Isabela Cavalieri
Ser bailarina é muito mais do que deslizar graciosamente pelo palco sob os holofotes. Para quem vê de fora, tudo parece mágico: os figurinos deslumbrantes, os passos fluidos, a música que nos envolve. Mas poucos imaginam o que há por trás desse espetáculo. São anos de dedicação inabalável, ensaios exaustivos, dores que se tornam companheiras constantes. Os pés marcados pelas sapatilhas apertadas, as pernas latejando após horas de treino, os coques sempre presos com firmeza e a meia-calça sufocante mesmo nos dias mais quentes. Cada movimento precisa ser executado com perfeição, cada detalhe faz a diferença. E ainda assim, mesmo nos momentos mais difíceis, há algo que me mantém firme: o amor pela dança. Esse amor é meu impulso, meu combustível, minha essência. Lembro-me do instante exato em que tudo começou. Eu tinha apenas quatro anos quando passei pela primeira vez em frente a um estúdio de balé. Meus olhos brilharam ao ver aquelas meninas se movendo como se não tocassem o chão. Naquele momento, algo dentro de mim despertou. Minha mãe, que um dia sonhou em ser bailarina, viu a oportunidade de viver seu sonho através de mim. Sem hesitar, me inscreveu nas aulas e, desde o primeiro dia, me ensinou uma lição que ecoa até hoje: a perfeição não era uma escolha, era o único caminho. Assim, minha infância foi moldada por ensaios intermináveis, apresentações emocionantes e competições intensas. Aos 17 anos, dei meus primeiros passos como professora, compartilhando tudo o que aprendi com outras meninas que, assim como eu um dia, olhavam para a dança com fascínio e esperança. Às vezes me pergunto se consigo lembrar de um tempo em que não estivesse envolvida nesse universo. Hoje, aos 19 anos, sou professora das turmas infantis de balé. Vejo minhas pequenas alunas, de quatro ou cinco anos, dando seus primeiros passos nesse mundo encantador. Algumas chegam com o brilho nos olhos que um dia também tive, apaixonadas pela dança. Outras, porém, estão ali apenas porque suas mães insistiram, sem entender ainda o que tudo aquilo significa. E eu me compadeço dessas últimas. Sei o peso que é seguir um caminho sem paixão, sem aquele desejo ardente que faz com que todo o esforço valha a pena. A dança nunca deveria ser uma obrigação. Ela é arte, expressão, liberdade. E é esse sentimento que busco despertar nelas: a certeza de que, quando se dança com o coração, todo o resto se torna leve. — Isso, meninas! Concentrem-se no movimento! Sintam a leveza, a suavidade… A dança precisa fluir como o vento. — digo, observando atentamente cada uma enquanto tentam executar suas piruetas. No meio das pequenas figuras rodopiando pelo estúdio, Kira me olha com uma expressão de dúvida, os olhinhos brilhando de expectativa. — Tia Isa, eu estou fazendo certo? Me aproximo, sorrindo para tranquilizá-la. — Está indo muito bem! Mas lembre-se: a técnica é importante, sim, mas sua dança precisa ter a sua alma. Se não colocar um toque especial seu, vira apenas mais uma bailarina robô. Toco levemente o nariz dela, arrancando uma risada divertida. O sorriso de Kira se alarga, e, como mágica, suas piruetas ganham mais confiança. Sei que são apenas os primeiros passos, mas vejo algo precioso ali. A técnica pode ser aprendida, mas a verdadeira beleza da dança vem do coração. Dou mais alguns passos pelo estúdio, observando as meninas se esforçarem. Algumas giram com leveza, outras ainda tropeçam um pouco, mas todas tentam. E isso já é lindo. — Foquem em um ponto fixo, meninas! Assim evitam ficar tontas! — oriento, minha voz carregada de paciência e carinho. A dança é feita de movimentos, sim, mas também de pequenos momentos. E ver cada uma delas descobrindo sua própria magia me faz ter certeza: esse é o meu lugar. As meninas correm até mim assim que a aula termina, seus pequenos braços me envolvendo em um abraço apertado. Sinto a energia vibrante delas, a alegria genuína que transborda naquele instante. Esses