Eu olhava pela janela os carros passando pelo lado de fora, tudo no centro da cidade era movimentado e ríspido. O barulho dos carros era quase imperceptível com o vidro do café, que nesse dia estava especialmente cheio por conta de uma confraternização que ocorria. O local era pequeno e quente, a cozinha era o pior lugar para ficar, cheiro de fritura e doces invadiam as narinas se você não fosse acostumado. Eu mesma nos meus primeiros dias passava horas dentro do banheiro vomitando.
Apesar de todos os contras, foi de muita ajuda durante esses anos, graças ao café eu conseguia ajudar em casa. Meu salário não era alto, na verdade, era ridiculamente baixo, mas era suficiente para comprar comida e pagar os remédios.
Apoiei minha bandeja no balcão e suspirei, levei a costa da mão até a testa e limpei o suor.
— Aqui o pedido da mesa sete! — Uma das meninas que trabalhavam no balcão disse.
Pego o prato com bolo, a xícara de café e levo para o cliente. O dia inteiro era assim, entregando cafés, jogando lixo, limpando mesas e recebendo gorjetas medíocres. Algumas vezes recebia cantadas ou homens atrevidos tentavam pegar em minha bunda, mas eu sabia como contornar essas situações.
— Eu não aguento mais servir tantos bolos. — Uma das minhas colegas de trabalho diz. Ela era nova no emprego, era a única que falava comigo e que ainda tentava me chamar para sair.
O café com certeza era o lugar mais competitivo de Nova York, por conta da comissão, qualquer um pisaria em você para ganhar um trocado à mais.
— Uma hora você se acostuma. — digo.
— Duvido que algum dia eu me acostumaria a servir café a esses porcos medíocres.
Duas garotas entram no café, elas eram diferentes do que costumávamos receber. Usavam roupas claras e seus cabelos estavam perfeitamente penteados, uma loira e a outra morena, ambas esbeltas, provavelmente eram modelos da agência de modelos afrente.
— Deixa que eu vou dessa vez.
Fui até elas com o caderno de anotações mão. Elas estavam conversando sobre algo enquanto seguravam o cardápio na ponta dos dedos.
— Boa tarde, o que vão querer? — Pergunto com um sorriso no rosto.
— Algo não muito gorduroso, sem açúcar nem glúten. — Uma delas me responde com sotaque francês antes de me olhar dos pés à cabeça.
— Tem alguma sugestão, garçonete?
— Água? — Sugeri ironicamente.
— Que fait ce qu'elle pense qu'elle est? — a morena indaga em francês.
— Une serveuse stupide avec des vêtements sales. — A outra responde.
Elas se entreolharam, olharam para mim e gargalharam.
— Vamos querer uma size salad e uma água. — Elas responderam. Anotei e dei as costas para elas levando o fiapo de meu cabelo para trás da orelha.
Pendurei o pedido no mural para o cozinheiro.
Meu avental estava sujo de açúcar de confeiteiro e café, limpei o mesmo imediatamente. Tentei não pensar nas piadinhas cujo ouvi, já ouvi coisas piores, às vezes os clientes, por estarem pagando, pensam que somos seus fantoches.Eu sempre saía às 22 horas, mas desta vez tinha algo estranho pairando sobre o ar. Minha sensação intensificou quando fui chamada a sala da gerente. Ela era grossa na maioria das vezes e tinha um humor ácido que quase ninguém suportava, mas foi a única que me empregou durante esses anos que mais precisei.— Demitida?! — Levantei da cadeira, arrastando-a rispidamente.
— Eu sinto muito Olivia, nós precisamos cortar gastos. — Continua — o café já não dar mais dinheiro como antes.
— O que eu vou fazer agora? — Sento na cadeira cabisbaixa.
Ela respira fundo, mesmo com a cabeça para baixo, via os olhos dela revirarem.
— Eu posso indicar você, mas esse é o máximo que posso fazer. Ainda tem o seu seguro desemprego, pode pegar no nosso setor de Rh.
Tirei meu avental e o joguei em um lugar qualquer da sala dos funcionários. Abri meu armário e olhei a foto de minha família, basicamente consistia em: minha irmã Abigail e minha mãe Mary. Olhei para o chão, fechei meus olhos segurando as lágrimas, encostei minha testa no armário e arfei. Eu estava exausta. Durante anos trabalhei seis vezes na semana nesse café, e às vezes ainda vendia minhas folgas. Tudo isso para ser demitida tão inesperadamente. E o que eu faria agora?
