Capítulo 02

Eu estava bem em frente aquele prédio imenso, as cores azuis dominavam, era todo de vidro espelhado, num tom de azul-escuro e muito alto. Ficava nada mais, nada menos situado no centro da cidade, aonde apenas as maiores empresas estavam localizadas. Pessoas bonitas com roupas sociais entravam e saiam daquele local, me senti uma mendiga perto deles, mesmo com a melhor roupa que tinha. Sem mais nenhuma briga mental, entrei no prédio segurando firme o envolpe que continha meu currículo. Dentro me senti ainda mais ridícula, era impecável, tudo limpo com um aroma bom. Caminhei até uma mulher atrás de uma bancada, muito bonita e apresentável, assim como todas as outras, eram padronizadas com um fardamento em um tom azul-marinho.

— Boa tarde senhorita, no que posso lhe ajudar hoje? — Ela perguntou com um sorriso.

— Eu vim para tentar uma vaga de emprego. — Mostro o anunciado no jornal.Estendo o currículo para ela, as folhas estavam todas amassadas. Senti vergonha ao ver a expressão que ela fez.

─ Certo, ligaremos para você.

─ Obrigada, moça. 

Sai do prédio sentindo olhares em cima de mim, sentia minhas bochechas queimarem. Eu não pertencia aquele lugar, era notório. Voltei para casa sem muitas expectativas, eu tinha quase certeza que eles não iriam me ligar, aquela empresa tinha aparência de ser um lugar sério e formal. Provavelmente, a pessoa que administrava tudo aquilo era extremamente poderosa. Encostei minhas coisas cansadas no sofá, eu queria afundar nele e sumir. Desde que meu pai desapareceu, eu passei a cuidar de todo o dinheiro que saia e entrava, tudo dependia de mim, e agora sem emprego eu nem poderia ajudar Abigail a ir para uma faculdade boa ou a minha mãe que ainda fazia tratamento. O preço do plano de saúde dela era tão caro que às vezes faltava para a nossa alimentação, mas já estávamos acostumadas a passar dificuldades.

[...]

Dois dias se passaram, meu celular não tocava nem para ligações de cobrança. Eu tentei limpar a casa dos vizinhos, mas a diária dava apenas para comprar comida. Mesmo assim, Abigail permanecia confiante. Meu coração pesava só de pensar em ficar mais dias sem trabalho.

─ Para onde vai? ─ Perguntou Abby quando me viu descer com uma bolsa no ombro.

─ Entregar mais currículo, a situação está apertando cada vez mais. 

Ela assente com uma expressão ameno, às vezes, ver Abby com essa cara me dava uma sensação de raiva. Ela nunca perdia o controle de suas emoções, sempre acreditava que tudo ia ficar bem, mesmo com nosso mundo desmoronando aos poucos a cada ano que passa. Der repente meu celular vibra no bolso de trás da calça. Atendo sem pressa, provavelmente seria mais uma ligação de cobrança.

─ Boa tarde, falo com a senhorita Olivia Clark? ─ Uma mulher com a voz calma pergunta do outro lado da linha.

─ Sim, é ela mesma. Aconteceu algo?

─ Liguei para marcar a sua entrevista a respeito da vaga de recepcionista aqui na Caccini's.

Meus olhos arregalaram imediatamente, me arrumei na cadeira para ouvir melhor.

─ Certo, que horas?

─ A tarde, as treze horas. Não atrase.

Desligo com os olhos cheios de felicidade, mas era apenas uma entrevista, eu não podia alimentar falsas esperanças. Só de pensar na minha carteira sendo assinada eu sentia vontade de pular de alegria. Abby saiu da cozinha secando as mãos, me olhando.

─ Aconteceu mais alguma coisa?

─ Sim, eu consegui uma entrevista na Caccini's.

Ela correu para os meus braços e me abraçou.

─ Estou tão feliz! 

─ Não podemos comemorar antes do tempo. 

Ela revira os olhos.

─ Por favor, tente ser positiva somente desta vez. ─ ela me chacoalha. Eu forço um sorrisinho para agradá-la. ─ Vamos arrumar uma roupa social para você ir a essa entrevista.

Abby pegou uma das roupas sociais de nossa mãe, não ficou perfeito, na verdade, minha mãe era maior do que eu, ela possuía curvas a mais que eu na minha idade. Mesmo assim eu usaria, nada podia estragar a minha felicidade. Arrumamos o meu cabelo em coque alto, mas não passei nada no rosto.

─ Sua pele já está perfeita, não temos nada disso aqui. ─ resmungou Abby enquanto ajeitava a gola da camisa social.