momentos me preenchem de um jeito inexplicável. Tento retribuir todo esse amor da melhor forma possível, porque sei que, para muitas, a dança é mais do que apenas um hobby—é um refúgio, um sonho em construção. Elas são pequenas, mas suas almas já entendem a beleza do balé. Talvez seja isso que me faz continuar. Suspiro, sentindo o cansaço pesar sobre meus ombros. Ainda tenho que ajudar algumas meninas com treinos extras para a apresentação que se aproxima e, depois, preciso fazer meu próprio treino. Mais uma segunda-feira comum. A rotina é exaustiva, mas a felicidade que sinto ao ensinar compensa tudo. Não consigo imaginar minha vida sem o balé, sem essa disciplina, sem os movimentos que moldam minha existência. Às vezes, me pergunto se seria capaz de viver sem ele, mas a verdade é que não sei. O balé não é apenas algo que escolhi fazer. Ele é minha vida. Chego em casa exausta, mal sentindo minhas pernas. Vou direto para o banho. A água quente alivia um pouco a tensão nos músculos, mas a dor é uma velha conhecida—presente em cada parte do meu corpo, sempre ali para me lembrar do esforço diário. Depois, visto um pijama confortável e desço para a cozinha, atraída pelo cheiro da comida recém-preparada. O aroma familiar me traz uma sensação de aconchego. Mamãe está organizando a mesa, os movimentos precisos e disciplinados, como sempre. Ela é nutricionista e, em nossa casa, a alimentação saudável é regra. Cresci cercada por pratos balanceados, por orientações sobre o que comer e o que evitar. Sei que ela faz isso por amor, para cuidar de mim, mas às vezes a pressão é difícil de ignorar. — Filha, como foi no balé hoje? — ela pergunta com um sorriso gentil. — Foi ótimo. Amo o balé e adoro dar aulas. — respondo, servindo-me de legumes no vapor e frango grelhado. Desde que entrei no balé, minha mãe sempre fez questão de garantir que minha alimentação estivesse alinhada com a rotina intensa de treinos. Sou grata por isso, mas ao mesmo tempo, há sempre essa constante cobrança, essa necessidade de manter o corpo perfeito para a dança. — Não está esquecendo dos seus ensaios, né? — ela diz, observando atentamente meu prato. — Se quiser continuar sendo perfeita, precisa estar em constante treinamento. Sinto um aperto no peito quando ela desvia o olhar para as batatas que coloquei no canto do prato. — E cuidado com as batatas, viu? Quanto mais pesada você estiver, mais difícil será ser graciosa. A leveza é essencial. Suspiro enquanto como, tentando afastar os pensamentos que insistem em me envolver. Sei que minha mãe quer o melhor para mim, mas às vezes parece que sua visão do meu futuro está tão enraizada que não há espaço para minhas próprias vontades. Eu amo o que faço, realmente amo. A emoção de estar no palco, a batida da música sincronizada com cada movimento, o calor dos holofotes, os aplausos do público. Amo ensinar, ver minhas pequenas alunas descobrindo a dança com olhos brilhantes. Mas, ultimamente, algo dentro de mim tem sussurrado dúvidas. Será que isso é tudo o que eu quero? Será que meu destino é realmente seguir uma carreira como bailarina profissional? Ou será que, no fundo, desejo algo mais simples, mais leve? Só que essa possibilidade parece distante, quase impossível. Minha mãe nunca me deixaria desistir. Para ela, sou a materialização do sonho que ela nunca viveu. E eu? Eu nunca teria coragem de decepcioná-la. — Eu sei, mãe, estou focada. Vou me dedicar ainda mais. — respondo, forçando um sorriso, tentando esconder qualquer vestígio de hesitação. Ela sorri satisfeita, e eu finjo que está tudo bem. Porque sei que, para ela, nada é mais importante que minha perfeição. Cada passo precisa ser exato, cada movimento impecável. Mas me pergunto: um dia serei mais do que isso para ela? Um dia ela verá que, além da técnica, o que eu mais quero é ser feliz? Talvez de uma forma diferente da que ela sonhou para mim?Antoni Armand Essa segunda-feira parece se arrastar sem fim. Meu