Enquanto estava no metrô, tentava não pensar nos desafios que teríamos de enfrentar, sem meu emprego não podia mais ajudar em casa e a pagar o plano de saúde de minha mãe que a esse altura estava alto, mais caro do que quando começamos o tratamento anos atrás.A estação mais perto da minha casa ficava há duas quadras, no Queens. Vou direto para casa, abro a porta, entro e fecho-a novamente. Me apoio na mesma e sinto meus olhos pesarem. Droga, Olivia. Jogo minha bolsa em um canto qualquer e chuto para longe. Enxugou as lágrimas e quando vejo Abby descer as escadas.
— O que aconteceu? — Perguntou ela franzino a sobrancelha alourada — Por que está em casa tão cedo?
— Advinha — dou uma pausa esperando que minha voz não saísse tão embargada—, fui demitida.
Abigail é minha irmã mais nova, ela tem 17 anos e está no seu último ano do ensino médio. Ela era um suporte e tanto para me ajudar a cuidar de nossa mãe enquanto estou trabalhando, ou estava pelo menos. Cuidei dela desde muito cedo, eu era quase uma segunda mãe. Eu a ensinei a amarrar os cadarços e a levava para a escola nos primeiros dias de aula, éramos inseparáveis e ajudávamos uma a outra.
— Eu não posso acreditar, aquela cretina teve coragem de demitir você. Olivia, você era a melhor funcionaria dela! — Ela bufa.
— Eu sei, mas não tenho o que fazer agora. Ela disse que estavam cortando gastos.
— Eu duvido muito disso
.— Eu sei, pois eu também. O café estava lotado hoje.
Ela respira fundo e senta na cadeira. Ollie sorrir der repente e arregala os olhos como se lembrasse de algo, caminha até sua bolsa jogada por um canto qualquer da sala e vem ao meu encontro com um papel na mão.
— Não sei, mas, eu peguei isso quando estava vindo da escola — ela estende o papel na minha direção.
— Onde você pegou isso? — Pegou o papel de suas mãos, era um panfleto de empregos.
— Foi em um jornal jogado em frente à escola, estão contratando recepcionistas. — Ela diz. — Não é muito, mas já ajudaria.
No papel dizia o endereço e telefone para contato, nada muito chamativo. Provavelmente seria uma vaga de faxineira ou qualquer outra coisa que serviria.
— É, talvez amanhã eu vá lá. Mas não vamos colocar expectativas alta nisso, está bem? — Observo o papel, o nome Caccini brilhava em alto-relevo. — Caccini...
Deixo o anúncio em cima da bancada e vou até o quarto da minha mãe, ela estava adormecida. Não queria atrapalhar seu sono, então apenas depositei um beijo em sua testa e saio do quarto, em seguida fui para o meu. Me joguei na minha cama, pensando em que valor está a nossa dívida da hipoteca, teria que vender meu rim para pagar os juros altíssimos que o banco cobrava. Nossa casa não era lá essas coisas, mas ainda é uma das melhores do nosso bairro. Quando meu pai ainda era um pai, ele nos dava de tudo, nós só não sabíamos da de onde vinha tanto dinheiro. Até que um dia ele simplesmente sumiu e deixou uma dívida alta com uma gangue perigosa do nosso bairro.
Peguei meu celular e procurei por ofertas de emprego, trabalharia até três turnos se fosse preciso, mas eu tinha que arrumar uma forma. No dia seguinte me preparo para entrega currículos.
— Bom dia, Abby. — Digo a minha irmã que estava sentada em uma das cadeiras da mesa, tomando café. — Não vai para a escola?
— Hoje não tem aula.
Apoio as mãos na cintura.
— Abigail, você não está mentindo para mim como fez da última vez, não é?
— Você precisa da minha ajuda! — Ela gesticula com as mãos fazendo uma expressão de injustiça.
— E você tem que ir para a escola, vai se arrumar e peça a nossa vizinha para cuidar de mamãe. Já basta eu sem estudo, você não.
Eu tinha o mínimo, mas não cheguei a fazer faculdade. Minhas notas eram boas, fui aceita por uma faculdade em outro estado, mas minha família precisava de mim, então deixei tudo de lado para começar a trabalhar. Eu dava duro há anos, já trabalhei com coisas inimagináveis, mas nunca tive um sapato bom ou roupas nova, na verdade, nunca comprei nada para mim com o meu salário. Essa era a nossa vida. Ela não me contradiz e vai para o andar de cima. Dou uma bocada na torrada que estava em minhas mãos e me preparo psicologicamente para mais um dia daqueles.
[...]
O dia foi duro, não consegui nada além de: "Ligaremos para você" ou "Seu currículo não tem o necessário". Está sendo difícil encontrar emprego, a minha sorte é que eu tinha alguns cursos que precisavam ser atualizados, mas ainda davam para alguma coisa, fora as experiências em outros empregos.