Horas depois eu já estava novamente em frente aquela empresa. Minha confiança foi embora mais uma vez, eu me sentia inferior a todas as pessoas por lá. Segurei firme em minha bolsa suspirando. Entrei no local de forma tímida e fui direto para a bancada da recepção, algumas atendentes olharam para mim, mas só uma delas veio me atender.

─ Sou Olivia Clark, vim para a entrevista de emprego.

─ Certo ─ ela me fita do cabeça aos pés ─, siga-me.

Ela pede para que eu a siga e eu o faço. Olho para os lados e haviam apenas duas pessoas do lado de fora, pelo visto não tinha tantas pessoas assim atrás dessa vaga.

─ Você será a primeira a ser atendida, pode entrar.

Observo aquele corredor branco bem iluminado, era tudo tão luxuoso, eu não estava nada habituada àquilo. Arrumei meus cabelos e respirei fundo, meu coração estava acelerado. Abro a porta e dou de cara com um senhor que aparentava ter uns 45 anos falando ao telefone. Ele estava sentado em uma cadeira atrás de uma mesa, mas parecia agitado.

— Não... quero para hoje! — Ele dá uma pausa enquanto passa a mão sobre os cabelos brancos e continua — o senhor Dominic vai ficar uma fera!

Me sento na cadeira de frente para o mais velho, ele parecia não notar que eu estava ali, ou simplesmente não se importou. Pigarreio para chamar sua atenção, não funciona, faço outra vez e ele vira para mim finalmente.

— Sim, querida? — Perguntou com certo desdém.

— Eu vim para a entrevista... — sou interrompida.— É sua. — Diz ele ainda com o telefone ao ouvido.

— É-o que? 

— A vaga de recepcionista, sua tonta! Por deus, estou tão aperreado.

— Sério?! — Levanto acento ainda sem acreditar. — Você está brincando comigo?

— Já estou de saco cheio com tantas pessoas vindo e saindo daqui desde a semana passada. É apenas uma vaga de recepcionista. — Segurei minha bolsa contra meu corpo. Minha cabeça estava confusa. ─ O que ainda faz aqui?

Finalmente me dei conta de que aquilo era real, eu havia conseguido a vaga sem ao menos tentar uma entrevista. Aquele senhor, apesar de suspeito, havia me entregado aquela vaga de bandeja. Eu não podia ficar ali questionando, talvez as coisas estivessem realmente voltando a meu favor como Abby dizia.

— Muito obrigada, muito mesmo, o senhor não sabe o quão gentil está sendo... E — dou uma pausa e sorrio — prometo não decepcionar.

Por um instante ele finalmente pareceu notar minha presença, sua expressão ficou mais calma, mas depois voltou ao modo de antes.

— Está bem, está bem! Amanhã apareça às seis horas. Procure por Vanessa. Ela irá lhe ajudar com toda a parte burocrática, pegue esse papel e entrega a ela. Assim irá saber quem é você. — Ele me entrega o papel.

— Obrigada mais uma vez, amanhã compareço. 

Eu queria muito conter minha felicidade, mas era perceptível, e dessa vez eu merecia comemorar. Saí da sala e levantei as mãos para os céus e exclamei: "sim! Sim!", levei a mão até a boca e olhei para os lados sorrindo. Para ele era uma simples vaga de recepcionista, mas para mim, era uma chance de sair de tanta miséria. Durante o caminho de volta fiquei me belisquei diversas vezes para ter certeza que era tudo real e não apenas um sonho.Cheguei em casa e fui para o quarto de minha mãe, minha vizinha que cuidava dela estava lá.

— Ela não quis comer nada, Olivia. Parece criança birrenta.Olho para minha mãe, ela não me encarava, olhava para um canto vazio do quarto.

— Obrigada por ajudar. Assim que puder eu vou lhe dar um pagamento — coloco minha mão em seu ombro — vai para casa que eu cuidarei dela.

— Está bem, Olivia. Até outro dia.

A mulher sai me deixando a sozinha com minha mãe.

— Por que não quis comer?

— Estou sem apetite.

Além do câncer, minha mãe tinha depressão. Tinha dias que ela falava muito e ficava feliz, mas era corriqueiro suas crises, nesses dias ela parecia não estar ali, parecia não fazer parte do nosso mundo. Nesses dias eu e Abby tentamos ser mais compreensíveis e atenciosas, mas às vezes nem isso adiantava. 

— Mesmo assim, tem que comer. Os remédios lhe deixam extremamente fraca. Vamos, faça esse esforço. — Pegou o prato em minhas mãos — Aliás, tenho uma novidade para a senhora.

— Me conte. — Disse seguido de tosse.

