouco de água fria no rosto para tentar espantar o cansaço e me recompor. Coloco a roupa de balé, jogo tudo na mochila e desço para tomar café. Na mesa, encaro minha mãe com uma expressão de quem não está nada bem. Não sei se já mencionei isso antes, mas mamãe é… controladora, para dizer o mínimo. Ela está me observando com atenção, como se estivesse esperando algo de mim. O olhar de minha mãe é afiado como uma lâmina quando me sento à mesa. Sei exatamente o que está por vir antes mesmo de ela abrir a boca. — Onde esteve ontem, que chegou mais tarde que o usual? — A pergunta vem seca, sem rodeios, carregada de julgamento. Eu seguro um suspiro, mantendo a expressão neutra. Não adianta demonstrar irritação, iss
Isabella Cavalieri Estava no final do meu alongamento quando uma voz doce me tirou dos pensamentos. — Titia, cheguei! — Kira anunciou com sua mochila rosa balançando nas costas enquanto corria até mim. Sorrio, encantada com a energia que ela sempre trazia ao estúdio. — Oi, pequena! Vem cá, a titia vai te arrumar para a aula. — Estendi os braços, chamando-a, e ela veio correndo, um sorriso enorme no rosto. Kira é uma criança encantadora, com cabelos longos e escuros que sempre me lembram a mãe dela. Seus olhos levemente puxados lhe dão uma doçura especial, e seu entusiasmo pela dança ilumina qualquer ambiente. Ajudei-a a trocar de roupa, colocando seu collant preto e, por cima, uma sainha leve que balançava conforme ela se mexia. Como estava calor, optamos por não usar meia-calça. Nem eu estava usando naquele dia, já que o sol parecia derreter o asfalto lá fora. — Pronto, agora vamos para a parte mais importante — digo, pegando a escova de cabelo e me sentando no chão. Puxe
Isabella Cavalieri Era sexta-feira, e o cansaço me dominava como um manto pesado. Depois de uma semana exaustiva de ensaios, enfim havia um raro momento de respiro. Da beira da sala, observava as meninas na barra — seus movimentos precisos, a sincronia quase hipnótica, as expressões concentradas que denunciavam a disciplina de cada uma.Mas foi impossível não notar Kira.A pequena bailarina tinha algo diferente no olhar — um brilho sempre presente, mas hoje misturado ao opaco das lágrimas silenciosas que deslizavam por seu rosto. Ainda assim, ela seguia, impecável, executando seus pliés com uma delicadeza que partia o coração.Engoli em seco. Era impossível não lembrar de mim mesma, na mesma idade. Quantas vezes dancei sufocando dores físicas e emocionais, repetindo os passos como minha mãe exigia, porque, segundo ela, a excelência não dava espaço ao conforto.Aproximei-me de Kira e me abaixei ao seu lado, suavizando o tom da voz.— Ei, está tudo bem, querida?Ela balançou a cabeça d
Antoni Armand O médico apareceu pouco antes da meia-noite e confirmou que Kira estava com uma infecção estomacal. Ela precisava passar a noite em observação. Assim que ele terminou de falar, Kira desabou em lágrimas. Ela tinha um pavor visceral de hospitais e só se acalmou quando Isabella subiu na cama estreita e a envolveu em um abraço apertado. Eu nunca tinha visto minha sobrinha confiar tão rápido em alguém. Bella era um porto seguro para Kira, e algo nela a fazia sentir-se protegida. Talvez fosse o jeito carinhoso, a paciência infinita, ou até mesmo aquela doçura que parecia contagiar qualquer um que cruzasse seu caminho. Passei a noite sentado na poltrona do quarto, observando as duas dormirem juntas. Bella mantinha os braços firmes em volta da pequena, como se dissesse que nada no mundo a machucaria enquanto ela estivesse ali. Suas palavras mais cedo continuavam ecoando na minha mente: “Você está criando uma criança, Antoni.” E ela estava certa. Olha onde estávamos. Quand
Isabella Cavalieri Hoje quando cheguei do hospital eu e minha mãe tivemos uma briga feia, ela simplesmente não se importou por eu ter ajudado Kira, ela simplesmente achou o cúmulo eu não cumpri a minha carga horária de trabalho e não ter dormido bem, o que na verdade foi mentira por que eu dormi a noite toda. Isso me deixa incomodada, parece que pra ela só serve se eu tiver fazendo algo ligado ao balé, e eu tô cansada, eu queria ter amigas, sair, beber, poder sei lá fazer uma faculdade, ter um namorado, mas eu não vejo como me livrar de tudo isso, eu amo minha mãe e não quero magoá-la. Chego do restaurante depois do almoço e minha mãe me encara com a cara fechada. — você saiu quando eu mandei você ficar no estúdio ensaiando até a hora que eu mandasse parar – ela diz — mãe eu fiz isso, mas precisava parar pra almoçar, eu tinha sido convidado pelos Armands pra comer e eu fui – me explica — eu quero que se afaste dessa menina, você está saindo da sua rotina por conta dela,
Antoni Armandi Encaro a pequena garota descendo as escadas, os pés descalços tocando suavemente cada degrau, o tecido da minha camisa batendo no meio de suas coxas, larga demais para ela, o que só reforçava o contraste delicado daquela cena. Por mais estranho que parecesse, algo dentro de mim se aquecia ao vê-la ali — não apenas pela presença dela em minha casa, mas pela naturalidade com que ela se encaixava naquele espaço.— Ela dormiu? — perguntei, assim que se sentou ao meu lado no sofá, com a mesma leveza de quem já fazia parte daquela sala.— Dormiu sim — respondeu com um tom calmo e baixo, quase cúmplice. — Deixei tudo organizado lá em cima e deixei um abajur aceso pra ela não acordar no escuro.Assenti, observando a tranquilidade com que ela falava, como se cuidar de Kira fosse algo natural, instintivo.— Quer um chá? Camomila? — ofereci, meio sem pensar. Talvez quisesse apenas uma desculpa para prolongar sua presença por ali, mais alguns minutos, quem sabe horas.Ela riu com
Antoni Armand Acordo cedo, e acordo a Kira pra ela ir tomar banho, aproveito pra ir tomar o meu também, essa noite foi difícil, eu não consegui tirar aquela pequena bailarina dos meus pensamentos, parece que eu ainda conseguia sentir seu cheiro doce e a sua pele macia nas minhas mãos. Depois do banho me arrumo rapidinho, passo no quarto da Kira bato na porta e ela aparece já vestida, e com a escova de cabelos nas mãos — titio você pode pentear por favor ? — claro pequena – pego a escova da sua mão entro no seu quarto sentando em sua cama e deixando ela em pé na minha frente e começo a pentear com cuidado. Uau em uma semana eu fui de libertino pra padrinho exemplar, ou quase, Isabella me vez ver que eu preciso dar atenção a Kira, ela é minha sobrinha e afilhada, e depois do susto que foi esse fim de semana preciso cuidar da alimentação dela também, eu posso não demonstrar mais eu a amo, assim como amo minha irmã e meu pai. — pronto pequena, já escovou os dentes? – perg