Já eram 13:24, meu estômago doía de fome. Não tinha dinheiro para nada além de passagem de metrô. Eu ainda estava no metrô em direção a mais uma das empresas que provavelmente não me aceitaria, até que eu vejo o anúncio que a Sabrina havia me entregado na noite passada dentro da minha bolsa, tinha certeza que ela o colocou lá. Despercebida, soltei um sorriso nasal e abri o papel, observei e pensei: até que não seria uma má ideia tentar, afinal de contas, eu seria só uma simples recepcionista.
— Não custa nada tentar! — Digo a mim mesma dentro da estação.
Um senhor de idade olha para mim como se eu fosse maluca.
Eu estava bem em frente aquele prédio imenso, as cores azuis dominavam, era todo de vidro espelhado, num tom de azul-escuro e muito alto. Ficava nada mais, nada menos situado no centro da cidade, aonde apenas as maiores empresas estavam localizadas. Pessoas bonitas com roupas sociais entravam e saiam daquele local, me senti uma mendiga perto deles, mesmo com a melhor roupa que tinha. Sem mais nenhuma briga mental, entrei no prédio segurando firme o envolpe que continha meu currículo. Dentro me senti ainda mais ridícula, era impecável, tudo limpo com um aroma bom. Caminhei até uma mulher atrás de uma bancada, muito bonita e apresentável, assim como todas as outras, eram padronizadas com um fardamento em um tom azul-marinho.— Boa tarde senhorita, no que posso lhe ajudar hoje? — Ela perguntou com um sorriso.— Eu vim para tentar uma vaga de emprego. — Mostro o anunciado no jornal.Estendo o currículo para ela, as folhas estavam todas amassadas. Senti vergonha ao ver a expressão que ela f
Depois de um longo dia de trabalho exaustivo, fui para casa tarde da noite, eram 22 horas quando cheguei em casa. A noite parecia mais escura quando Sean estava em frente à minha casa, ele e os seus amigos costumavam ficar lá quando iam me cobrar. Dessa vez não foi diferente.Procurei pelas minhas chaves na bolsa com as mãos trêmulas, assim que as peguei, elas caíram no chão. Abaixei para pegar, mas já era tarde, ele já estava a minha frente. Levantei, mas sem olhar para o rosto dele.─ Meio tarde, não acha? ─ a voz rouca dele me dava náuseas.─ Estava trabalhando.─ Ótima notícia, assim você me paga o que deve.Sean quebra a barreira entre nós, eu me afasto.─ Olivia, eu gosto de você, mas já tem dois meses que você não paga o que me deve. ─ ele umedece os lábios e tira o cabelo que tinha no meu rosto com a ponta dos dedos ─ não esqueça que temos negócios a tratar.Eu estremeci com o toque dele. Ele se aproxima mais vez, eu vou para trás, mas minhas costas já colidem com a porta de c
O dia foi tenso. Kate me olhava como se quisesse me matar e depois jogar meus restos aos porcos. Eu não queria mexer com alguém como ela, que com certeza pisaria em mim como se eu fosse uma mísera barataFalei do ocorrido para Vanessa durante o horário de almoço e ela gargalhou.— Eu não posso acreditar, Olivia. — Ela indagou ainda rindo.— Foi muito constrangedor.— Mas como ele é de perto e a sala dele?— Ah, eu não reparei muito. — Finjo dar de ombros.Ela me lança um olhar cético.— Está bem, está bem. Ele foi educado e só. Somente isso, Vanessa. — Me rendo. — A sala dele é muito bonita.— Podre de rico, tinha que ser né.Para mim era estranho a visível divisão de classes. Enquanto Dominic tinha ouro e diamantes cravejados em uma simples garrafa de vinho italiano 1886, eu me humilhei mais cedo para continuar em um emprego de recepcionista.Já estava nos últimos minutos do meu expediente.— Finalmente, trabalho concluído. — Vanessa diz trocando de roupa.— O dia foi duro hoje.— Mu
Cheguei no trabalho mais cedo que todos. No vestiário troquei minhas roupa pela farda, Vanessa ainda não havia chegado, isso me deixava desconfortável, ela é a única pessoa que eu converso nesse lugar. Fui para trás da bancada e fiquei lá com as outras meninas, minutos depois chega Vanessa, estava com uma cara de ressaca.— Foi atropelada por uma manada de búfalos? Procure arrumar essa cara amassada. — Digo rindo da situação.— Ontem eu não tive noite.— Por quê?— Preciso dizer, Olivia? — Ela revirou os olhos, eu lembrei que ontem ela tinha me dito que teria um encontro.— Você é uma degenerada sexual!Kate entra na empresa pelas portas da frente, o que aquela mulher tinha de elegância tinha de arrogância. Assim que mira os olhos em mim, atrás da bancada, ela vem até mim.— Meninas, me deem licença, quero falar com a minha querida Olivia. Hoje eu tenho um trabalhinho especial para você queridinha. — Disse procurando algo em sua bolsa.— Mas hoje eu nem cheguei atrasada. — Eu não est