— Só vou falar se você comer tudo. — Ela revira os olhos, mas se rende, entrego o prato a ela e a mesma começa a comer. — Bem, fui demitida do café.

Ela solta a colher dentro do prato de sopa, olhando para mim com os olhos azuis completamente apagados e os lábios pálidos abertos.

─ Como...

Balanço a cabeça, sorrindo.

─ Mas hoje já consegui outro, mamãe. Não se preocupe.

— Anh! Estou tão feliz, filha.

— Não vou ganhar muito, mas já é mais do que eu ganhava quando trabalhava de garçonete.

O sorriso em seu rosto de desfaz e ela volta a olhar para longe.

— Você se mata de trabalhar para manter essa casa... não deveria se esforçar tanto.

— Eu gosto disso.

— Mas não deveria. Me sinto tão culpada. — Ela leva a mão até o peito onde estava seu medalhão, o mesmo cujo tinha uma foto minha e de Abby dentro. — Eu deveria estar trabalhando, ajudando, não você, minha filha.

— Não fale bobagens! Agora termine de comer tudo. 

Ficamos conversando e após ela terminar de comer, assistimos televisão até a mesma cair no sono. Ajeitei seu corpo na cama e me belisquei mais uma vez para ter certeza de que não era um sonho.

No dia seguinte acordei cedo, preparei minha melhor roupa social, uma saia lápis cinza, camisa social branca e um coque alto. Observo meu reflexo e sorrir para mim mesma, o coque disfarçava o castanho opaco de meu cabelo e a franja espessa sobre minha testa deixava minhas olheiras menos aparentes. Eu só precisava sorrir para parecer menos acabada.

Cheguei na empresa exatamente às seis da manhã. Observei aquele edifício mais uma vez, o sol fazia o azul da vidraça reluzir e brilhar ainda mais. Ali parecia o céu nesta manhã. Respirei fundo e adentro o edifício, fui a recepção e senti olhares curiosos sobre mim. Dentre elas, estava uma mulher com roupa diferenciada, ela usava um vestido tubinho e escarpim vermelho, era perfeitamente loira e formosa.

Peguei o papel que o homem me entregou ontem e fui até elas.

— Bom dia, alguma de vocês pode me dizer onde eu encontro a Vanessa, por favor?

A mulher loira me olha dos pés à cabeça.

— Vocês conhecem alguma Vanessa? — Perguntou a mulher me olhando de cima a baixo.

— Ela trabalha aqui na recepção conosco. — Uma das que estavam atrás da bancada disse.

— Então mostre a ela.

A mesma que respondeu a ruiva bonita saiu do balcão e caminhou em direção a algum lugar, eu apressei o passo para acalçá-la.

— Ela está no vestuário. — Disse mascando chiclete, os barulhos da saliva com as mordidas eram mais irritantes que o salto de seu sapato batendo no chão limpo.

— Obriga... — ela vai embora antes que eu pudesse dizer algo.

Todos nesse lugar são mal-educados, parecem uns brutamontes, pensei. Fui em busca de Vanessa, entrei no departamento e vi uma garota de cabelos ruivos rindo de alguma coisa em seu celular.

— Vanessa?

A mulher toma um baita susto, quase deixando seu celular cair no chão.

— Senhora Kate, só estava falando com... — ela vira para mim e percebe que eu não sou quem ela pensava. — Ufa, é só você.

Arqueio as sobrancelhas, assentindo.

— Você sabe aonde eu posso encontrar Vanessa?

A ruiva se levanta, arrumando sua roupa.

— Já está falando com ela. Pois não?

— Eu fui contrata para a vaga de recepcionista, o senhor que me contratou me pediu para entregar isso a você.

Entrego o papel a ela e a mesma o observa e seguida sorrir para mim.

— Anh, sim, o cara do setor do Rh te mencionou para mim. Você teve uma baita sorte em!

— Nem me diga, estou incrédula até agora. — Digo. Ela sorrir.— Bem, precisamos resolver a parte burocrática em outro departamento. Mas antes, vou te entregar sua farda. 

Ela revira um armário e me entrega uma sacola contendo roupas vermelhas. A farda estava perfeitamente dobrada e limpa.

— Está aqui! Experimenta. — Ela aponta para uma porta. — Ali tem uma cabine, vai lá.

Entrei na cabine e tudo era lindo, havia até chuveiro dourado, era impressionante como o local dos funcionários era impecável. No café tínhamos o porão e uns armários. O cheiro de eucalipto me embriagava com o espelho limpo a minha frente.Tirei minha roupa, vesti aquela a farda com cheiro agradável. Um sorriso bobo escapou de meus lábios. Me olhei no espelho e me senti bonita, melhor do que está sempre suja de café. Saí do banheiro e Vanessa abriu um sorriso radiante.