escritório, luxuoso e impecavelmente decorado, mais parece uma prisão hoje. Tudo o que eu queria era largar essa gravata sufocante, encontrar um bom bar, beber algo forte e, quem sabe, terminar a noite com uma bela mulher na minha cama. Mas, é claro, não posso me dar a esse luxo agora.Cada festa que frequento, cada evento onde sou visto segurando um copo de whisky ao lado de uma mulher deslumbrante, acaba estampando os tabloides no dia seguinte. “Playboy Festeiro, Ao Ataque!” Os jornais adoram me transformar no vilão da alta sociedade. O problema? Essas manchetes custam caro—muito caro. Minha credibilidade no mercado de negócios está indo ladeira abaixo, e contratos que antes eram certos agora são cancelados antes mesmo da assinatura. Para um CEO, isso é um golpe pesado. E, claro, meu bolso não está nada feliz com isso.Minha empresa é referência em engenharia, arquitetura e paisagismo, liderando projetos ambiciosos e
Isabella Cavalieri Mais um dia, mais uma aula, e aqui estou eu, em minha posição habitual, observando a sala antes que minhas pequenas alunas cheguem. O chão de madeira polida reflete suavemente a luz suave dos espelhos que cobrem a parede inteira. O cheiro característico de resina e tecido das sapatilhas de ponta preenche o ambiente, misturado com um leve toque de lavanda do aromatizador que sempre deixo ali.A porta se abre, e meu olhar se volta para a recepção. Como sempre, Analice entra com sua presença impecável. Seu vestido preto abraça sua silhueta com perfeição, e seus saltos agulha ressoam no piso de mármore. Ela não anda, ela desfila. Seu porte de supermodelo mundialmente famosa faz com que todos ao redor parem por um instante, como se ela estivesse prestes a entrar em uma passarela.Mas, apesar de toda essa imponência, há uma doçura nela que poucos enxergam. E essa doçura se reflete completamente em sua filha.Kira não poderia ser mais diferente da mãe. Seu cabelo castanho
Antoni ArmandA chamada telefônica me puxa de volta à realidade, interrompendo o turbilhão de pensamentos que me consome. Com o celular na mão, respiro fundo antes de atender, sabendo que o peso da conversa será inevitável.— Pai, eu vou dar um jeito nessa situação, ok? — tento controlar minha voz, tentando parecer mais calmo do que realmente me sinto, já antecipando o tom pesado que virá do outro lado da linha.— Antoni, eu confiei a empresa nas suas mãos. Você me prometeu que ia cuidar de tudo. — A voz dele é grave, saturada de frustração e preocupação. Sinto o peso das palavras, como se cada uma delas fosse um açoite. — Sua irresponsabilidade está colocando tudo o que construímos em risco. Estamos perdendo contratos importantes e, o pior, estamos minando a credibilidade de clientes fiéis que confiaram na gente por anos.Ouço o suspiro pesado do meu pai, como se cada palavra tivesse sido um esforço físico. A tensão que ele carrega na voz é palpável, e consigo sentir a dor de cada de
Isabella Cavalieri Os dias se arrastam como um balé exaustivo, e o cansaço tornou-se minha sombra mais fiel. Acordo antes do sol para ensinar pliés e piruetas, corrigir posturas e incentivar pequenos passos que, um dia, se tornarão grandes voos. À tarde, a rotina continua, e minha energia se dissolve a cada movimento repetido. À noite, as meninas mais velhas se juntam a mim para o ensaio extra de O Lago dos Cisnes—e, mesmo apaixonada pelo que faço, meu corpo suplica por descanso. Meus pés estão sempre doloridos, latejando sob o peso de tantas horas na ponta. Quando as luzes da academia finalmente se apagam e posso ir para casa, meu maior desejo é simples: uma ducha quente que lave o cansaço e me devolva ao mundo dos vivos. Só então, envolta no aconchego dos lençóis, me permito uma última indulgência—um romance clichê onde, em apenas 90 minutos, tudo encontra seu final feliz. Saio da sala de balé, tranco a porta com cuidado e caminho até a recepção para entregar a chave à Milena. Ma