Horas depois eu já estava em casa e fiquei ao lado de minha mãe em seu quarto. Abby ainda não havia chegado e eu estava no tédio assistindo a um programa qualquer, por mais que assistisse sozinha eu me sentia bem ali, às vezes tinha a sensação de que nada mudou, que minha mãe estava ali consciente, assistindo ao bob espoja comigo. Eu ria de um momento engraçado do desenho quando ela começa a se debater na cama. Eu a seguro em seus braços assustada, ela parecia estar tendo um pesadelo, estava usando suas últimas forças para soltar suas mãos.— Mamãe, sou eu, sua filha. — Digo assustada. Isso não tinha acontecido antes.Ela abre os olhos, estava com a testa suada e as mãos trêmulas.— O-olivia?— Eu estou aqui mamãe. — Seguro seu rosto com as mãos.— Minha filha, você está aqui. Tive um pesadelo terrível. — Ela diz ofegante, seu peito descia e subia abruptamente — sonhei que havia perdido você e Abigail.— Você não me perdeu, estou aqui, mamãe. — Digo passando minhas mãos em seus cabelo
Todos ficaram olhando para nós quando entramos na empresa. Dominic fez questão de entrar pela porta da frente, eu estava vermelha de vergonha, talvez fosse pela falta de combinação entre mim e ele, enquanto eu estava de vestido florido, ele usava um terno de alta costura, completamente sério.Entrei direto para os vestiários e troquei minha roupa, Vanessa vem ao meu encontro imediatamente.— Tudo bem, você pode me explicar o que foi aquilo? — Ela me dá um leve empurrão.— Não é nada de mais.Ela me olha como se eu tivesse agredido um mendigo.— Você simplesmente acabou de sair do carro do seu chefe, um dos CEOs mais ricos de nova York e diz que não foi nada? — Balanço a cabeça. — Aquele surto de ontem com o joelho machucado eu entendi, mas isso...— Não leve isso tão a sério!Ela me olha com os olhos entre-abertos.— Vocês transaram? — Ela me sacode.— Não! Foi apenas uma carona. — Fecho meu armário totalmente envergonhada.— Você é muito cínica! Eu não acredito que está interessada n
Eu ficava feliz em finalmente estar trabalhando em um lugar cujo o salário seria maior, mas ficar na recepção o dia inteiro deixava meus pés doloridos. No fim do expediente só queria ir para casa dormir. Sean não estava na rua, abri a porta e entrei rapidamente, não queria ter o desprazer de encontrá-lo. Me joguei no sofá observando o quadro de Abby no jardim de infância acima da TV de tubo. Ela era uma criança tão doce, lembro-me do dia que ela chegou com um passarinho com a asa quebrada, cuidou dele até o dia que soltou ele no central park, ela nunca perdeu essa essência e no que dependesse de mim ela seria mantida. Acordei com Abby em cima de mim. — Quem é Dominic? — Perguntou ela com a sobrancelha arqueada. — É seu namorado, Olivia? — Não! Como você sabe dele? — Eu passei aqui no seu quarto e você estava falando esse nome. — O que você está fazendo aqui?! — Jogo meu travesseiro em sua cara. — Estava vendo você sonhando com o seu namorado misterioso! — Ela zomba. Começou um
Me sentei a mesa junto dele. Dominic parecia satisfeito por conseguir o que queria, enquanto Teresa nos espiava de trás do balcão.— Você morou aqui em Nova York? — Perguntou-me.— Sim, moro aqui durante toda a minha vida. — Respondo. — É estranho você te ver sempre pelos arredores do Queens tantas vezes.Ele solta um "humpt" como se fosse óbvio, isso fez uma interrogação gigantesca aparecer na minha cabeça.Dominic sorriu, seu sorriso me quebrava inteira.— Negócios. — Ele toma um gole do café a sua frente, a essa altura já deveria estar frio. — Me fale sobre você, Olivia. — Por acaso essa é a entrevista de emprego cujo eu não fiz? — Uma linha se forma entre as sobrancelhas dele. — Desculpe, meus chefes não costumam me fazer tantas perguntas. Eu observo a mandíbula dele tencionar e seus dedos segurarem com mais força a xícara.— Não precisa me chamar de chefe quando estamos fora da empresa. — Desta vez minha mandíbula trava. De repente os olhos dele focam em algo atrás de mim, eu t