— Caiu como uma luva! — Ela vem ao meu encontro e passa seu braço ao redor do meu — Venha, vou mostra onde você vai trabalhar.

Nós saímos do lugar e caminhamos até a recepção novamente, ela ia na minha frente dando bom dia a todos que via pela frente, aparentemente todos a conheciam bem ali.

— Sempre venha bem apresentável, cabelos bem penteados e pele maquiada — lembrei que não passei nada antes de vir. Me puni mentalmente.

 — Temos duas horas de almoço livre, e sempre troque de roupa antes de ir para casa, normas da empresa. — Ela se aproxima do meu ouvido — Como se alguém fosse querer sair com essas roupas feias.

Ambas rimos.

— Está bem. — Observo o grande lustre que estava na recepção — uau, tudo aqui é tão lindo.

— É, os arquitetos da empresa são meio exagerados, até com os banheiros dos funcionários, como você percebeu.

Assenti. 

— A empresa era grande, mas eu nunca tinha ouvido falar dela antes, parecia uma miragem.— Nunca ouvi falar nessa empresa.

— Foi herdada pelo Dominic Caccini. Basicamente é uma empresa de vinhos da Itália ou qualquer coisa do tipo. — Ela gesticula e chega mais perto de mim quase sussurrando — a família dele é podre de rica.

— Nossa, é muita coisa mesmo. Mas eu também nunca ouvi falar nele.

Vanessa solta um sorriso malicioso e vira-se para mim.

— Eu já esperava. Ele é o homem mais gostoso que existe no mundo, com aqueles olhos verdes e aquele peitoral tão definido que dá para ver de seu terno... Fora a voz, meu deus, que voz! Um sotaque italiano. Sempre muito elegante e tem um ótimo bom gosto. — Ela suga o ar entre os dentes, me fazendo rir.— Aposto que o pinto dele deve ser maior que ele.

Minhas bochechas queimaram, aquela conversa estava tomando um rumo estranho.

— Você é maluca? — Pergunto cochichando — Acho que todos ouviram.

Vanessa sorrir e nós chegamos a recepção. A moça bonita ainda estava lá.

— Vocês vão ficar de conversinha ou vão trabalhar? — Questionou ela, mais arrogante que nunca.

Sem mais delongas, eu e a Vanessa fomos para trás do balcão, estava me sentindo muito contente, mesmo com os olhares de reprovação das outras meninas. Pelo menos agora eu poderia pensar em outras coisas além das minhas dívidas.

— Todos aqui são sempre assim, grosseiros? — Pergunto.

— Elas todas trabalham para a mesma pessoa, mas se acham melhores que todos — Vanessa não cochichou, falou em voz alta e as outras bufaram. — Não ligue para essas fofoqueiras, não é querendo me gabar, mas você se deu bem comigo. Pelo menos não me acho melhor que ninguém, por outro lado, essas são todas oportunistas.

— Eu já tenho experiência com esse tipo de colega de trabalho. — Digo. — Mas o que eu devo que fazer?

— É moleza, apenas recepcione as pessoas. Leve água, café, mostre os locais, você será quase uma guia turista.

— Ah, basicamente o que fazia no meu emprego anterior.

— Mais tarde vamos terminar o tutorial pela empresa e após o almoço vamos resolver as partes burocráticas.

Der repente o nosso foco vai para a multidão que se formou na porta da empresa. As meninas na bancada ficaram eufóricas e eu apertava os olhos para enxergar o que estava acontecendo. Vanessa me cutucou com o cotovelo e continuou olhando para frente.

— Se você nunca viu o senhor Dominic, vai ver agora. — Ela diz em um tom malicioso.

Meus olhos se focam no rosto mais perfeito que eu já vi em toda minha vida. Olhos verdes, cabelo preto, tão escuros que chegavam a roubar a luz ao seu redor, corpo robusto que dava de ser visto até de seu terno — assim como Vanessa mencionou — e boca que parecia ter sido esculpida por anjos. Nem usando toda a criatividade disponível em minha cabeça eu conseguiria imaginar um homem como aquele. Eu estava fascinada com aquele ser que passava em minha frente. Minha respiração ficou abafada apenas o observando, e meu coração latejou no peito. Parece que ele leu meus pensamentos, pois o deus grego mirou seu olhar a mim. Meu corpo inteiro vibrou. Por mais que fossem poucos segundos do toque da sua visão sobre mim, eu consegui senti em minha alma.

A mulher que estava atrás do balcão foi em sua direção, ela estava falando com ele, e o mesmo fingia não ouvi-la colocando de volta seus óculos escuros. Dominic era um acontecimento.

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