Antoni Armand Fico parado diante da porta, atordoado. Meu olhar ainda está fixo no espaço vazio por onde aquela… tempestade passou. Uma bailarina em miniatura, mal maior que um tremor, berrando na minha cara como se fosse minha mãe. E eu? Eu, Antoni Armand, CEO da Armand’s Company, acostumado a enfrentar acionistas hostis, repórteres sensacionalistas e concorrentes de sangue frio… fiquei sentado, sem conseguir abrir a boca.O eco das palavras dela ainda reverbera na minha mente, junto com a imagem de seus olhos faiscando de fúria. Quem diabos era aquela mulher? Melhor ainda… quem ela pensa que é para entrar no meu escritório, me desafiar e sair como se tivesse vencido?Me recosto na cadeira, esfregando a mão no rosto, tentando absorver o que acabou de acontecer. Mas antes que eu possa colocar meus pensamentos em ordem, um par de passinhos ecoa pelo chão de mármore.Kira surge na minha frente, completamente alheia à guerra que aconteceu aqui dentro. Seu sorriso doce contrasta absurdam
Isabella Cavalieri Acordo com um sono péssimo. Ontem, ao chegar em casa mais tarde do que de costume, acabei me atrasando para tudo. Meu corpo, acostumado à rotina, parece que não sabe funcionar sem ela, e, como resultado, acordo completamente perdida. Me levanto, passo um pouco de água fria no rosto para tentar espantar o cansaço e me recompor. Coloco a roupa de balé, jogo tudo na mochila e desço para tomar café. Na mesa, encaro minha mãe com uma expressão de quem não está nada bem. Não sei se já mencionei isso antes, mas mamãe é… controladora, para dizer o mínimo. Ela está me observando com atenção, como se estivesse esperando algo de mim. O olhar de minha mãe é afiado como uma lâmina quando me sento à mesa. Sei exatamente o que está por vir antes mesmo de ela abrir a boca. — Onde esteve ontem, que chegou mais tarde que o usual? — A pergunta vem seca, sem rodeios, carregada de julgamento. Eu seguro um suspiro, mantendo a expressão neutra. Não adianta demonstrar irritação, iss
Isabella Cavalieri Estava no final do meu alongamento quando uma voz doce me tirou dos pensamentos. — Titia, cheguei! — Kira anunciou com sua mochila rosa balançando nas costas enquanto corria até mim. Sorrio, encantada com a energia que ela sempre trazia ao estúdio. — Oi, pequena! Vem cá, a titia vai te arrumar para a aula. — Estendi os braços, chamando-a, e ela veio correndo, um sorriso enorme no rosto. Kira é uma criança encantadora, com cabelos longos e escuros que sempre me lembram a mãe dela. Seus olhos levemente puxados lhe dão uma doçura especial, e seu entusiasmo pela dança ilumina qualquer ambiente. Ajudei-a a trocar de roupa, colocando seu collant preto e, por cima, uma sainha leve que balançava conforme ela se mexia. Como estava calor, optamos por não usar meia-calça. Nem eu estava usando naquele dia, já que o sol parecia derreter o asfalto lá fora. — Pronto, agora vamos para a parte mais importante — digo, pegando a escova de cabelo e me sentando no chão. Puxe
Isabella Cavalieri Era sexta-feira, e o cansaço me dominava como um manto pesado. Depois de uma semana exaustiva de ensaios, enfim havia um raro momento de respiro. Da beira da sala, observava as meninas na barra — seus movimentos precisos, a sincronia quase hipnótica, as expressões concentradas que denunciavam a disciplina de cada uma.Mas foi impossível não notar Kira.A pequena bailarina tinha algo diferente no olhar — um brilho sempre presente, mas hoje misturado ao opaco das lágrimas silenciosas que deslizavam por seu rosto. Ainda assim, ela seguia, impecável, executando seus pliés com uma delicadeza que partia o coração.Engoli em seco. Era impossível não lembrar de mim mesma, na mesma idade. Quantas vezes dancei sufocando dores físicas e emocionais, repetindo os passos como minha mãe exigia, porque, segundo ela, a excelência não dava espaço ao conforto.Aproximei-me de Kira e me abaixei ao seu lado, suavizando o tom da voz.— Ei, está tudo bem, querida?Ela balançou a cabeça d